Um dos partidos mais antigos do Brasil, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) testemunhou e participou de uma série de momentos históricos na política brasileira desde 1966. Hoje, é estruturado em todo o País, com mais de 2 milhões de filiados até janeiro deste ano, segundo dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O volume dos seus quadros lhe garantem o título de maior partido do Brasil, apesar de o tamanho não se refletir fielmente no Legislativo Nacional. São 44 representantes na Câmara dos Deputados (de 513) e 11 no Senado (de 81).
Voltando ao início das atividades, a criação do MDB aconteceu um ano depois da edição do Ato Institucional n° 2 pelo então presidente cearense Humberto Castello Branco. A medida extinguiu os partidos políticos vigentes e criou o bipartidarismo, que ganharia forma com o funcionamento do MDB e da Aliança Renovadora Nacional (Arena) – esta governista.
A história do MDB, por muitos anos, foi pautada por esse dualismo, compondo a oposição à Ditadura e acomodando diferentes espectros no campo democrático. Em 1980, a nomenclatura foi alterada para Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), com o declínio do modelo duplo de legendas e a obrigatoriedade do uso do primeiro termo.
No pós-redemocratização, a sigla continuou protagonizando a política brasileira: ocupou o Planalto em dois momentos, teve bancada expressiva no Congresso, foi marcada por esquemas de corrupção e foi decisiva no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
A denominação original foi retomada em 2017, a fim de diminuir o desgaste perante a opinião pública e “ganhar as ruas”, como definiu o então líder nacional Romero Jucá, à época.
“O MDB seguirá no rumo da mudança que nos transformará novamente em um grande e novo movimento. Não é uma volta para o passado, mas um passo gigantesco para o futuro”, disse Jucá, em convenção que definiu o novo nome.
Esta reportagem compõe a série Influências Partidárias, que resgata a história de partidos atuantes no Brasil e no Ceará. Em paralelo, o Diário do Nordeste recebe o presidente estadual do MDB, Eunício Oliveira, para uma conversa sobre o cenário atual da legenda e os preparativos para as eleições municipais. A entrevista será transmitida ao vivo pelo YouTube do Diário do Nordeste, às 17h desta quinta-feira (29).
Entre Brasília e Ceará
Fundado em 1966, o MDB teve o então senador e general da reserva Oscar Passos (AC) como o primeiro presidente nacional, ocupando o cargo até fevereiro de 1971. Foi sucedido por Ulysses Guimarães (SP), um dos grandes responsáveis pelo fortalecimento do partido com a sua “anticandidatura” à presidência da República, em 1973. O termo é referente à investida conscientemente fracassada ao Planalto, uma vez que a militância de oposição já esperava a eleição indireta do candidato do governo, o general Ernesto Geisel.
Não é o candidato que vai recorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina e torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdecem a nação pela censura à imprensa, ao rádio, à televisão, ao teatro e ao cinema.
Ulysses também influenciou a Lei de Anistia (1979), ajudou a mobilizar a campanha Diretas Já (1983 e 1984) e coordenou a elaboração da Constituição de 1988, como presidente da Assembleia Nacional Constituinte. Ele chegou a se candidatar a presidente da República em 1989, no primeiro pleito de votação direta no pós-Ditadura, mas foi derrotado por Fernado Collor de Melo (PRN).
A trajetória de Ulysses se confunde com a do MDB naquele período ditatorial, mas não a resume. O partido foi um dos que mais sofreu com o Ato Institucional nº5 (AI-5), datado de dezembro de 1968.
Nos meses seguintes, três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e um do Superior Tribunal Militar (STM), além de 333 parlamentares e gestores públicos, foram expulsos das suas funções e tiveram seus direitos políticos suspensos – a maioria do MDB. No Ceará, viraram alvo do AI-5:
- José Martins de Oliveira: deputado federal;
- Pe. Antônio Vieira: deputado federal;
- Dorian Sampaio: deputado estadual;
- Luciano Magalhães: deputado estadual;
- Moslair Cordeiro: deputado estadual.
