Anjos da Adoção garantem a entrega legal de crianças ao processo
O projeto do Ministério Público conta com o apoio de, aproximadamente, 15 voluntários atualmente. Eles auxiliam mães que não desejam manter a relação de maternidade com a criança.
Desde 2016, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) fornece uma alternativa legal às mulheres (grávidas ou não) que não desejam prosseguir com a maternidade: entregar a criança ao projeto "Anjos da Adoção". Em dois anos de funcionamento do programa, 34 mulheres foram atendidas - sendo 19 casos registrados em 2018.
Além do abandono (que se caracteriza por deixar a criança em local inseguro: lata de lixo, matagal etc.), a prática da "entrega tácita" - ato de deixar a criança em local considerado seguro (hospital, por exemplo) também pode ser prejudicial ao desenvolvimento do recém-nascido.
Os crimes de abandono de recém-nascido, e abandono de incapaz, resultam em pena de seis meses a dois anos; e de seis meses a três anos, respectivamente. Sendo que no segundo caso, se o abandono for seguido de lesão corporal de natureza grave, a pena é aumentada para um a cinco anos. E se resulta em morte, a pena é de reclusão de quatro a 12 anos.
"A maioria das maternidades e hospitais de Fortaleza tem conhecimento do Projeto. Então, quando a mãe deseja entregar o filho, eles entram em contato, e aí a gente entra em ação. A gente acolhe a criança, levamos para instituição de acolhimento. E mãe tem até a audiência para dizer se (entregar) é realmente o desejo dela", comenta Velma Abreu, uma das atuais voluntárias do projeto.
Ao passo que a entrega ajuda as mulheres que não desejam ser mãe, o ato também beneficia àquelas que desejam adotar. A sensação de Adriana Cosmo desde junho de 2018 pode ser simbolizada com algumas palavras-chave: gratidão, realização de um sonho e maternidade. A engenheira, e agora mãe, esperou três anos e sete meses para adotar. Aguardo que, para Adriana, valeu a pena.
"Eu sou grata à mulher que entregou o bebê para, hoje, ser minha filha. As pessoas realmente devem estar preparadas para ser pais. E se não estão, tentem se tranquilizar através de um processo legal como esse que o Estado oferece", aconselha a mãe de Ana Karla, de dez meses de idade.
Outro ponto que merece destaque, para Dairton Oliveira, Promotor de Justiça do Cadastro Nacional de Adoção e Projeto Anjos da Adoção em Fortaleza, é a pressão social em mulheres que força um dever pela maternidade, baseando-se no "dom" que a mulher tem de carregar um filho no ventre.
"A falsa ideia, que gera preconceito social, de que toda mulher nasceu pra ser mãe e tem obrigação de sê-lo. Precisamos parar de julgar mulheres e passar a acolher mulheres.", finaliza o promotor.
Fatores, não perfis
De acordo com o promotor, não existe "necessariamente um perfil étnico ou social tecnicamente específico" das mulheres que realizam a entrega. Os fatores, sejam eles, financeiros, psicológicos, ou de autonomia influenciam muito mais na decisão.
No entanto, a falta de apoio por parte de familiares é uma característica recorrente. "Com relação à formação familiar da autora da entrega, podemos dizer que o perfil é de mulher sem apoio do parceiro que participou da concepção da criança. Mas temos sim mulheres casadas, conviventes e mulheres solteiras em que o pai da criança participou efetivamente do processo de entrega", revela Dairton.
"Não são meninas, adolescentes, pois a média de idade das mulheres que procuraram o fórum é de 28 anos - tendo a mais nova 18 e a mais idosa 43 anos, sendo que a maioria já tem filhos, mas isso também não é fator de influência na entrega", complementa. O promotor finaliza informando que a maioria dessas mulheres também não se encontram em situação de rua durante o processo.
Desistência
O coordenador do projeto explica que a mãe "pode desistir até 10 dias depois da audiência final de homologação da entrega". De acordo com o responsável, "primeiro a mãe manifesta o desejo de entrega e então é encaminhada para a justiça que a acolhe e instrui sobre seus direitos e as consequências da entrega", completa. O processo todo tem duração de 45 a 90 dias.
"Se não desistir, a juíza dá uma sentença homologando a entrega e extinguindo o poder familiar dos autores da entrega, momento a partir do qual começa a correr o prazo de 10 dias para arrependimento. Passados estes 10 dias, a criança vai para a fila de adoção", complementa o promotor.
"Fato interessante a anotar é que essa mulher que entrega por autonomia também é capaz de desistir de uma hora pra outra, sem qualquer motivação especial aparente, ou seja, do mesmo jeito que decide de forma autônoma pela entrega, resolve desistir e criar o filho, demonstrando assim que é senhora de seu direito", complementa.
Informação
O conhecimento sobre a proteção dos Anjos se faz ainda mais necessário, após os últimos casos de abandono e entrega tácita acontecidas no Ceará em 2018.
No último dia 15, um recém-nascido foi deixado em uma igreja, no município de Barro, região do Cariri. Porém, a mãe se arrependeu da decisão no dia seguinte.A reportagem tentou contato com a conselheira tutelar do Município, que acompanha o caso, para saber sobre a guarda da criança mas não obteve resposta.