A população cearense pode ganhar um novo instituto federal (IF) para atender os Sertões, o Cariri, o Centro-Sul e o Vale do Jaguaribe. A mudança planejada pelo Ministério da Educação, no entanto, não prevê a construção de novos prédios, nem ampliação das vagas, dos cursos e do orçamento.
Na prática, o Governo Federal pretende apenas dividir em duas instituições o que atualmente é o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Por outro lado, o MEC precisaria dobrar a estrutura administrativa para atender possíveis novos institutos no País, inclusive com a nomeação de mais reitores e de seus auxiliares.
A ideia foi apresentada pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, no último dia 30 de agosto, durante reunião com reitores de vários estados. Ao longo deste mês, o IFCE realizou consultas à comunidade acadêmica e se manifestou sobre a proposta, que foi rejeitada.
O MEC, no entanto, não garante que vá acatar essa rejeição. A medida também é criticada por servidores e por parlamentares cearense, que apontam uma tentativa do Governo Federal de ampliar o poder do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na instituição.
Rearranjo nacional
O Diário do Nordeste teve acesso à apresentação feita por Milton Ribeiro no mês passado. Nela, o Ceará não é o único alvo das mudanças. A lista completa inclui São Paulo, Paraná, Maranhão, Bahia, Pernambuco, Piauí, Paraíba e Pará.
Ao todo, o MEC pretende criar dez "novos" IFs. O ministro justifica a proposta com a intenção de reduzir a distância entre as unidades e suas respectivas sedes institucionais, o que diminuiria custos e tempo de deslocamento.
Veja quais estados passariam a ter novos IFs:
“A proposta pode ser revista com base em ajustes regionais e que melhor se adaptem ao modelo regional da própria instituição”, pondera o Ministério na apresentação.
A Pasta ressalta ainda que a intenção é “criar novas instituições ajustando unidades já existentes, o que adicionaria apenas as novas reitorias”. “Cargos efetivos e comissionados serão adicionados conforme o modelo ajustado”, acrescenta.
Sem apoio cearense
No último dia 10 de setembro, o colégio de dirigentes (Coldir) do IFCE decidiu se posicionar contra a proposta do MEC. O colegiado é presidido pelo reitor da instituição, o professor Wally Menezes, e conta com a participação dos pró-reitores.
Três dias depois, o Conselho Superior (Consup) do IFCE, formado pelo colégio de dirigentes e integrantes da comunidade acadêmica, reforçou o posicionamento contrário às mudanças.
Diretora do Sindicato dos Servidores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (SindsIFCE), a professora Rafaella Florencio endossa o posicionamento da reitoria. “A forma como a proposta foi apresentada é sem lógica e sem critério, inclusive sem compreender como funciona cada estado. Pegaram um mapa e dividiram no meio, foi isso”, afirma.
Segundo ela, a mudança fica ainda mais insustentável sem a previsão de aumento da destinação orçamentária para os IFs. “O que houve nos últimos anos foi uma diminuição do financiamento. Atualmente, os institutos federais só funcionam porque estão em ensino remoto, se fosse presencial (o funcionamento), o orçamento não daria conta”, alerta.
O Orçamento destinado pela União aos institutos federais vem sofrendo redução ao longo dos últimos anos. O Ceará, por exemplo, que pode ver efetivada a divisão de estrutura, perdeu 45% dos recursos enviados pelo Governo Federal nos últimos dois anos.
Em 2019, a Lei Orçamentária Anual (LOA) reservou R$ 725,8 milhões para o IFCE. Já em 2021, o Orçamento total para o Instituto foi de R$ 397,5 milhões.
Pela nova divisão proposta pelo Governo Federal, o Estado seria dividido em dois, em um linha praticamente reta entre os municípios de Beberibe e Poranga, indo do Norte ao Noroeste do Ceará. O atual IFCE continuaria tendo como sede Fortaleza, atendendo metade do Estado. Já o Instituto Federal Cearense teria a reitoria instalada na cidade de Juazeiro do Norte, atendendo a outra metade do Ceará.
“Se já não temos dinheiro atualmente para subsidiar a demanda, imagine dividindo por dois. Porque além de salários, cada reitoria dessas terá custos com gratificações, por exemplo”, aponta Rafaella.
Tentáculos políticos
Para a diretora do SindsIFCE, além do risco financeiro, a mudança proposta pelo MEC traz outra ameaça igualmente grave: a perda de autonomia dos colegiados dos institutos federais.
Diferentemente do que ocorre na escolha de reitores das universidades federais – em que o colegiado máximo de cada instituição envia ao presidente da República uma lista tríplice de possíveis nomes, mas cabe ao chefe do Executivo nacional deliberar quem ele preferir –, nos institutos federais, o reitor eleito pelo colegiado é empossado.
A exceção para que o presidente indique um reitor é caso a reitoria tenha sido recém-criada, como seria o cenário nesses dez novos institutos. “Ou seja, ele quer indicar dez novos reitores, que iriam interferir no colegiado. De uma só vez, ele teria quase 25% de influência num grupo que hoje ele não tem quase nenhuma”, aponta a diretora sindical.
