Estelionato sentimental: saiba quem são os suspeitos e as histórias dos golpes aplicados no Ceará

Uma das vítimas conta que chegou a ter prejuízo financeiro de quase R$ 200 mil

Diferente de outros tipos de golpe, o 'estelionato sentimental' vai além do prejuízo financeiro. Cria-se um vínculo cercado por afeto enquanto uma das partes está ali em prol de tirar vantagens por meio de um crime. Sandra, Clara e Ana são vítimas reais com nomes fictícios. Todas elas enganadas por estelionatários que atuaram no Estado do Ceará, a quem dedicaram tempo, confiança e em um dos casos mais de R$ 200 mil comprometido.

Conforme o delegado adjunto da Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF) da Polícia Civil do Ceará, Carlos Teófilo, no ano passado foram presos dois homens com este perfil de estelionato. David Alves Bezerra é suspeito de ter feito, pelo menos, 70 mulheres vítimas do crime em todo o País e vinha ao Estado com frequência. 

O segundo, identificado como Yanderssen Berg Carvalho, é cearense e foi detido em Pernambuco. Ambos se comportavam da seguinte forma: "sendo sustentados pelas vítimas e namorando com várias mulheres ao mesmo tempo", diz o delegado.

"ELE CONQUISTOU A MINHA CONFIANÇA"

Ana conheceu Yanderssen Berg Carvalho por meio de um aplicativo de relacionamentos: "Ele se apresentou com esse nome mesmo e disse que já tinha servido ao Exército", conta. Após encontros pessoalmente, Yanderssen propôs que morassem juntos. "Ele conquistou a minha confiança e foi pedindo que eu o ajudasse financeiramente". Foi então que aconteceu o primeiro empréstimo, no valor de R$ 57 mil.

O relacionamento evoluía, até que veio a primeira viagem. A vítima contou à Polícia que o namorado começou a dizer que precisava viajar a trabalho, mas a cada retorno dele as dívidas aumentavam. Ana passou a ser pressionada por mais dinheiro. Ela lembra da vez que o parceiro foi até Foz do Iguaçu para comprar cigarro eletrônico e revender. A viagem demorou mais que o previsto, até que Yanderssen teria ligado para ela pedindo R$ 8 mil.

O homem alegou que só poderia voltar à Fortaleza com esse dinheiro, porque devia a um árabe o qual encontrou em Foz. Então veio a desconfiança. Ana contou sobre a relação aos familiares, que a alertaram, e ligou para as operadoras de cartões de crédito. Foi quando descobriu uma série de débitos e cheque especial em seu nome: "fiquei transtornada emocionalmente".

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No momento em que decidiu denunciar Berg, descobriu que a Polícia já procurava o homem, porque outras mulheres já haviam relatado situações semelhantes. Ele conseguiu fugir durante meses, até ser preso no ano passado em Pernambuco, onde permanece sob custódia.


"Foi muito doloroso. Essa pessoa chegou a morar comigo, morar na minha casa. Até medida protetiva eu pedi. Hoje eu sei que poderia ter sido pior, mas passo por muitas consequências, como o meu nome sujo"

Contra Yanderssen constam processos por estelionato e pelo crime de ameaça contra uma outra mulher com quem viveu. Recentemente, o advogado de Berg desistiu de representá-lo. A reportagem não localizou o atual representante da defesa do acusado.


AS PROMESSAS FEITAS

David Alves Bezerra, 30, gostava rodar pelo País para aplicar golpes. No primeiro semestre do ano passado, ele esteve em Fortaleza e se apresentou para Sandra (nome fictício), que estava à passeio na Capital. Saíram juntos para um jantar e em meio às taças de vinho contou que era do Distrito Federal e analista da Receita Federal, com atuação no aeroporto.

A falsa informação sobre o falso emprego era a abertura para a próxima mentira do homem. Consta no depoimento da vítima que David disse ter produtos eletrônicos para vender, que era provenientes das apreensões da Receita Federal e sobraram após leilão.

Durante o encontro, David ficou ao telefone atendendo ligações dos supostos amigos que precisavam de algum produto. Algumas ligações ele deixou até no viva voz, o que fez a vítima acreditar nele.

Sandra se interessou pelos produtos. Encomendou uma câmera Go Pro, uma bicicleta, um iPad e um celular. No total, R$ 8.500 transferidos enquanto jantavam. A noite do casal terminou em um hotel de luxo na Avenida Beira-Mar e com a promessa da entrega dos itens no dia seguinte.

Quando a vítima perguntou pelos eletrônicos via Whatsapp, David passou a dizer que os produtos ainda iriam chegar ou então ele poderia devolver o dinheiro. Sandra conta que foi ao hotel, mas já não encontrou o suspeito. Na recepção ela foi informada que David havia feito check out no dia anterior.


O PRÓXIMO PASSO

No mês seguinte, David voltou ao Ceará. Era a vez de aplicar um golpe maior. Ele e Clara, 35, (nome fictício) se conheceram virtualmente. Ali começava mais uma vez uma história de amor válida apenas para um dos lados.

"David era muito gentil e prestativo. Logo conquistou meus amigos e minha família", recorda a vítima. O início se repetia, mas era vez da Polícia conseguir chegar ao estelionatário. Eles moraram juntos desde o momento que David disse à Clara que ficou caro se hospedar em hoteis. Alegou que poderia dividir as despesas com ela e viajaram até Gramado.

Na volta, deu a ideia de a namorada trocar de carro. Chegou a alugar uma Fiat Toro para passarem o fim de semana e depois compraram uma Chevrolet S10 no nome de Clara. A proposta era que ele vendesse seu carro, que estava em Brasília, e repassaria parte do dinheiro para arcar com o investimento.

"Dizia que eu não me preocupasse com nada, porque ele tinha um bom salário e ia ajudar nas parcelas, mas naquele momento estava com a conta bloqueada. Chegou até a apresentar uma mulher que seria a sua mãe".

Devido às denúncias anteriores, o homem já era procurado pelas autoridades. Em junho de 2021, policiais bateram na porta da casa de Clara para cumprir mandado em desfavor ao suspeito. Só então ela descobriu que era mais uma das vítimas.

"Ele foi preso dentro da casa dela quando que recebemos informações de Roraima. Depois da captura começaram a chegar mandados de prisão contra ele de outros estados. Ele vivia disso há muito tempo, aplicou golpe em várias mulheres e a história era sempre a mesma", disse o delegado Carlos Teófilo.

O delegado destaca que é preciso verificar identidade dos companheiros de relacionamento e até mesmo suspeitar de quem pede de pronto para se acomodar na sua residência: "Nós sabemos que é algo complicado, porque mexe diretamente com o sentimental das vítimas".

Segundo documentos que a reportagem teve acesso, David Alves Bezerra foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por estelionato, em junho de 2021. No mesmo mês, a Justiça acolheu a acusação e em agosto ratificou o recebimento da peça.

A defesa dele alega que os fatos não aconteceram conforme denúncia. Segundo os advogados, o acusado se relacionava com a mulher sem intuito de aplicar qualquer golpe e que nenhum dos veículos foi colocado em nome dele: "que tudo foi feito como forma de agradar a vítima e isso afasta a fraude".

Eles afirmam ser caluniosa a matéria que traz ele como suspeito de aplicar golpes em 70 pessoas ao redor do Brasil e que há ausência de provas, de culpa e de dolo. O processo segue em andamento na Justiça do Ceará e David permanece preso no Estado.