Em 1972, entre outras lideranças, o MDB filiou um nome que viria a se tornar presidente do Senado, ministro de Estado, deputado federal, entre outras funções públicas: o, hoje, presidente estadual Eunício Oliveira.
Dez anos depois do Golpe Militar, em 1974, o Brasil realizou mais um pleito geral, com voto direto apenas para deputados e senadores. As últimas eleições tinham sido abundantes para o Arena, então foi uma surpresa quando, em novembro daquele ano, o MDB emplacou 16 senadores (de 22 vagas livres) e 161 deputados federais de 364.
A seção cearense contribuiu com três cadeiras na Câmara Federal (Antônio Paes de Andrade, Joaquim de Figueiredo Correia e Antônio Alves de Morais) e uma no Senado (Carlos Mauro Cabral Benevides).
Apesar disso, por vezes, o partido não apresentou muita expressividade frente ao ciclo dos coronéis – Adauto Bezerra, Virgílio Távora e Cesar Cals, todos do Arena. Como mostra o livro "História do Ceará", de Airton de Farias, o MDB elegeu apenas 5% dos prefeitos em todo o Estado, enquanto o Arena foi vitorioso em 95% dos municípios cearenses em 1976.
Além disso, apesar da oposição a nível nacional, o diretório cearense só passou a espelhar fortemente a posição da cúpula a partir da segunda metade dos anos 70, em parte por influência da filiação de membros de esquerda, que inflaram a mobilização anti-Ditadura. Foi assim que movimentos populares conseguiram emplacar nomes como Maria Luiza Fontenele como deputada estadual, em 1978, por exemplo. Oito anos depois, ela se tornaria prefeita de Fortaleza.
Por outro lado, naquele ano, o MDB Ceará não fez campanha exitosa ao Senado com Chagas Vasconcelos, perdendo para José Lins de Albuquerque (Arena). Já César Cals (Arena) entrou na Casa Alta pela cota do Pacote de Abril (1977) de Ernesto Geisel, que ampliou as bancadas do Norte e Nordeste e institui a eleição indireta para um terço da Casa Alta.
Àquela altura, já havia uma mobilização mais sólida pela reabertura política brasileira, em virtude do trabalho de peemedebistas e de outras lideranças. Por isso, a eleição de 1982 para os governos estaduais já aconteceu com o voto direto. O então PMDB venceu as disputas em nove estados, mas não logrou êxito no Ceará.
O partido concorreu ao Executivo com Mauro Benevides, mas só liderou a disputa em Fortaleza, onde obteve 58,4% dos votos. Quem saiu vitorioso naquele pleito foi Gonzaga Mota (PDS, ex-Arena), com 63% da preferência do eleitorado, enquanto Benevides alcançou apenas 22% na apuração geral.
Na campanha ao Legislativo, elegeu 12 deputados estaduais e 17 federais. Ao Senado, lançou Dorian Sampaio, que foi derrotado por Virgílio Távora (PDS, ex-Arena). O êxito nas prefeituras foi mais tímido, com cinco gestores eleitos.
Em 1985, foi a vez de o Brasil ter o seu primeiro presidente civil no pós-Ditadura. Àquela altura, o fim do bipartidarismo deu lugar a partidos como o PP, o PDT, o PT, o PDS e outros. Ainda fortalecido, o PMDB elevou José Sarney para o feito inédito. Ele foi eleito ainda de forma indireta junto a Tancredo Neves, que morreu antes da posse.
No pleito seguinte, em 1986, Tasso Jereissati se tornou o primeiro governador do Ceará eleito pelo PMDB. O eleitorado também escolheu Mauro Benevides e Cid Saboia, ambos do PMDB, como senadores.
Pós-redemocratização e cenário atual
O então PMDB chegou ao Planalto em 1985, em 1992 e em 2016. Na segunda ocasião, Itamar Franco – que havia sido eleito pelo PRN, mas trocou de partido posteriormente – foi o chefe do governo. Ele assumiu oficialmente o topo do Executivo com a renúncia de Fernando Collor, após a repercussão de escândalos de corrupção.
