Chefes das facções CV, GDE e PCC se reuniram em presídios do CE para planejar ações contra o Estado, diz MPCE

As facções planejaram um 'boicote' às ações do Sistema Penitenciário e ataques criminosos, para serem executados em outubro do ano passado, segundo a Secretaria da Administração Penitenciária e o Ministério Público do Ceará

Organizações criminosas, rivais nas ruas de todo o Ceará, estiveram como aliadas nos presídios cearenses, no fim do ano passado. Os objetivos das lideranças das facções Guardiões do Estado (GDE), Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) eram planejar ações contra o Estado e exigir mudanças no Sistema Penitenciário. É o que revela um relatório elaborado pela Coordenadoria de Inteligência (Coint) da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP).

Conforme documentos obtidos pelo Diário do Nordeste, o relatório da Coint baseou uma manifestação do Ministério Público do Ceará (MPCE) a favor que um preso apontado como chefe da GDE, Adailo de Sousa Costa, fosse incluído definitivamente no Sistema Penitenciário Federal de Segurança Máxima.

O MPCE enfatizou que, "entre os dias 25 e 28 de setembro de 2023, alguns líderes das organizações criminosas PCC, CV e GDE que estão custodiados nas unidades prisionais do Ceará realizaram reuniões durante o banho de sol e de acordo com informes, determinaram 'salves/editais' para todo o Estado do Ceará".

A determinação dos líderes das facções, segundo o Ministério Público, era de que, se eles não tivessem exigências atendidas pelo Estado, "iriam iniciar movimentos de ataques incendiários a prédios, ônibus e órgãos públicos do Estado". "Nesta ocasião, os custodiados iriam solicitar a presença de um representante do Governo do Ceará e caso não fossem atendidos, os ataques possivelmente iriam iniciar no dia 04 de outubro de 2023". Entretanto, os ataques criminosos não foram colocados em prática.

'Salve' para unir facções

O Ministério Público do Ceará, com base no relatório de inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária, apontou que Adailo de Sousa Costa "faz parte de um grupo de detentos que buscam causar subversão da ordem e da disciplina prisional por meio da paralisação de atividades nas unidades prisionais e ataques a ônibus e instituições públicas. Tal ação estaria sendo planejada em conjunto pelas facções GDE, Comando Vermelho e PCC".

A informação foi obtida pela Coordenadoria de Inteligência da SAP, a partir da apreensão de um bilhete, que estava na posse do detento identificado como Lucas Cândido. O documento, assinado por "Hierarquias/GDE", é endereçado aos membros do Comando Vermelho que estão presos e diz que o "salve" também será enviado para integrantes da facção cearense Massa Carcerária. As três facções se digladiam nas ruas do Estado, em confrontos que já deixaram milhares de mortos nos últimos anos.

"Como é sabido por todos, uma paz foi estabelecida dentro do Sistema desde 2019, que é assegurada por um 'salve' por ambas organizações. Com isso, queira sim, queira não, muitas das vezes é necessário unirmos as forças quando se trata de um mesmo ideal, de um mesmo propósito", inicia o bilhete trocado entre presos.

A facção afirma, no documento, que, a partir do dia 2 de outubro de 2023, os detentos ligados à organização criminosa não irão para "colégio, curso, prova do livro ou trabalho. Nada que dê mídia ao secretário atual. Pois entendemos é por conta desses projetos que se tem prolongado a sua permanência", referindo-se a um "boicote" ao titular da SAP, Mauro Albuquerque.

O 'salve' diz ainda que a "reivindicação (da facção) é por aumento nos itens do malote, mudança das organizações, cada uma para suas cadeias, e visita íntima". Familiares dos detentos também realizaram um protesto, em frente ao Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, no mesmo dia marcado pelo bilhete trocado no presídio (2 de outubro de 2023), para pedir mudanças no Sistema Penitenciário cearense.

Segundo o MPCE, Adailo de Sousa foi visto em uma reunião com outros líderes da GDE, em um banho de sol no presídio, cerca de quatro meses antes, no dia 12 de junho do ano passado. Estavam presentes também Auricélio Sousa Freitas, o 'Celim da Babilônia'; Francisco Régio de Sousa, o 'Régis do Horizonte'; e Wanderson de Abreu Rocha, o 'Véi'. O objetivo do encontro seria decidir uma separação e uma dissidência entre lideranças da facção criminosa cearense.

