A disputa pelo Palácio do Planalto teve uma semana movimentada. Em quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto, o ex-juiz Sérgio Moro trocou o Podemos pelo União Brasil e desistiu de concorrer ao cargo para tentar uma cadeira na Câmara dos Deputados. O agora ex-governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também ensaiou desistir da disputa, mas voltou atrás após articulação partidária nacional e segue na disputa.
Faltando agora seis meses para o dia da votação, as movimentações em torno da corrida presidencial só tendem a se intensificar, tanto nas bases eleitorais quanto em articulações para fechar os apoios partidários. Com o crescimento do ex-presidente Lula (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas pesquisas, partidos ainda correm contra o tempo para tentar viabilizar uma candidatura que consiga fazer frente a esta polarização. Terceiro colocado nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) também tenta arregimentar apoios para conseguir alcançar o segundo turno da disputa.
Mas o que esperar dos seis meses que antecedem a ida às urnas, em 2 de outubro? O Diário do Nordeste ouviu os cientistas políticos Carla Michele Quaresma e Cleyton Monte e o professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Emanuel Freitas para saber quais pautas devem ser foco das agendas na campanha pelo Palácio do Planalto, as chances de crescimento dos pré-candidatos à presidência entre o eleitorado e como é o cenário para a disputa presidencial no Ceará.
Confira as opiniões dos especialistas:
Quais áreas devem ser o principal foco desses pré-candidatos a seis meses da campanha? Existem pontos comuns que já têm mobilizado essas lideranças?
Carla Michele Quaresma – A avaliação de um presidente da República está muito associada à condição econômica do País. Então, via de regra, se as pessoas estão podendo comprar; se estão conseguindo, mesmo que parcelando, a aquisição de alguns bens; se estão conseguindo honrar com esse compromisso; se elas estão, portanto, com condição de endividamento, estão empregadas, estão com bons níveis de de renda, isso faz com que a avaliação do presidente se torne positiva.
Do contrário, quando a gente tem uma situação de muito desemprego, as pessoas com renda comprometida, essa avaliação piora muito. O que nós temos hoje é uma situação do País, decorrente de tudo que vivemos por causa das questões sanitárias e agora essa situação de um conflito que acaba interferindo em todas as partes do mundo... Tudo isso faz com que pessoas comecem a avaliar negativamente o presidente da República, porque elas têm um comprometimento da sua capacidade de consumo.
Esses pré-candidatos que já estão na disputa, estão insistindo nessa questão de aumento de preços, na incapacidade das pessoas de manterem um consumo básico, na alimentação, no deslocamento. Então, tudo isso, muito provavelmente, vai perdurar até o início da campanha eleitoral, nessa tentativa de desgastar, cada vez mais, a imagem do presidente e, durante o processo eleitoral, essa deve ser uma das principais temáticas.
Agora a gente está vendo esse debate sobre a questão da Petrobras, quais são os rumos que a Petrobras deve tomar no próximo governo. Alguns candidatos falando da privatização, outros candidatos falando o contrário disso, que a participação do Estado deve ser maior na Petrobras, porque isso tem impactado diretamente a vida do brasileiro em relação a essa questão de preço. Então, as questões econômicas são fundamentais no debate presencial e muito provavelmente será uma das principais temáticas da eleição deste ano.
Cleyton Monte – A área econômica, principalmente inflação, custo de vida, desemprego são eixos que vão ser focados pelos pré-candidatos. Já estão sendo focados pelos pré-candidatos porque é uma preocupação imediata e permanente da população, principalmente da população mais pobre. Então, é algo que a gente já está percebendo no discurso tanto do presidente Bolsonaro quanto dos candidatos de oposição. Ou seja, uma fala voltada para a economia, uma fala relacionada a propostas para redução de desemprego, aquecimento da economia e, principalmente, redução da pobreza.
Emanuel Freitas – A questão econômica deve pesar bastante e se fará presente por conta da discussão do desemprego. O presidente Bolsonaro, por exemplo, deve acionar a ideia de consequências dos lockdowns, portanto não seria uma responsabilidade dele ou consequência de suas atitudes, porque, por ele, a economia não teria parado (durante a pandemia de Covid-19). A (pauta da) economia virá pelo desemprego, pela inflação, pela alta dos preços, que o presidente Bolsonaro tentará sair dessa questão tentando acionar a ideia de mercado internacional, mercado global.
A economia virá (também) pela alta dos combustíveis, em que haverá ali uma sinuca de bico entre o ex-presidente Lula e Bolsonaro no que tange à dolarização do preço da gasolina. Bolsonaro acusa de ser uma questão dos governos do PT, enquanto o PT diz que não foram os governos do partido que fizeram isso. Essas três questões farão parte, muito fortemente, da campanha presidencial no que diz respeito à economia.
