Votação na quinta-feira e 30 dias de apuração: como foi a 1° eleição direta para presidente no Ceará

Em 1894, o Brasil teve a primeira eleição direta da era republicana, e o paulista Prudente de Morais, venceu. No Ceará, prédios públicos e privados serviram de seção eleitoral.

Era uma quinta-feira, dia 1º de março de 1894. Prédios públicos e privados abrigavam urnas no Ceará. Há exatamente 128 anos, 7 meses e 28 dias, no Estado, assim como nas outras 21 unidades da federação no Brasil existentes à época (Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Mato Grosso do Sul e Tocantins não haviam sido criados), parte da população brasileira foi às urnas.

Foi a primeira vez na história da República que ocorreu o voto direto para escolher o presidente, o vice-presidente (eleito de forma direta no período), senadores e deputados

O Diário do Nordeste conta como os cearenses vivenciaram esse marco que, apesar das diferenças com as eleições atuais, abriu portas para processos democráticos. Esta reportagem integra uma série sobre casos inusitados na política cearense.

Com a queda da Monarquia e a proclamação da República em 1889, os militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto já haviam presidido o Brasil. Mas ambos eram militares e não foram eleitos por voto direto.

Somente em 1894 ocorreu a primeira eleição direta para a presidência no país que ainda se chamava República dos Estados Unidos do Brasil (o nome perdurou até 1968). 

À época, o voto, apesar de direto, ainda não era universal, logo, nenhuma mulher cearense, por exemplo, votou naquele pleito.  

Outras diferenças do modelo atual são a data das eleições e o tempo da apuração. Naquela altura, não existia ainda a Justiça Eleitoral, criada apenas em 1932. Logo, a condução do processo na “República Velha” foi marcada por limitações, pouca transparência, fraudes e violência

30 dias de apuração

Se hoje, a apuração tem início poucas horas após o fechamento das urnas e, antes do final do domingo de votação, os resultados já são conhecidos no Brasil inteiro, no começo da República, os procedimentos eram bem distintos. 

No Ceará, a apuração da eleição do dia 1º de março de 1894 só foi concluída e divulgada oficialmente pelos jornais da época no dia 31 de março. Foram 30 dias de publicações nos periódicos de sucessivos balanços que atualizavam os resultados coletados nos colégios eleitorais nos municípios e nas vilas espalhadas no Estado. 

Os registros chegavam via documentos oficiais enviados por correio. Com publicações diárias das parciais dos votos, os jornais se encarregaram de atualizar a população letrada sobre o andamento dos resultados. 

Naquela época, os presidentes governavam por 4 anos, sem possibilidade de reeleição, e a posse, conforme documentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ocorria no dia 15 de novembro (seguindo o dia da proclamação da República), diferentemente dos dias atuais, a qual ocorre em 1º de janeiro após o ano eleitoral. 

Já o dia da eleição, durante o período da República Velha (1989-1930), foi, em geral, 1º de março do último ano do período presidencial. Hoje, a escolha do presidente da República, dos governadores, dos senadores e dos deputados, é sempre no 1º domingo de outubro, no 1º turno e, no último domingo do mesmo mês, em caso de 2º turno. 

Na primeira eleição direta, o paulista Prudente de Morais, que não era militar, foi o vencedor. Ele foi o primeiro civil a presidir o país. No mesmo pleito, o baiano Manoel Vitorino Pereira foi eleito vice-presidente. À época, os votos eram separados para presidente e para vice. Ambos foram eleitos para governar de 15 de novembro de 1894 a 15 de novembro de 1898

Como os cearenses votaram?

O Diário do Nordeste consultou jornais que circulavam no Estado à época e documentos do TSE sobre a história das eleições no Brasil. No cruzamento dessas informações, é possível dizer que aquela eleição teve reduzida participação popular. 

No Brasil, indica o TSE, somente 2,21% da população compareceu às urnas e Prudente de Morais, com 291 mil votos, teve 84,29% do total. Apesar de a República ter abolido o critério censitário na votação, ainda havia proibição do voto, dentre outros, das mulheres e dos analfabetos.

