Drama cearense “Quando Eu Me Encontrar” cria identificações emocionais para dialogar com o público

Sétimo longa cearense lançado em 2024, o filme de Michelline Helena e Amanda Pontes estreia nos cinemas nesta quinta-feira (19)

Relações familiares, aspectos tipicamente fortalezenses e momentos de leveza e humor são alguns dos atrativos do drama cearense “Quando Eu Me Encontrar”, de Michelline Helena e Amanda Pontes, premiada produção que chega nesta quinta (19) aos cinemas. As diretoras falaram sobre a obra e o cenário audiovisual cearense no episódio de hoje do Que Nem Tu.

A partir do ímpeto de uma jovem que deixa a mãe, a irmã e o noivo para trás sem aviso ou explicação, o filme foca nas reações de quem fica. Indo de elementos e paisagens conhecidas de Fortaleza  — como o pratinho e o costume de pular da Ponte Velha em direção ao mar no Poço da Draga — a situações familiares e afetivas complexas, o longa estabelece diferentes níveis de identificação com o público.

Identificação com questões humanas

Com a partida de Dayane, o longa acompanha os modos que Marluce (Luciana Souza), Mari (Pipa) e Antônio (David Santos) encontram para lidar com o fato. A primeira, mãe da jovem, trabalha como merendeira numa escola e vendedora de pratinhos. Apesar de traumas familiares próprios, a mulher tenta seguir como esteio do lar em prol da filha caçula, Mari.

A adolescente estuda como bolsista no colégio onde a mãe trabalha e, em busca da própria identidade, enfrenta questões em casa e na escola enquanto tenta lidar com o vazio deixado pela irmã. Finalmente, o noivo de Dayane, Antônio, trabalha numa popular loja de calçados e vê os planos do casamento e da vida compartilhada serem suspensos de repente. 

A circulação da obra começou ainda em 2023, no Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, evento do qual saiu premiado com os troféus de Melhor Filme pela crítica e Melhor Roteiro pelo júri oficial.

“Nos festivais, a recepção foi muito boa. Eu me perguntava como é que esse público de Curitiba iria ler. Foi impressionante como as pessoas se jogaram mesmo no filme, entenderam”, celebra Michelline, em entrevista ao Verso

“Depois (da sessão em Curitiba), muita gente veio falar muito emocionada por se ver nos personagens, por discutir aquelas temáticas”, segue a diretora. “Gerou uma identificação”, reforça Amanda.

Referências fortalezenses

O longa foi exibido ainda na Mostra de São Paulo, no Cine Ceará e no Festival de Cinema de Vitória, entre outros eventos. Cada público, diz Amanda, tem uma relação diferente. “O que a gente nota de mais diferente (entre os públicos) são os momentos de reação. Coisas que aqui a galera capta e reage de uma forma, em outros lugares é nada”, partilha. 

Um exemplo dado por Michelline é sobre as menções do roteiro ao costume de pular da Ponte Velha. “(Em outra cidade) a gente mostrou o filme e uma pessoa disse: ‘Quer dizer que, em Fortaleza, pular da ponte é uma coisa boa?’. Para a gente é completamente normal, uma aventura, uma coisa que as pessoas fazem”, explica.

Conforme a realizadora, menções específicas como essas “surgiram naturalmente porque a gente estava muito imersa na cidade”. “Os personagens são daqui, fazem parte desse Centro-Praia de Iracema, que é mais ou menos onde a gente vive também. Poderiam facilmente ser nossos vizinhos”, atesta.

De Cartola e Chico a Mateus Fazeno Rock e Pulso de Marte

Outro elemento de destaque da obra são as “muitas camadas musicais”, como define Amanda, que “Quando Eu Me Encontrar” traz em si — da escalação das cantoras Di Ferreira e Adna Oliveira às referências a clássicos do cancioneiro brasileiro, passando pela presença de nomes cearenses na trilha sonora.

Já nos primeiros minutos do longa, ouve-se a voz de duas mulheres entoando parte do clássico “Preciso Me Encontrar”, de Cartola. Elas, entende-se depois, são a própria Dayane e a amiga Cecília (Di Ferreira), uma cantora de barzinho.

Os versos “Deixe-me ir, preciso andar / Vou por aí a procurar“, em especial, se relacionam com a trama do filme. “A letra da música representava muito o sentimento do que era essa partida da Dayane”, relaciona Amanda.

Para a realizadora, a música é sempre “ferramenta criativa”, seja na trilha ou na inspiração para a escrita do roteiro. “A gente tinha algumas intenções musicais que se aliavam à narrativa”, explica, citando ainda uma cena-chave no bar na qual Cecília dedica “Trocando em Miúdos”, de Chico Buarque, a Antônio.

