Confirmada 1ª morte por Covid-19 entre ciganos no Ceará

A vítima foi um homem, de 63 anos, que estava internado na Santa Casa de Misericórdia de Sobral

A Covid-19 fez a primeira vítima entre a população cigana do Ceará. Nesta terça-feira (2), faleceu em Sobral, Antônio Ferreira dos Santos, conhecido como Cigano Barroso, aos 63 anos. Ele era diabético e fazia tratamento com hemodiálise. A causa da morte foi insuficiência respiratória causada pelo novo coronavírus, segundo laudo médico ao qual o Sistema Verdes Mares teve acesso na manhã de hoje (4).

Antônio foi sepultado ontem (3), no Cemitério São José, em Maracanaú, na Grande Fortaleza, onde tinha familiares. Por ser vítima da Covid, o momento contou com a presença de poucos familiares e de dirigentes do Instituto Povo Cigano do Brasil (ICB). “Ele faleceu às 19 horas, na Santa Casa (de Misericórdia de Sobral). Fazia tratamento de hemodiálise e começou a se sentir mal no dia 25”, relatou o presidente do ICB, Rogério Ribeiro.

O ICB possui sede em Caucaia, na Grande Fortaleza, e está presente em 14 estados brasileiros e em Portugal.

Em nota, enviada às 14h54, a Santa Casa de Misericórdia de Sobral informou que o paciente foi atendido no serviço de Emergência da Unidade em 18 de maio relatando dores abdominais.

"No dia 19 de maio, o paciente foi internado em decorrência de uma patologia renal, por isso precisou ser submetido à hemodiálise. Após reavaliação da Clínica Médica do Hospital, foi encaminhado para a UTI, no dia 25 de maio, com sintomas iniciais da Covid-19. Foi submetido ao teste rápido para Covid-19 no dia 26 de maio, o qual confirmou a doença. Ele permaneceu em ventilação mecânica na UTI até a última terça-feira (2), quando não resistiu e veio a óbito".

Com família em Fortaleza, no bairro Barroso, Antônio Ferreira fez parte dos primeiros grupos ciganos da localidade, mas atualmente residia em Sobral. Por conta da origem, era conhecido como Cigano Barroso.  Músico, iria se apresentar no Encontro dos Povos do Mar, que reúne representantes de municípios cearenses para compartilhar experiências e saberes.  

Em 11 de maio, o Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, publicou Recomendação, dirigida ao Ministério da Saúde e Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sobre a situação da saúde do povo Cigano/Romani no contexto da pandemia.

O documento conta com um total de oito pontos, entre eles, a recomendação para cumprimento da garantia de que “crianças, em especial na primeira infância, com suas respectivas mães, as pessoas acima de 60 anos e as mulheres grávidas sejam priorizadas nas ações que se propuserem”.

Ceará

Segundo ICB, pelo menos 20 mil pessoas vivem em comunidades ciganas no Ceará, localizadas em 60 cidades cearenses. Em abril, o Sistema Verdes Mares já mostrava que a população enfrentava uma série de dificuldades durante a pandemia.

Sobral, na Região Norte, concentra o maior número do povo tradicional. São cerca de 108 famílias e 500 pessoasconcentradas principalmente no bairro Sumaré e na Fazenda Joelma. Outros bairros com população cigana é o Cristo, e Cohab I e II, além do Centro de Sobral, mas em número menor. Segundo o representante do ICB, os bairros já registram cerca 400 casos confirmados de Covid-19, entre ciganos e não ciganos.

"A preocupação maior é no Sumaré (67 casos confirmados). Tem ciganos lá que estão em isolamento social. Como as casas são muito próximas, aumenta o risco de contágio, e já há casos confirmados em cerca de cinco famílias ciganas. Muitos estão assintomáticos", aponta. “Nossa preocupação é com esse aumento. Nós pedimos uma desinfecção nesses bairros”, acrescenta.

Além disso, o representante cobra medidas mais pontuais para garantir a segurança alimentar e higiene do povo cigano, visto que, com o isolamento social, as principais atividades econômicas entre as comunidades foram prejudicadas.

“Assusta todo mundo. Não existe política específica para os povos tradicionais. A gente vem pedindo para que sejam implementadas essas ações. Tem que morrer para fazer alguma coisa”, lamenta.

Segundo ele, a situação torna-se mais preocupante por conta do aumento dos casos na população em geral e pela condição socioeconômica das comunidades tradicionais. “Se não morrer de coronavírus, morre de fome, de ansiedade. Percebo que ainda existe o preconceito. Precisamos de máscaras, kits de higiene, álcool em gel, fraldas para as crianças. Nós somos cidadãos, pagamos impostos e merecemos respeito”, cobra.

Segundo o representante, o que está assegurando alimentação de qualidade é o projeto Mesa Brasil, programa do Serviço Social do Comércio (Sesc) que atende famílias carentes em todo o País, incluindo o Ceará. "Eles têm sido um forte parceiro nesse momento difícil", pontua. 

Relatório

Segundo relatório ao qual a reportagem teve acesso, os primeiros casos de Covid-19 confirmados no povo tradicional aconteceram em Crateús e Beberibe. Na primeira cidade, um cigano está sendo acompanhado no Hospital São Lucas e precisou ficar internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Outros três também precisaram de internação, mas se recuperaram, e um outro está cumprindo isolamento social. No Município, vivem cerca de 20 pessoas da comunidade tradicional, segundo o relatório.

Além disso, em Beberibe, pelo menos dois ciganos monitorados pelo ICB estão cumprindo isolamento social por apresentar quadro suspeito da doença. Em Fortaleza, no bairro Granja Portugal, três famílias tradicionais tiveram membros com casos confirmados para a doença, em 28 de abril, segundo o relatório. Todos precisaram ficar em isolamento domiciliar. Na mesma data, um cigano de Sobral foi internado na UTI.

Já no dia 25 do último mês, mais dois ciganos, de Crateús, foram infectados. Eles foram medicados e estão em isolamento domiciliar. Felizmente, a maioria dos casos confirmados tem finais felizes. Nesta quarta-feira (4), Francisco Evaldo, 48, em Icapuí, foi prova disso. Ele deu entrada no Hospital César Cals, na Capital, em 29 de maio, por conta da doença, e recebeu alta médica na manhã de hoje (4). 

Serviço

Para tentar suprir a demanda de alimentos e kits de higiente à famílias em vulnerabilidade, o ICB está realizando uma campanha pela internet para arrecadar doações. A mobilização não recebe valores em dinheiro. Mais detalhes podem ser buscados pelo número: (88) 99628-6361.