Naquele 1º de março, os cearenses homens, acima de 21 anos, votaram para eleger um presidente, um vice-presidente, um senador e 10 deputados federais (conforme critérios estabelecidos para cada estado). Mas, diferentemente dos dias atuais, as eleições para a Presidência da República não eram obrigatoriamente casadas com as eleições para o Congresso Nacional. 

Isso porque a gestão do presidente durava 4 anos; a dos deputados 3 anos; e o dos senadores, 9 anos. E a cada 3 anos, um terço do Senado precisava ser renovado. Só que em 1894, com o início dessa organização, as eleições foram para todos esses cargos. 

16,2 mil
Votos foram recebidos por Prudente de Morais de eleitores cearenses, conforme registrado no jornal A República, que circulava no Estado no período.

No balanço divulgado na edição do dia 30 de março de 1894, indica que o resultado das eleições no Estado foi o seguinte: 

  • Presidente

Prudente de Moraes - 16.224 votos

  • Vice-presidente

Manoel Victorino - 16.221 votos

  • Senador 

Nogueira Accioly - 16.234 votos

  • Deputados

1º distrito
Frederico Borges - 3.845 votos
Gonçalo Bastos - 3.740 votos
Torres Portugal - 3.671 votos
Thomaz Cavalcante - 3.556 votos

2º distrito
Ildefonso Lima - 3.981 votos
João Lopes - 3.346 votos
Pedro Borges - 3.337 votos

3º distrito
Helvécio Monte - 3.360 votos
José Beviláqua - 3.280 votos
Benevolo - 3.093 votos

Conforme registrado no jornal A República, os colégios eleitorais do Ceará, à época, tinham os seguintes nomes: Fortaleza, Porangaba, Mecejana, Aracaty, São Francisco, Aracoyaba, Quixeramobim, Cascavel, Ipú, Maranguape, Massapê, Pacatuba, Guayuba, Campo Grande, São Bernardo, Sant'Anna, Beberibe, Pitombeira, Caio Prado, Soure, Sobral, Paracuru, Belém, Sitiá, Aquiraz, Castro, Mulungu, Guaramiranga, Canindé, Quixadá, Ibiapina, São Benedito, Acaraú, Trairi, Icó, Canafístula, Redenção, Crateús, Sucatinga, Limoeiro, São Bento d'Amontada, Pedra Branca, Boa Viagem, Mundaú, Saboeiro, Assaré, Morada Nova, Coité, Pacoty, União, Tianguá, Tamboril, Ipueiras, Santa Quitéria, Riacho do Sangue, Lavras, Araripe, Umary, Crato, Inhamuns, Arneiroz, Missão Velha, Pereiro, Iracema, Jaguaribe-merim, Boa Vista, Nova Floresta, Viçosa, Benjamin Constant, Jardim, Porteiras e Palma. 

Na edição do dia 31 de março de 1894, uma publicação no mesmo jornal informa que a Câmara Municipal de Fortaleza concluiu a apuração geral dos votos da eleição para presidente, vice-presidente, senador e deputado ao Congresso Federal. Nela consta também o detalhamento dos votos em Fortaleza. 

Urnas em prédios públicos e privados

Para serem considerados eleitores, os cearenses aptos precisavam se alistar e passar por comissões: as seccionais e as municipais. As primeiras encarregadas da preparação dos trabalhos do alistamento, posteriormente revistos por uma comissão municipal. 

O município era dividido em seções eleitorais que serviam tanto para esse processo de alistamento como para o dia da eleição.

Os locais de votação tanto podiam ser prédios públicos como privados. Logo, era possível que as urnas ficassem em edificações particulares. Cada seção não deveria ter mais de 250 eleitores. 

A Primeira República, segundo registros do TSE, também é marcada pela omissão sobre as cédulas eleitorais oficiais. Logo, cada partido político produzia a própria cédula e se encarregava de entregá-las ao eleitor na data da eleição. 

Os votos eram depositados em urnas de madeira com abertura na parte superior para depósito do voto. Elas eram fechadas à chave. Os eleitores precisavam assinar o livro de presença.