Será uma disputa em que será melhor para a oposição quanto mais a retórica da campanha for dominada pela questão econômica. Tende a ganhar o ex-presidente Lula, relembrando o que teriam sido os anos de ouro dos seus governos. Mas isso também o coloca em uma sinuca de bico com relação à política econômica do PT nos anos Dilma, que teria produzido uma crise ainda em curso. É boa também para o Ciro Gomes e nem tão boa para o Moro.
Nesse sentido, a corrupção também será uma agenda presente. O presidente Bolsonaro, Ciro Gomes e Sérgio Moro (caso volte à disputa) tentando relembrar os escândalos da era PT e penso que isso ainda não foi explorado devidamente e deverá sê-lo. Escândalo do mensalão, escândalo do petrolão. Também dará uma certa tônica a agenda dos costumes, onde Bolsonaro patina a vontade, Sérgio Moro dá os primeiros ensaios e Ciro Gomes e Lula são mais escorregadios.
Algumas pesquisas eleitorais mostraram uma redução na diferença entre Lula e Bolsonaro e pouca mudança nos percentuais de nomes da terceira via, como Sérgio Moro, Ciro Gomes e João Dória. A seis meses do pleito, como esses dados podem impactar na estratégia dos pré-candidatos?
Carla Michele Quaresma – É pouco provável que esses candidatos que tentam ocupar esse espaço chamado de terceira via se unam numa aliança com o intuito de tentar levar uma candidatura de terceira via para o segundo turno eleitoral. Até porque há muita discordância entre isso que tem se apresentado como terceira via. Não imagino, por exemplo, uma aliança entre o Ciro Gomes e o Dória ou mesmo entre o Ciro Gomes e o Sérgio Moro, até porque o o Ciro Gomes já se posicionou várias vezes acerca do comportamento do ex-juiz Sérgio Moro. Então, não vejo essa possibilidade de aliança estratégica, no sentido de construir uma viabilidade para essa terceira via.
Muito provavelmente nós teremos um acirramento dessa polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula e a tentativa, nessas duas candidaturas, será de mostrar para o eleitor que ele deve se posicionar de uma maneira mais precoce nessa eleição, já no primeiro turno. Então, que ele não desperdice o voto dele em uma via que não teria viabilidade eleitoral, que não tem condições de ir pro segundo turno. Muito provavelmente a estratégia vai ser focada nesta polarização da disputa entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro.
Cleyton Monte – As últimas três pesquisas revelam dois pontos importantes. Primeiro, o que convencionou chamar de terceira via não tem competitividade, não tem expressão e acaba se distanciando do sonho presidencial. Ou a gente passa a ter uma unidade desses vários candidatos para se tornarem competitivos e pleitear alguma proximidade dois candidatos principais, ou, de certa forma, vão ser apenas candidatos para demarcar certas posições de campos ideológicos ou simplesmente para levantar bandeiras de partido ou de projetos.
Não vão estar competindo pra valer, isso está ficando muito claro. Não é um cenário apontado apenas para uma pesquisa e os nomes não estão convencendo a população, não há um programa que possa ser abraçado pela população.
Os dois nomes que se consolidam, há seis meses da eleição, são o ex-presidente Lula em primeiro lugar e o nome de Bolsonaro. Essa distância está sendo reduzida graças a uma série de fatores, principalmente a movimentação do presidente Bolsonaro, que colocou em ação um programa social mais robusto, deixou de lado uma retórica mais agressiva com relação à vacina contra a Covid-19, se aproximou dos partidos do Centrão, está tendo uma atuação mais política dentro do Legislativo, inclusive com liberação de recursos, e está articulando apoios nos principais colégios eleitorais, como Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná.
Isso faz com que o presidente comece a reduzir essa diferença e a demonstrar que a disputa presidencial vai ser bastante competitiva. Lula, por sua vez, também está se movimentando, consolidando essa relação com Geraldo Alckmin, buscando basicamente o apoio de São Paulo e do eleitor mais conservador e tentando atrair parte daqueles que ainda se aproximam da terceira via e os que estão descontentes com Bolsonaro.
Emanuel Freitas – Até o momento a terceira via não tem dialogado com o eleitorado brasileiro. A terceira via tem tentado conversar consigo mesmo, olhando para o espelho e tentando produzir-se o candidato ideal anti-Lula e anti-Bolsonaro. Por que eu estou dizendo isso? Porque a julgar que as pesquisas de intenção de voto estejam certas, nós temos mais da metade do eleitorado que faz a escolha entre Bolsonaro e Lula.
