Somavam-se 57 dias de campanha pela Prefeitura de Fortaleza quando a ex-prefeita da Capital e atual deputada federal, Luizianne Lins (PT), participou publicamente de um ato de campanha do candidato de seu partido, Evandro Leitão (PT), já no segundo turno da disputa de 2024. A petista foi pré-candidata, mas retirou seu nome do pleito interno poucos minutos antes da escolha de Evandro.
O acirramento pré-eleitoral e a campanha de um aliado no município de Caucaia, Waldemir Catanho (PT), deixaram Luizianne fora dos holofotes na Capital. Com a candidatura de Evandro indo ao 2º turno com seis pontos de desvantagem para o adversário André Fernandes, do PL, a conjuntura cobrou a presença da ex-prefeita. Em um ató pró-Evandro na Praça do Ferreira, durante visita do presidente Lula (PT) à Capital, Luizianne apareceu ao lado de Evandro.
Cientistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste dividem opiniões sobre o impacto da presença de Luizianne no 2º turno e o legado que ela pode usar pró-campanha petista em 2024.
Professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres avalia que, ainda que a parlamentar tenha entrado na campanha de Evandro, ela "não entrou de cabeça". Ainda assim, a ausência pode ter impactos.
"No primeiro turno, ficou muito claro o quanto a ausência dela fez diferença. A Luizianne tem um legado histórico de obras em regiões periféricas, o Vila do Mar, Cucas, Hospital da Mulher. Foram marcas da gestão dela, que, em alguma medida, estão ainda nesse imaginário que parcela da periferia tem em relação a ela. Ela tem uma inserção nesses lugares, dado a esse legado, que a coloca como cabo eleitoral importante para quem deseja entrar e ter uma certa inserção, capilaridade nesses espaços"
O coordenador do Doutorado em Políticas Públicas da Uece, o cientista político Emanuel Freitas, não considera que Luizianne tenha demonstrado "apoio público" à campanha de Evandro.
"Em relação à primeira questão (o apoio), ela tem duas nuances. Primeiro, eu não vi até agora apoio público da Luizianne à campanha do Evandro. O que houve foi uma aparição em um comício, que inclusive se referiu a ele como comício do Lula, em que ela esteve lá, deu a mão, um abraço muito mal dado no Evandro e um aperto de mão muito seco no Camilo, mas ela não falou nada, ela não pediu votos, ela não ficou até o final para aquela foto que todo mundo levanta a mão. (...) Ela apenas marcou presença com tantas pessoas ali", afirmou.
Decisão no dia do evento
Antes de participar do ato com o presidente da República e Evandro, em entrevista exclusiva ao editor e colunista do PontoPoder, Wagner Mendes, ela disse que a decisão ocorria em um momento em que havia o "risco de Fortaleza ser governada por um fascista".
Ainda que não tenha discursado, a parlamentar compartilhou o momento nas redes sociais. No Instagram, seguidores comemoraram e exaltaram a presença da petista. "Eu sabia que você não ia abandonar Fortaleza, minha deputada", escreveu uma seguidora. "Parabéns pela nobreza de participar da campanha", comentou outro apoiador.
Passado o dia da adesão, Evandro voltou a comemorar a entrada de Luizianne em sua campanha, mas não prolongou o assunto. Em sabatina na TV Verdes Mares, no último dia 15, ela destacou que a ex-prefeita é "uma liderança importante nessa campanha" e que a disputa interna do PT foi "respeitosa".
"Primeiro, eu acredito que houve uma disputa interna respeitosa, democrática, onde foi escutado a nossa base, nossa militância, nossos filiados. E nessa disputa, nós ganhamos de forma muito transparente, muito respeitosa. A Luizianne está apoiando a candidatura do nosso amigo e companheiro Catanho em Caucaia, que foi para o segundo turno. E ela está engajada na campanha do Catanho. Agora, ela se juntou a nós, inclusive participando de um evento com o presidente Lula na última sexta-feira, se engajando na nossa campanha. Sem sombra de dúvidas, ela é uma liderança importante nessa campanha", declarou na entrevista.
Como Luizianne pode agregar
Emanuel Freitas acredita que a petista não deve engajar tanta transferência de voto para Evandro, uma vez que ele e seu adversário na disputa já estão tecnicamente empatados.
"Eu não sei se ainda há o que ela transferir, se a gente pensar nas campanhas, nas pesquisas, já está empatado. O que mais que a Luizianne teria de transferência de votos para o Evandro que ele já não tem? Não sei se há alguma coisa a mais, porque já se sabe que ele é o candidato petista", complementou.
Já Monalisa Torres considera que é possível haver uma transferência de capital político, uma vez que o PT está tentando recuperado a "conexão" com o eleitorado das periferias, locais em que a gestora teve uma forte atuação quando esteve à frente da Capital. Todavia, há um teto a ser considerado.
"O PT está tentando recuperar esse eleitorado, está fazendo muito evento, caminhada na periferia, mas eu acho que falta ainda essa conexão e militância, que dá uma organicidade à campanha, e que, em alguma medida, também pode favorecer o que a gente chama de contagem eleitoral", acrescentou.
O coordenador do Doutorado em Políticas Públicas da Uece ressalta, também, que a ex-prefeita deixou claro no evento que, após as eleições, teriam coisas a serem resolvidas nas intrapartidárias".
"Então, eu penso que ela ganhará um peso nessas questões intrapartidárias se o Camilo sair derrotado, ou seja, se o Evandro sair derrotado. Essa derrota também poderá trazer problemas para ela, exatamente por esse não envolvimento com a campanha do partido. Mas ela pode, muito bem, dizer que não se envolveu porque o partido não a envolveu. Então, tem aí uma trama, um drama, ainda por se desenrolar e vai depender, obviamente, do resultado do dia 27, se o Evandro é ou não vencedor"
A professora de Teoria Política avalia que "há um teto" para a transferência de votos, tanto em relação à adesão de Luizianne à campanha de Evandro quanto na do ex-prefeito Roberto Cláudio à campanha de André Fernandes, por exemplo.
"Todo capital político, toda transferência de voto, tem um teto. E a depender do nome que a gente está discutindo, tem um teto relativamente baixo ou muito baixo. Então, assim, o eleitor é soberano. Às vezes ele votou no primeiro turno em um candidato, mas isso não significa que ele vá aderir cegamente, inteiramente, de corpo e alma ao nome que o seu candidato de preferência no primeiro turno indicar", pondera Torres.