Além daquelas aliadas à trama em si, “Quando Eu Me Encontrar” também abre espaço para canções de diferentes artistas cearenses em outros contextos, incluindo Mateus Fazeno Rock, a banda Pulso de Marte e Angel History. Foi, como definem Michelline e Amanda, uma escolha “política” e “conceitual” para destacar a arte musical feita aqui.

Desafios de concretização

Apesar de chegar aos cinemas em 2024, a gênese de “Quando Eu Me Encontrar” data de 2016, a partir do curta “Do que se faz de conta”, realizado pela dupla de diretoras. 

“A gente tinha essa figura Dayane no nosso primeiro curta, que era uma personagem secundária que ia embora, que de vez em quando revisitava. A gente foi naturalmente se instigando por explorar histórias que derivavam dela, sobre pessoas que ela tinha deixado para trás”, explica Amanda.

“Foram se somando várias outras questões que nós costumeiramente falamos nos nossos trabalhos narrativos — relações familiares, de maternidade, expectativa de relacionamentos — e isso foi se agregando e criando essa linha narrativa que conduz o filme”, segue.

Com o roteiro escrito, o projeto foi aprovado em um edital de 2016 realizado via arranjos regionais, uma modalidade de parceria entre a Secretaria da Cultura do Ceará e a Agência Nacional do Cinema via Fundo Setorial do Audiovisual. 

As gravações só ocorreram, no entanto, em 2021, tanto por conta de problemas a nível estadual e federal quanto da pandemia. O desafio de realizar o longa no período, inclusive, impactou até nas escolhas do elenco. Dois dos intérpretes inicialmente escalados tiveram de sair do projeto pouco antes do início do set por questões de saúde, por exemplo.

Já nas gravações, Amanda e Michelline destacam, além dos recursos públicos, a importância de apoios e parcerias com empresas e negócios locais. Espaços como o Colégio Dáulia Bringel e a Casa Pio serviram de locação, além do bar Papudim ter servido de base de set durante filmagem no Mercado dos Pinhões, por exemplo.

Cenário do audiovisual cearense

Para além dos temas, da forma, dos desafios e do processo, “Quando Eu Me Encontrar” se destaca ainda no contexto geral do audiovisual cearense de 2024: o filme é o sétimo feito no Estado a estrear comercialmente neste ano. 

Questionadas sobre o que pode ter proporcionado esse cenário, Amanda e Michelline destacam a importância de políticas públicas, mas evidenciam ainda fragilidades nas ações.

Amanda, por exemplo, ressalta a linha dedicada à distribuição cinematográfica de um dos editais estaduais da Lei Paulo Gustavo, a partir da qual alguns dos longas receberam investimento de recursos para a estreia nas salas de cinema.

“Pelo menos quatro deles estão tendo recursos através desse edital. Por exemplo, a gente não teria condição de fazer um lançamento desse porte sem esse aporte”, reconhece. “É (fruto) uma leva de editais, mas que não necessariamente tem a ver com uma política contínua. A gente sabe que passou anos sem o edital de Cinema e Vídeo do Estado”, aponta.

Além da produção e distribuição, Michelline salienta ainda a importância de outro aspecto do audiovisual: “Uma coisa que foi plantada já há mais tempo é a formação”. “Tive uma formação básica no Instituto Dragão do Mar, mas aí veio a Vila das Artes, o curso de cinema da UFC. A geração nova que vem aí é muito fruto dessa política de formação”, avalia.

“Tenho circulado fazendo trabalho em alguns estados e é nítida a diferença do que a gente vive aqui no Ceará em relação à formação e à produção. Isso começa na forma do fazer cinematográfico. O cinema que se faz no Ceará é muito afetivo, a gente tem um modo de trabalho coletivo e preocupado com a partilha, com o outro”
Michelline Helena
cineasta

Entre os passos seguintes a “Quando Eu Me Encontrar” e ao lançamento, a dupla de diretoras já realizou um curta-metragem ainda inédito — “com patrocínio próprio e amigos que se juntaram para fazer a equipe”, destaca Michelline — e está com roteiros prontos ou em desenvolvimento.

Em processo de realização, está uma série — da realizadora estreante Virna Paz — em oito episódios, todos dirigidos por mulheres, que tem Amanda como produtora executiva e Michelline como uma das diretoras.

“O que a gente tem feito agora é colaboração em projetos autorais de outras pessoas e aguardando chances para realizar os nossos”, resume Amanda.

Quando Eu Me Encontrar

  • Quando: sessões quinta, 19, às 17 horas; sexta, 20, às 17h20; sábado, 21, às 17h30; domingo, 22, às 18h20; terça, 24, às 17h50; quarta, 25, às 18 horas
  • Onde: Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
  • Quanto: R$ 16 (inteira) e R$ 8 (meia); valor promocional às terças de R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia)
  • Mais informações: @cinemadodragao@marrevoltofilmes e @embaubafilmes