A Justiça do Ceará recebeu no último dia 17 de maio uma denúncia contra três policiais militares (PMs) acusados de invadir uma casa, agredir e extorquir uma jovem de 19 anos (identidade preservada) na Grande Fortaleza. Os acusados são um cabo e dois soldados, que no dia 25 de dezembro, feriado de Natal, encurralaram uma jovem de 19 anos em Maracanaú e ameaçaram prendê-la por tráfico de drogas caso ela não pagasse R$ 3 mil a eles. Essa não foi a primeira que ela foi vítima de agentes de segurança e chegou, inclusive, a ser agredida enquanto estava grávida.
A jovem fez um B.O no dia 29 de dezembro, após dias de assédios e extorsões, pedindo que ela entregasse traficantes da área. O caso foi investigado pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) e em 23 de janeiro deste ano, foram indiciados por extorsão:
- Cabo Antônio Wellington Ribeiro de Andrade
- Soldado Wiver Rodrigues da Silva
- Soldado Lucas Valentim Pinto Andrade
O trio de agentes de segurança está preso desde janeiro deste ano. Segundo documentos obtidos pela reportagem. O processo tramita na Vara da Auditoria Militar do Estado do Ceará.
Conforme ainda o documento, o cabo Antônio Wellington e os soldados Wiver e Lucas responderão por extorsão, com Lucas também tendo cometido, em tese, violação de domicílio e prevaricação. Eles haviam sido denunciados também por tortura, mas o magistrado Roberto Soares Bulcão decidiu não acatar essa parte.
No recebimento da denúncia, a vara determinou que os policiais se apresentassem à Justiça para saberem formalmente da ação criminal e receber uma cópia da denúncia. De acordo com a CGD, há um processo disciplinar para apuração da conduta dos funcionários públicos na seara administrativa, que está em tramitação atualmente.
Conforme a denúncia, a primeira extorsão ocorreu em outubro de 2023, dias após ela ser presa por tráfico de drogas e ser solta em audiência de custódia. O nome da vítima foi omitido por questões de segurança.
Por volta do dia 12 de outubro, consta no B.O que ela estava em uma casa com outra mulher que seria uma traficante, quando três PMs invadiram o local para uma busca de arma de fogo, alegando que haviam recebido uma denúncia. Os agentes estavam de balaclava para cobrir o rosto, e um deles chegou a jogar spray de pimenta três vezes no rosto da jovem.
Ela estava grávida no momento e pediu para não ser agredida, mas foi colocada de joelhos e ameaçada de apanhar com pauladas. A segunda mulher que estava na causa interveio por ela e afirmou que escondia crack e cocaína na casa, mas segundo a denúncia os PMs não se importaram com a droga, e começaram uma série de extorsões.
Primeiramente eles solicitaram uma arma de calibre .38, mas a vítima não tinha, então eles pediram R$ 5 mil em troca de não a prender. A denunciante disse que nervosa aceitou e arranjar a quantia no mesmo dia, e então eles foram embora.
No entanto, ela não tinha esse dinheiro, e acabou fugindo da casa. No dia seguinte, ela ficou sabendo que os PMs a "juraram de morte".
Nova extorsão e ameaças
Após cerca de dois meses, o caminho da jovem cruzou novamente com os policiais agressores, que a encontraram quando ela voltava de um shopping em Maracanaú com sua irmã. Elas entraram na casa de um amigo para beber água, conforme consta nos documentos obtidos pela reportagem, quando agentes em uma viatura descaracterizada chegaram ao local e as renderam.
"Olha aí 02, quem nós achamos". "Lembra de mim?". Ao ouvir essas frases, a jovem entendeu que havia sido encontrada pelos PMs que a extorquiram meses antes. Ela foi agredida com um cabo de vassoura e ameaçada de cair em uma falso flagrante de tráfico de drogas, caso ela não os pagasse R$ 3 mil.
"Eu não sei o que tá acontecendo, mas tu tem que cumprir com tuas palavras; se a gente não te levar para a Delegacia, a gente te deixa toda quebrada”, disse um dos policiais à mulher.
Eles baixaram o valor à medida que a vítima dizia que não tinha a quantia e pararam em R$ 1 mil. A mulher mando mensagem para seu ex-companheiro, pediu a quantia a recebeu R$ 900 via Pix, mas não conseguiu transferir para os policiais por conta do horário. Ela conta que ficou sob poder deles até a madrugada do dia 26 de dezembro, e quando eles foram embora indicaram que queriam o dinheiro de manhã cedo.
A jovem realizou a transferência e desde esse dia ficou sendo assediada por meio de mensagens do WhatsApp, que inclusive estão anexadas no inquérito. A Polícia Civil conseguiu a quebra do sigilo telefônico e depois pôde ver outras comunicações que ajudariam nas investigações.
No último dia antes do B.O, 29 de dezembro, um dos PMs pediu a ela R$ 2,1 mil e o nome de um "traficante peixe grande" da região. A ela, eram prometidos parte dos "lucros" das extorsões, como drogas e dinheiro em espécie.
Policiais foram presos
Antônio Wellington, Wiver e Lucas foram presos no dia 12 de janeiro deste ano, após a Justiça aceitar a representação da Polícia Civil por prisão preventiva, busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico. Com o soldado Wiver, foi apreendido um celular que se conectava a um número que ameaçava a vítima, e também materiais ilícitos como crack, maconha, cocaína, munições não autorizadas e uma quantia de R$ 2.070.
"Vale ressaltar que essa droga, inclusive, estava acondicionada no colete do investigado, o que corrobora com as palavras da vítima [...] de que a equipe em questão portava consigo entorpecentes, com o intuito de utilizá-los como meio para a prática de extorsões, através da ameaça de que fossem forjados flagrantes", diz trecho do indiciamento.
Com Wellington, também foram encontrados materiais de origem ilícita, como munições, aparelhos, balanças de precisão e embalagens para separação de drogas, além de um saco com cocaína e 88 pedras de crack.
[Atualização: 24/05/2024, às 9h10] Após a publicação da reportagem, a defesa do cabo Antônio Wellington Ribeiro de Andrade, representada pelo advogado Ivá da Paz Monteiro Filho, enviou nota à redação, em que ressalta que "nos encontramos na fase de defesa preliminar, na qual o militar terá a oportunidade de apresentar sua versão dos acontecimentos, visto que até o momento não teve a oportunidade de se pronunciar. Dessa forma, diante da ausência de condenação até o presente momento, qualquer conclusão desfavorável ao militar seria precipitada e imprudente".
"Destacamos a relevância dos princípios basilares do processo penal e da Presunção de Inocência, conforme estabelecido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Até que haja uma decisão penal definitiva, a inocência do militar é uma premissa inquestionável. Reiteramos nossa confiança de que a inocência do militar será plenamente comprovada ao longo da instrução processual", conclui a defesa.
No caso do soldado Lucas Valentim, as autoridades não acharam ilícitos, mas ele possuía uma balança de precisão e um cartão bancário em nome de terceiro.
Por nota, o advogado de defesa dos soldados Lucas e Wiver pontuou que eles são inocentes, e que os depoimentos da vítima não condizem com a verdade, "além de serem contraditórios e duvidosos".
"O intuito desses depoimentos caluniosos e deturpar a realidade e querer manchar a atuação dos militares que são altamente atuantes na região onde servem. A Inocência está sendo provada. O que está ocorrendo é uma forma de vingança contra a atuação dos agentes, pois a suposta vítima foi presa e admitiu está envolvida com situações ilícitas e criminosas. Os militares são totalmente inocentes de tais fatos", diz o advogado Oswaldo Cardoso.