"Ainda acerca de informações dessa ocorrência na UP Itaitinga III, logo após as brigas entre as lideranças do grupo criminoso, houve outras movimentações da organização criminosa Guardiões do Estado – GDE, como 'salves', vídeos de expulsões de famílias, etc. Ademais, matérias jornalísticas foram vinculadas a este fato na região do Conjunto Palmeiras e Jangurussu, que são as áreas de atuação criminosa de Adailo de Sousa", completa o Ministério Público.

Pedido negado

Transferido para o Sistema Penitenciário Federal de Segurança Máxima, a defesa de Adailo de Sousa, pediu na Justiça o retorno do detento ao Sistema Penitenciário Estadual do Ceará. Ao analisar o caso, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) acatou a manifestação do MPCE, no dia 29 de agosto deste ano, e rejeitou um recurso ingressado pela defesa. 

Os desembargadores da 1ª Câmara Criminal acompanharam, por unanimidade, o voto da relatora, a desembargadora Lígia Andrade de Alencar Magalhães. "Contrariamente ao que alega a defesa, o histórico do réu demonstra claramente seu envolvimento com a organização criminosa Guardiões do Estado (GDE). Adailo de Sousa faz parte do 'Conselho Final', o quadro responsável por decisões dentro da facção, sendo o principal líder das comunidades do Jagatá e Beira-Rio, localizadas no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza", considerou a magistrada.

A desembargadora detalha que, em 2017, Adailo "foi beneficiado com trabalho externo por monitoramento eletrônico, mas, no dia seguinte, rompeu o equipamento, resultando na regressão de regime e na expedição de um mandado de prisão". "Em 2019, mesmo preso na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UP POO II), Adailo foi um dos líderes e mandantes dos ataques incendiários a prédios e instituições públicas em Fortaleza", acrescentou.

Ainda segundo o voto da magistrada, o chefe da GDE esteve detido na Unidade Prisional de Segurança Máxima do Ceará, mas foi transferido para a Unidade Prisional Professor José Jucá Neto (UP Itaitinga 3), em outubro de 2022, após uma ação judicial. "Lá, Adailo continuou a exercer cargos de liderança na GDE, organizando reuniões e emitindo ordens para outras unidades prisionais", afirmou a desembargadora.

defesa de Adailo de Sousa Costa não foi localizada pela reportagem para comentar a mais recente decisão. No Agravo em Execução Penal, o advogado solicitou que o TJCE reformasse a decisão da 1ª Vara de Execução Penal de Fortaleza de manter o preso em Sistema Penitenciário Federal. Segundo o pedido judicial, de 4 de maio de 2023, o detento se encontrava "em regime semiaberto, sendo este incondizente com o sistema federal".

O que diz a defesa do preso

No Agravo em Execução Penal, a defesa de Adailo de Sousa afirma que não há provas de que o cliente lidera uma facção criminosa: "O reeducando não responde a nenhum processo de Associação Criminosa, Organização Criminosa, tampouco a qualquer processo por crime hediondo ou equiparado a hediondo como pode se ver nos seus antecedentes criminais". O advogado de defesa rebate o MPCE ao dizer que o posicionamento do Órgão "não condiz com a realidade e nem informa quais regras estatais o reeducando está violando, pelo contrário, se utiliza de uma foto no banho de sol onde todos os presos da ala se encontram, para elucidar a tal periculosidade do mesmo".

"Não demonstra o que está comandando, dentro e fora dos presídios, tampouco, demonstra o motivo pelo qual o reeducando é considerado uma pessoa perigosa atualmente. Ademais, embora todo o esforço da Secretaria, é importante destacar que reeducando não possui nenhuma falta disciplinar seja no Sistema Penitenciário Estadual ou no SPF, ou seja, desde que foi preso, ostenta bom comportamento carcerário", completa a defesa.

O Relatório da Situação Processual Executória de Adailo de Sousa Costa, do Tribunal de Justiça do Ceará, datado de 4 de maio do ano corrente, detalhava que o preso se encontrava, naquela ocasião, em regime semiaberto, com uma pena total de 27 anos e 4 meses de reclusão, tendo cumprido 10 anos e 9 meses (e com uma pena remanescente de 16 anos e 7 meses). Ele acumulava condenações em processos por roubo, uso de documento falso, falsa identidade e tráfico de drogas.

No dia 17 de outubro último, a juíza Luciana Teixeira de Souza, da 1ª Vara de Execução Penal, negou um pedido de indulto natalino (perdão da pena) para Adailo de Sousa e também um pedido de livramento condicional. Na mesma decisão, a magistrada diminuiu a pena do preso em 16 dias, em razão de ele concluir o curso de Empreendedorismo (200 horas/aula).