E enquanto esses candidatos da suposta terceira via apontam para necessidade da incorporação de um discurso anti-Lula e anti-Bolsonaro, eles esquecem que é para esses eleitores de Lula e Bolsonaro que eles devem se dirigir se pretendem mesmo tentar furar aquilo que eles chamam, de modo completamente equivocado, de polarização.
Esses candidatos são de direita. Se a gente pensar vai Alessandro Vieira, João Doria, Simone Tebet, todos esses candidatos são candidatos de direita, que falam para o eleitorado de direita. Então, poderiam tirar votos do presidente Bolsonaro, mas, penso eu, não conseguem porque há uma direita muito fortemente consolidada em torno dele.
O que esses candidatos esquecem é que nunca na história do Brasil houve um candidato de direita com tanto apelo popular como tem o presidente Bolsonaro. Com uma base social tão sólida como tem Bolsonaro. É a primeira vez que isso acontece. Então, nós temos claramente uma divisão do eleitorado entre um candidato de direita e de esquerda e a terceira via, ou os auto proclamados candidatos de terceira via, que não têm se dirigido a este eleitorado.
Então, primeiro tem que ver quem será o candidato e depois que discurso adotará. Penso que a confirmação da chapa Lula e (Geraldo) Alckmin é a verdadeira terceira via.
O Ceará já foi foco de visita do presidente Jair Bolsonaro duas vezes esse ano. Ciro, por óbvio, sempre está em eventos no Estado, e Moro também esteve aqui em 2022. Historicamente, é um Estado que deu vitórias a candidatos petistas. No cenário atual, é possível apostar numa mudança de forças até outubro?
Carla Michele Quaresma – O presidente Bolsonaro tem visitado o Ceará, desenvolvido inclusive estratégias para mostrar ao Estado e ao Nordeste brasileiro, que historicamente é negligenciado por sucessivos governos, a importância que a região tem para o atual governo. Essa tem sido uma estratégia e isso se concretiza nas visitações, mas é uma região mais propensa a votar em uma candidatura do ex-presidente Lula, pelo menos é o que as pesquisas têm indicado.
É uma região que acabou se favorecendo de muitas intervenções governamentais durante, principalmente, os governos do ex-presidente Lula no sentido de garantia de participação nessa sociedade de consumo. Os programas de transferência de renda, assim como a valorização real do salário mínimo, deu ao povo da região condições de acessar bens de consumo duráveis que durante muito tempo estiveram ali somente no imaginário dessa população.
Isso faz com que obviamente as pessoas queiram recuperar aquilo que elas viveram de positivo em um período histórico muito recente. O que as pesquisas têm indicado é que realmente a essa tendência do Nordeste brasileiro de apoiar e votar em uma provável candidatura do ex-presidente Lula.
Cleyton Monte – O Ceará é um estado estratégico. Não necessariamente pelo tamanho do seu colégio eleitoral, mas porque o Estado condensa as estratégias dos pré-candidatos. É o Estado do Ciro, que é o nome da terceira via mais bem posicionado, é o Estado em que Lula sempre se saiu muito bem, é um Estado em que Bolsonaro está visitando com muita frequência e que conseguiu trazer aliados e fortalecer o seu candidato ao governo (estadual), Capitão Wagner.
Teremos, no Ceará, um cenário ainda com expressividade de Ciro e Lula, confirmados esses candidatos, mas a distância para Bolsonaro vai ser reduzida. Bolsonaro está se movimentando muito no interior do Estado, conseguindo recursos, se aproximando da bancada federal. Isso é muito importante. Não é buscar vitória no Ceará, mas reduzir a diferença, e eu penso que isso está começando a acontecer em Fortaleza e nas demais cidades, principalmente nos grandes municípios. Ainda existe uma rejeição muito grande ao presidente Bolsonaro no Ceará, uma das maiores do País, mas essa essa rejeição também está sendo reduzida.
Emanuel Freitas – É a primeira vez que nós podemos ter um cenário negativo para o Ciro Gomes no Ceará em termos de votação. Todas as eleições em que ele se candidatou, ele foi o primeiro lugar, e nessa poderá ser o contrário. Nós temos uma forte base do presidente Lula e nós temos, se não a forte base, importantes cabos eleitorais para o Bolsonaro. O próprio Capitão Wagner, Priscila (Costa, vereadora), Carmelo (Neto, vereador), prefeitos do Interior, Roberto Pessoa em Maracanaú, Vitor Valim em Caucaia. Então, nós temos importantes nomes do bolsonarismo que poderão captar votos para o presidente.
Penso que essa eleição trará um sabor amargo para o Ciro como consequência das suas tomadas de decisão, desde o segundo turno das eleições de 2018, quando ele resolveu viajar para Paris e isso fez um estrago na sua imagem no eleitorado de esquerda, que é quem tende a votar nele. (...) Então, será um cenário bastante complicado.