No último sábado, a atriz Klara Castanho publicou nas redes sociais uma carta aberta relatando ter entregado para adoção o filho fruto de um estupro que sofreu. Apesar de não ser amplamente conhecido, o direito de entrega legal da criança é garantido por lei.
A lei 13.509/2017 introduziu no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) um artigo que assegura às gestantes o direito de entregar a criança para a Justiça da Infância e Juventude caso tenham interesse. A entrega é legal e não traz qualquer consequência jurídica, criminal ou administrativa para a mãe.
As mães que entregam os bebês legalmente devem ser acompanhadas por uma equipe técnica de assistentes social e psicólogos, que devem acolher sem julgamentos a escolha, bem como orientar sobre todos os trâmites.
Em Fortaleza, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) possui desde 2017 o programa Anjos da Adoção, em que voluntários acompanham todo esse processo para garantir acolhimento à gestante e ao bebê.
Entrega legal
O promotor de justiça do Cadastro Nacional de Fortaleza, Dairton Oliveira, explica que a gestante pode optar pela entrega do bebê a qualquer momento da gestação e mesmo após o nascimento da criança.
Para tanto, a mulher deve entrar em contato pelo telefone do Juizado da Infância ou do Ministério Público. No Ceará, esse atendimento pode ser feito por meio do telefone (85) 98563-4180, que atende ligações e Whatsapp.
“Primeiramente, é dado orientação sobre o direito que ela tem de dispor sobre a maternidade inclusive sob segredo de justiça. Sigilo sobre gravidez, nascimento da criança e qualquer informação, inclusive sobre o genitor biológico”, explica.
A gestante também possui direito de desistir da entrega do bebê a qualquer momento da gestação ou até 10 dias após a audiência final, que ocorre após o parto.
Ela pode desistir da entrega até o dia de audiência de homologação. Depois que ela deixa a criança a serviços da equipe de serviços sociais do hospital, ela vai para casa e é comunicada por telefone da audiência de homologação da entrega. É o dia que ela vai sentar na frente do juiz e decidir se vai entregar
Ele ressalta que a mulher tem direito a acolhimento sem julgamentos em relação a sua escolha nem tentativas por parte da equipe de acolhimento para que ela mude de ideia. A entrega é legal, ao contrário do abandono.
Busca por uma família
A criança que foi entregue é encaminhada ao sistema de justiça, que também realiza o cadastro nacional de adoção. O bebê só é entregue a uma das famílias inscritas no cadastro após o período de arrependimento da genitora.
Enquanto isso, os bebês são cuidados em instituições de acolhimento. Assim que liberados, eles são enviados para a família de acordo com a fila da adoção e sem qualquer intervenção da mãe biológica, que deixa de ter qualquer vínculo com a criança.
“O juiz recebe a criança e dá para ela 10 dias de arrependimento. Depois desse prazo a criança vai para adoção e nem ela vai saber para onde a criança foi. Se a criança quiser saber de sua origem biológica quando atingir 18 anos ou por meio da família adotiva, tem acesso a todas as informações por meio do projeto”, explica Dairton.
Conforme o promotor de justiça, hoje no Ceará são cerca de 1.000 famílias pretendentes a adoção, 400 só em Fortaleza.
Anjos da Adoção
No Ceará, o projeto Anjos da Adoção conta com voluntários que fazem esse acompanhamento para garantir que os direitos sejam cumpridos.
“O projeto Anjos da Adoção busca fazer com que essa entrega seja acompanhada e consciente. Visa evitar tráfico de crianças, abortos no caso em que ela não queira, mas também garante o aborto no caso de estupro. Garante, inclusive, o direito de ela cuidar de sua criança quando o motivo alegado é falta de condições financeiras”, diz Dairton.
A voluntária do Anjos da Adoção Velma Abreu conta que a fiscalização do projeto se faz importante, já que as mulheres que decidem entregar seus bebês sofrem críticas, apesar de serem resguardadas por lei.
Dentro dos próprios hospitais às vezes ela vai lidar com enfermeira, com técnico que critique. Porque quando a mulher vai para a maternidade, a própria maternidade não tem uma estrutura para o projeto. O projeto começou e depois foram aparecendo esses desafios
De acordo com a Velma, os voluntários acompanham a gestante inclusive no momento do parto, já que muitas vezes a gravidez é escondida de familiares e amigos da mãe. Também há um incentivo para que a mulher faça o pré-natal do bebê para que ele não seja prejudicado de alguma forma.
Os voluntários também intervêm junto ao hospital, caso haja resistência para acolher a criança ou tentativas de convencer a genitora a levar o bebê mesmo contra sua vontade.
“A gente está exatamente dentro da instituição para evitar e proteger a mulher dessas críticas e dessas situações de constrangimento que os profissionais da saúde queriam fazer. No início foi bem complicado. Claro que ainda acontece, mas a gente estando lá a gente consegue intervir”, afirma.
Conforme Dairton, o programa foi prejudicado pela pandemia, com uma queda considerável do número de voluntários. Ele adianta que a Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci) está abraçando o programa para que ele se torne uma política também da Prefeitura.
Segundo ele, servidores estão passando por formação para participarem do projeto. Sem depender apenas de voluntários, a ideia é que ele funcione em escala de plantão 24h para garantir os direitos das gestantes e bebês.