Outro ponto curioso nesta primeira eleição, é que o eleitor tinha liberdade para escrever qualquer nome na cédula. Isso gerou episódios incoerentes, como por exemplo, Prudente de Morais ter recebido em Fortaleza 1 voto para ser vice-presidente, e Floriano Peixoto, que não podia ser reeleito, ainda assim ter tido na Capital 11 votos para presidente da República.  

Contagem de votos

A apuração das eleições na Primeira República ocorria em etapas. A lei eleitoral da época determinava que após o encerramento da votação na seção o presidente da mesa, auxiliado por mesários, devia abrir a urna e apurar os votos. Na sequência, o resultado era transcrito na ata de apuração da seção. 

Da ata eram feitas duas cópias: uma para envio à Secretaria da Câmara ou à do Senado para que os poderes pudessem reconhecer a eleição, e outra para a junta apuradora, que se reunia na sala de sessões do governo do município. 

Conforme mencionado, 30 dias após as eleições, processava-se a apuração geral. Além das instituições, segundo informações de documentos do TSE, as atas de apuração também eram enviadas aos candidatos para servir de diploma.

O historiador do Arquivo Nacional, Thiago Mourelle, explica que “a República trouxe o fim da exigência mínima de renda que existia no Império, mas a exigência de alfabetização permaneceu, o que acabou excluindo grande parte da população brasileira de participar da votação”. 

Ele destaca que a primeira eleição direta é “um importante marco temporal, tendo sua relevância por ser a primeira”, mas foi uma eleição “em que a maioria absoluta da população não votou, e que ficou restrita a uma elite”, completa. 

“Essa eleição não teve, de forma alguma, esse caráter de envolver multidões e suscitar paixões como as eleições que acontecem atualmente. Mas a história é assim: para chegar no que temos hoje, é preciso um início, porém não foi um início tão democrático quanto gostaríamos que fosse”.
Thiago Mourelle
Historiador do Arquivo Nacional

Thiago também reforça que a primeira República foi um período em que o Brasil "deu muita atenção para a produção de café" e deixou de lado o desenvolvimento industrial. “Isso só mudaria a partir de 1930, com o movimento armado que coloca Getúlio Vargas no poder e promove uma série de transformações, entre as quais o voto secreto, o voto feminino e a criação da Justiça Eleitoral”. 
 
O historiador e professor da Universidade Vale do Acaraú, Renato Freire, destaca que o Brasil teve um "estabelecimento tardio da República". 

Além disso, pondera que "é necessário lembrar que a cultura política republicana, durante muito tempo e até hoje em algumas cidades, o voto tinha um valor um tanto quanto questionável, com a venda de voto por pouca coisa". 

Antes, havia voto no Brasil?

No Brasil, o voto  para a ocupação de cargos de poder ocorre desde o período colonial, mas de forma bem distinta do modelo republicano e democrático que o país reconhece oficialmente hoje. Ainda nas vilas da época colonial há registros de votações, ainda que indiretas, para a ocupação de cargos. Mas, esses processos eram bastante restritos a determinados grupos. 

No Brasil colônia, por exemplo, quando o Brasil foi elevado à condição de Reino, brasileiros também foram convocados para escolha dos deputados às cortes de Lisboa, em Portugal.

No Império, após a declaração de Independência em 1922, as eleições eram indiretas e, em geral, podiam votar os homens que atendessem alguns critérios. Os eleitores eram divididos em graus.

As escolhas dos representantes, como no caso dos senadores, era designada pelo imperador, após a decisão do restrito eleitorado. O processo era tão indireto que, em geral, determinadas pessoas escolhiam quem seriam os eleitores.  

Já os deputados começaram a ser votados no Brasil em 1855, quando foi estabelecido o voto distrital. Em 1875 esse voto passou a ser realizado por províncias. 

Com o estabelecimento da República, o voto chamado censitário deu lugar ao voto direto. O título de eleitor, segundo o TSE, foi instituído em 1881. Em 1891, a primeira Constituição Republicana criou o sistema presidencialista, no qual o presidente e o vice-presidente deveriam ser eleitos pelo voto direto da nação, por maioria absoluta.