Ter um presidente da República como aliado pode ser o passe para que muitos políticos também consigam se eleger para outros cargos públicos. Em alguns dos maiores estados do Nordeste, porém, o cenário que se desenha para 2022, mesmo nos grupos políticos hoje na oposição, parece ser outro.
Opositores aos atuais governadores já discutem abertamente as chapas majoritárias para o próximo ano. Contudo, os pré-candidatos até agora mais competitivos evitam colar a própria imagem à do presidente, apesar das recentes investidas de Jair Bolsonaro (sem partido) em se aproximar dos nordestinos.
É na região que o presidente amarga o pior desempenho entre o eleitorado, seja em dados históricos, seja em números recentes. Em 2018, quando conquistou a cadeira no Palácio do Planalto, o Nordeste foi a única região em que ele perdeu em todos os estados.
Levantamentos recentes de diversos institutos de pesquisa também apontam que, três anos depois, a região é onde ele é mais rejeitado. Para cientistas políticos, esse mau desempenho por ser uma pedra no sapato para aliados na região.
“Além de não ter uma avaliação positiva no Nordeste, a popularidade dele oscila muito por aqui. Para um aliado dele na região, isso é arriscado, é uma oscilação grande”, avalia a cientista política e professora universitária Carla Michele Quaresma.
De olho em 2022
Para amenizar as críticas à própria imagem e articular aliados – e palanque – para 2022, o chefe do Executivo nacional passou a fazer visitas mais frequentes à região. Em janeiro deste ano, esteve em Sergipe. Em fevereiro, visitou obras em uma rodovia federal no Ceará. À época, também esteve na Paraíba. No mesmo mês, ele havia desembarcado em Pernambuco.
Em abril, esteve na Bahia inaugurando trecho de 22 km de uma estrada. Em maio, o presidente foi ao Maranhão e ao Piauí inaugurar uma ponte. Também em maio, esteve em Alagoas. Na última quinta-feira (24), Bolsonaro visitou obras de uma barragem no Rio Grande do Norte.
Em uma região governada por nomes da esquerda e da centro-esquerda, mesmo a oposição evita a associação direta ao presidente. Apesar de algumas aproximações pragmáticas, o discurso bolsonarista é adotado apenas por um restrito grupo de aliados, apontam analistas políticos.
Rejeição nordestina
No ano passado, a disputa pela Prefeitura de Fortaleza ilustrou essa situação. E para 2022 o mesmo cenário pode se repetir. O deputado federal Capitão Wagner (Pros) chegou a receber apoio nominal do presidente. Contudo, evitou usar a imagem do chefe do Executivo nacional na campanha.
O vídeo em que Bolsonaro enaltece o parlamentar foi usado, na verdade, por José Sarto (PDT), adversário de Wagner, para tentar minar a popularidade do concorrente.
O deputado federal já anunciou que deve novamente concorrer a um cargo majoritário no próximo ano: ele almeja o Governo do Estado. Como parte das articulações, na última semana, Dayany Bittencourt, esposa do parlamentar, se filiou ao Republicanos, partido nacionalmente alinhado a Bolsonaro.
Conforme projeta a cientista política Carla Michele Quaresma, a aproximação entre Wagner e o presidente pode ser, novamente, informal.
“Desde a campanha (de 2020) que ele oscila. Na época, ele assumia essa proximidade, mas se dizia independente. O mesmo discurso do senador (Eduardo) Girão. Eles dizem que concordam com algumas ações do Governo, mas discordam em outros momentos, mantendo uma independência”.
“Essa oscilação, inclusive, é muito reveladora, porque talvez o apoio do Wagner traga mais benefício ao presidente, por ter um palanque no Ceará, do que para o próprio Wagner”, acrescenta.
Para a cientista política, um discurso alinhado a Bolsonaro é suficiente para atrair um eleitorado fiel no Nordeste em disputas para o Legislativo. No entanto, quando a corrida é por uma vaga no Executivo, é preciso suavizar o tom para atrair mais apoiadores.
