Quatro povos indígenas do Ceará devem ser beneficiados com a demarcação oficial de terras a partir de um novo acordo de cooperação técnica entre o Governo do Ceará com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). As etnias Jenipapo-Kanindé, Tapeba, Pitaguary e Tremembé de Queimadas podem ter seus processos acelerados após décadas de luta e mobilização.
O acordo será assinado na manhã desta quarta-feira (1/11), no Território Sagrado Tapeba, em Caucaia. A cerimônia terá participação da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; do governador do Estado, Elmano de Freitas; e da presidente da Funai, Joênia Wapichana.
A Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince) e o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) devem contribuir na demarcação física/georreferenciamento dos limites e no levantamento de edificações instaladas por não-indígenas nas Terras Indígenas.
De acordo com a Sepince, a demarcação de terras indígenas é um direito previsto na Constituição Federal, “essencial na preservação dos biomas do país e na salvaguarda da cultura, dos modos de vida e das tradições seculares desses povos, garantindo proteção contra possíveis ameaças e violações”.
A mobilização pela demarcação ganhou força com o embate no Congresso Nacional sobre o Marco Temporal, que estabelecia a data da promulgação da Constituição para definir a demarcação das terras. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a tese inconstitucional, mas o Senado reagiu criando um novo projeto de lei - este vetado pelo presidente Lula.
Além disso, a divulgação do Censo Demográfico 2022 comprovou que o Ceará quase triplicou a população indígena e chegou a 56.353 pessoas - o 4º Estado do Nordeste e o 9º do Brasil com mais indígenas. Eles demandam direitos básicos como saúde e educação, como mostrou o Diário do Nordeste no especial “Originários”, relembrando as lutas de povos indígenas da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
Conheça o processo de cada demarcação:
Jenipapo-Kanindé
Morador da Lagoa da Encantada, em Aquiraz, esse povo já tem 9 gerações de nativos. Dos 382 moradores da terra, segundo o Censo, 340 são indígenas. A moradora mais conhecida é Maria de Lourdes da Conceição Alves, a Cacique Pequena, primeira mulher cacique do Brasil, escolhida em 1995.
O processo de demarcação da etnia começou em 1999, ano em que o território foi delimitado no mapa. Desde 2017, o local passa por um processo de desintrusão, ou seja, a remoção de ocupações não-indígenas. Só depois da retirada total é que pode haver a homologação final dos 1.734 hectares.
Tapeba
Os Tapebas são fruto da mescla de quatro povos originários: jucás, potiguaras, kariris e tremembés. Hoje, a etnia se distribui em 19 aldeias em Caucaia, tendo 5.328 pessoas autodeclaradas indígenas.
A terra Tapeba, de 5.294 hectares, foi identificada oficialmente em 1986, durante um processo de mobilização incentivado pelo arcebispo de Fortaleza, Dom Aloísio Lorscheider. Após anos de obstáculos jurídicos e administrativos, sobretudo contra fazendeiros, a posse permanente foi declarada pelo Ministério da Justiça em setembro de 2017.
Pitaguary
Da linhagem dos indígenas potiguara, que habitavam o litoral do Ceará, eles foram “empurrados” pelos colonizadores para o pé da serra de Pacatuba, dividindo território com Maracanaú. A terra de 1.735 hectares abriga 2.942 indígenas da etnia.
O território foi delimitado pela Funai em 2000 e declarado de posse permanente em 2006. Embora seja um dos processos mais avançados entre as terras indígenas do Ceará, já decorreram quase 20 anos sem novidades.
Tremembé de Queimadas
A terra dos Tremembés de Queimadas fica em Acaraú, município do litoral Oeste do Ceará. A área de 767 hectares foi declarada em abril de 2013, mas não avançou na última década. Segundo o último Censo, é habitada por 311 moradores, dos quais 290 são indígenas.
Os Tremembé praticam a agricultura, caça, pesca e coleta, fabricam objetos artesanais e participam da economia regional. A castanha de caju é uma das bases de subsistência do grupo.
Seus “irmãos” da terra Tremembé da Barra do Mundaú, no distrito de Marinheiros, em Itapipoca, tiveram a demarcação final homologada pelo Governo Federal em 28 de abril deste ano. Ao todo, 3.511,4 hectares foram garantidos a esse povo.
Recuperação étnica
Ao todo, o IBGE contabilizou no Ceará 24.192 domicílios particulares permanentes ocupados com pelo menos um morador indígena, numa média de 4 moradores por residência.
O levantamento confirma uma tendência de maior autorreconhecimento das comunidades indígenas cearenses. Elas foram consideradas “extintas” por mais de 100 anos da história oficial do Ceará, precisando se esconder para não sofrer massacres.
Só nos anos 1970, a mobilização social no Ceará tirou os indígenas da invisibilidade e passou a exigir a efetivação de seus direitos, iniciada pelos mesmos povos que devem ser contemplados pelo acordo.