O terceiro caso foi semelhante ao de Itamar. Michel Temer foi empossado presidente da República após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Na sua gestão, o emedebista implantou políticas polêmicas como o teto dos gastos públicos (substituído pelo novo arcabouço fiscal, com Lula, do PT), a Reforma Trabalhista e a Reforma do Ensino Médio (que retornou à discussão).
Durante cerca de 20 anos, o MDB também ocupou um cargo cobiçado pelo seu valor estratégico: a presidência do Senado. Esta, inclusive, já esteve com Eunício Oliveira. O posto foi perdido em disputa de Renan Calheiros com Davi Alcolumbre (DEM-AP), que acabou sendo eleito pelos pares em 2019.
A derrocada veio, sobretudo, com episódios de corrupção envolvendo Temer ou de pessoas próximas, como ministros de Estado. A divulgação de um áudio do chefe do Executivo com o empresário Joesley Batista, indicando que o primeiro teria dado aval para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em delação premiada, também influenciou esse processo.
Com Itamar Franco e em outros momentos, o partido também enfrentou períodos difíceis nesse sentido, que levaram à cassação de parlamentares, mas conseguiu manter considerável força no Congresso. Essa sorte, contudo, não se manteve nos últimos anos.
No Ceará, o partido passou a viver um declínio a partir de 2014, em meio ao rompimento com o grupo político de Cid Gomes a fim de lançar Eunício ao Governo, que se intensificou em 2018. Naquele ano, o então senador buscou a reeleição em uma das duas vagas abertas para o Estado, mas foi derrotado pelo próprio Cid e por Eduardo Girão (Novo) por uma pequena margem de votos. O fato motivou um recálculo dos rumos do MDB, que voltou progressivamente à base.
Apesar de ter eleito o maior número de prefeitos em todo o País em 2020, o MDB caiu para a segundo colocação no número de municípios governados, ficando atrás do PSD. A legenda também perdeu espaço para a sigla de Gilberto Kassab e para o PL no Senado, ao chegar a 11 representantes na Casa. As outras duas siglas alcançaram 15 e 12 cadeiras, respectivamente.
Também em virtude disso, uma federação com PSDB e Cidadania, já ligados por meio desta modalidade, chegou a ser ensaiada de 2022 para cá, mas não vingou.
Hoje, o MDB também conta com uma bancada de 44 deputados federais – incluindo Eunício Oliveira, presidente estadual do partido, e Yury do Paredão. Em âmbito estadual, o MDB conta com 98 deputados nas Assembleias Legislativas do País, sendo três no Ceará. A sigla também ocupa a vice-governadoria do Estado, com Jade Romero.
Mesmo assim, tem perdido lideranças nos últimos meses. Nas últimas eleições municipais, o MDB foi vitorioso em 17 cidades cearenses. Atualmente, mantém dez.
Conflitos internos e uma reorganização no campo governista motivaram os desfalques. Uma parte migrou para o PSB, que já absorveu mais de 40 prefeitos desde a sua restruturação no ano passado. Questionada sobre esse movimento, Jade Romero minimizou as perdas e afirmou que o importante era a "ampliação da base" do governo.
“Todos os partidos que fazem parte de uma base liderada pelo Camilo Santana têm um projeto de Estado. Obviamente, a disputa política faz parte dos municípios, e todo esse processo partidário é conduzido pelo presidente do MDB, o deputado federal Eunício, e pelo deputado estadual Daniel Oliveira”, disse a vice-governadora, acrescentando que cumpre o seu “papel institucional”.
Perfil do presidente do MDB-CE
Eunício Oliveira é, hoje, quem dirige o MDB Ceará, partido ao qual é filiado desde 1972, entre recriações e mudanças de nomenclatura. O berço político é Lavras da Mangabeira, no interior do Ceará, onde o pai Otoni Lopes de Oliveira foi vereador.
Atualmente, é deputado federal, mas já foi senador e ministro das Comunicações no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também é empresário e agropecuarista, dono de latifúndios no estado de Goiás.
Já liderou o antigo PMDB na Câmara dos Deputados e no Senado, antes de assumir a presidência na Casa Alta.