“Numa disputa majoritária, esse discurso truculento sozinho não elege. Tanto que o presidente, para ser eleito, precisou juntar o antipetismo, a insatisfação política, a linhagem liberal, a turma da igreja, os militares e outros grupos”, afirma.
Oposição na Bahia
Análise semelhante faz o cientista político Cláudio André de Souza, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) na Bahia. Segundo ele, entre os baianos, os nomes de oposição até fazem acenos ao presidente, mas fogem de uma aproximação direta.
“O ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, é quem congrega a oposição por aqui. Eles tiveram (no ano passado) uma vitória importante em cidades da região, como Salvador, Camaçari, Vitória da Conquista e Feira de Santana, então esse avanço, somado à vitrine que foi a gestão do ACM em Salvador, dá competitividade à oposição”.
Desde a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados, o DEM vive um racha interno. Presidido por ACM Neto, o partido teve integrantes votando em Arthur Lira (PP-AL), nome apoiado pelo presidente Bolsonaro, mesmo com a candidatura de Baleia Rossi (MDB) tendo como principal cabo eleitoral o então presidente da Casa, Rodrigo Maia (à época, DEM).
Desde então, ACM Neto passou a ser acusado de se aliar a Bolsonaro. O ex-prefeito de Salvador nega e se diz independente. “Nem oposição, nem base de Bolsonaro”, reforça.
“Essa postura não é à toa, ela decorre de pesquisas que apontam uma larga base de apoio ao petismo e ao ex-ministro Ciro Gomes (PDT) na Bahia. Bolsonaro não encontra terreno fértil por aqui”, avalia Cláudio de Souza.
Palanque duplo
“Esse cenário leva o ACM Neto a ser muito cauteloso no diálogo com as bases bolsonaristas. E é interessante perceber como ele trabalha com o palanque duplo, com Bolsonaro e Ciro, já que ele fez muita questão de trazer o PDT para a base da Prefeitura”, acrescenta.
Por outro lado, um antigo aliado do ex-prefeito tem usado a imagem de Bolsonaro para tentar se tornar mais competitivo na região. O ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos), é apontado nos bastidores como possível candidato ao Governo do Estado.
Neste mês, em evento virtual com aliados da região, o presidente declarou que “João Roma é o futuro da Bahia”. O ministro não descarta enfrentar a disputa, mas nega que já tenha sido escolhido.
“Ele tem circulado bastante, tem se reunido com prefeitos, vereadores e lideranças políticas. É uma figura na disputa, mas que ainda vem buscando, ainda é algo incipiente", avalia Souza.
“Outras figuras que se mostram mais próximas ao Bolsonaro são o deputado Elmar Nascimento (DEM) e o vereador Alexandre Aleluia (DEM), mas não vejo uma liderança bolsonarista com efetiva viabilidade eleitoral para ser posta como terceira via”, conclui o cientista político.
Pernambuco
Em Pernambuco, o grupo de oposicionistas ao PSB parte da própria esquerda e chega a nomes alinhados ao Governo Federal.
“Podemos dizer que são duas linhas de oposição, uma mais à esquerda, que defende a deputada federal Marília Arraes (PT) como candidata, e outra mais à direita, formada por partidos que nacionalmente apoiam o presidente, mas ainda assim não têm um discurso fortemente bolsonarista”, explica a cientista política e professora universitária Priscila Lapa.
Entre os mais cotados para disputar vaga no Governo do Estado estão os prefeitos de Petrolina e de Jaboatão dos Guararapes, Miguel Coelho (MDB) e Anderson Ferreira (PL), respectivamente.
“Anderson é mais bolsonarista e tem a carreira política da família ligada a evangélicos. Ele é um dos poucos prefeitos que desfila com ministros do Governo Federal, assim como Coelho, que também tem um forte discurso de oposição ao PSB”.
O emedebista é filho do senador Fernando Bezerra (MDB), líder do Governo no Senado.
“O que percebo em Pernambuco é que ser bolsonarista e antipetista não é o que define a eleição. Apesar de ter havido um crescimento da direita aqui no Estado, ainda existe uma memória forte dos Governos Lula, e é comum haver a comparação. O que define mais a oposição é essa ideia de derrotar o PSB”, acrescenta.