“Não somos contra o reordenamento, mas teria que ter clareza, ampliação de investimentos, ampliação de vagas e novos concursos”, pondera.
Rejeição nacional
Nacionalmente, a proposta foi rejeitada pelo Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), justamente o órgão colegiado que representa os IFs e receberia os novos reitores indicados pelo presidente. A entidade criticou o tempo exíguo de 20 dias destinado à discussão pelas reitorias afetadas.
“Reconhecemos que, para algumas instituições, a criação de novas reitorias pode melhorar a gestão, redimensionar e aproveitar os traços geográficos, econômicos, sociais e culturais, dinamizar o fluxo de mobilidade nos territórios povoados pelos Institutos e abreviar longas distâncias entre os campi e suas Reitorias. Alguns pontos centrais, no entanto, antecedem este tema e merecem atenção do MEC”, pondera o Conselho.
“A Rede encontra-se ainda em fase de expansão, com vários campi em implantação, um conjunto de instituições ainda sem sede própria para suas reitorias, e passando por sérias dificuldades nos últimos anos em decorrência da redução do seu orçamento, carecendo da consolidação das unidades em implantação, mediante complementação do quadro de pessoal, com a nomeação de novos professores e técnico-administrativos em educação, assim como a revisão do seu orçamento de custeio e de investimento, os quais têm sofrido cortes, no contrapasso do aumento na oferta de matrículas”, critica o Conif.
Para o Conselho, o “reordenamento” dos IFs deveria ocorrer após a recomposição orçamentária da rede, a conclusão de obras e a ampliação dos número de servidores, entre outras medidas.
Repercussão parlamentar
A discussão também já chegou ao Congresso Nacional. Para que a proposta do MEC possa ser executada, ela precisa ser aprovada pelo Legislativo Federal. Até meados do próximo mês, o ministro Milton Ribeiro estará na Câmara para explicar como pretende executar a ideia. A convocação foi feita pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle no último dia 15 de setembro. Ele tem até 30 dias para comparecer diante dos deputados.
Antes disso, o deputado federal cearense Danilo Forte (PSDB) pretende conversar pessoalmente com Ribeiro. “Já pedi uma audiência com ele o quanto antes. Entendo que a lógica de uma divisão seria dar mais eficiência na formação enquanto racionaliza os curtos. Quando o propósito é apenas criar uma área administrativa, a mudança fica sem lógica”, afirma o tucano.
O parlamentar pondera que é necessário levar em conta as particularidades de cada estado. “Em alguns estados, isso pode ser necessário por conta do volume de alunos ou mesmo das dimensões geográficas, mas, no caso do IFCE, os resultados são ótimos, já cumpre seu papel de eficiência”, conclui.
Pedro Bezerra (PTB) também defende uma maior discussão sobre o assunto. "O mais importante neste momento é o fortalecimento dos Institutos e seu devido investimento, garantindo o pleno funcionamento das unidades já existentes. A ação do Ministério é legítima, mas deve garantir os componentes para uma gestão democrática e a ampla participação da comunidade acadêmica", afirma.
Mudança administrativa
Integrante da Comissão de Educação da Câmara, o deputado federal Idilvan Alencar (PDT) se opõe à mudança. “Sou contra. Ela não cria nenhuma vaga a mais nos institutos, aumenta custos e visa apenas possibilitar ao presidente da República a nomeação de reitores alinhados ao seu projeto pessoal, sem passar pelos processos democráticos de votação da comunidade”, critica o pedetista.
Na última quarta-feira (22), o deputado cearense questionou diretamente o secretário da Educação Profissional e Tecnológica do MEC, Tomás Dias Sant'Ana, se a Pasta iria acatar a decisão dos institutos federais de rejeitar a mudança. O representante do Governo Federal participava de uma palestra na Câmara.
"A consulta tem o peso de consultar, de envolver os participantes, dialogar com as instituições, corrigir rotas e, de repente, alterar uma instituição que entende que não é o momento, incluir outra que entende que é o momento (de mudar). Estamos na fase de analisar as respostas, não posso dizer que a resposta foi A ou B", afirmou o secretário.
Segundo Sant'Ana, a maioria das instituições indicou que não é possível, no momento, atender à proposta do MEC. “Esse tempo a mais pode ser trabalhado”, disse.
Divisão do IFCE
Especificamente sobre o Ceará, o secretário indicou que se reuniu com o reitor do IFCE. “Ele apresentou o conjunto de elementos técnicos da instituição, então temos que tratar isso tecnicamente, tem instituições que querem, tem instituições que não querem, como eu disse”, apontou.
O secretário ainda ressaltou que a proposta não deve criar apenas cargos comissionados, mas também cargos técnico-administrativos necessários para o funcionamento das novas reitorias. Na palestra, o integrante do MEC disse que não iria comentar sobre a escolha dos novos reitores poder sofrer influências políticas.
Procurado pela reportagem, o MEC não respondeu sobre a proposta. O reitor do IFCE também foi procurado, mas não tinha disponibilidade para entrevista. Ele reforçou o posicionamento do colegiado da instituição