Lula vem ao Ceará após rompimento entre PT e PDT que resultou em virada de estratégia petista

Após período mais turbulento, PT se fortalece para o pleito deste ano

A visita do ex-presidente Lula (PT) ao Ceará, neste fim de semana, marca o que já vem sendo tratado como histórico por sociólogos e lideranças políticas: o fim da aliança entre PT e PDT no Estado após mais de 15 anos, além de uma readequação das forças locais.

Ao seu lado no palco, o petista terá Elmano Freitas e Camilo Santana, seus correligionários que disputarão o Governo do Ceará e o Senado Federal, respectivamente. Além deles, o encontro dos petistas contará ainda com aliados de ao menos quatro outras siglas.

Esse agrupamento de forças esperado na convenção do Partido dos Trabalhadores (PT), previsto para iniciar às 11 horas, no Centro do Evento do Ceará, parecia um cenário impensável há quatro anos. À época, o Brasil vivenciava o ápice do antipetismo, com o próprio Lula preso e seu indicado, Fernando Haddad (PT), caminhando para ser derrotado nas urnas na disputa com o então candidato Jair Bolsonaro (PL).

“Não chega a ser um ressurgimento, mas é um reposicionamento do partido”
Monalisa Soares
Professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem)

“É um momento em que o partido se restabelece na opinião pública, consegue recuperar uma imagem partidária positivamente razoável e conta com grandes lideranças, como o ex-presidente Lula, que retoma o seu lugar político mesmo com algumas resistências. No Ceará, tem essa liderança muito expressiva do ex-governador Camilo Santana. O fato dele ter ficado no PT, bancado sua filiação e nessa conjugação com o ex-presidente Lula, une duas lideranças muito fortes”, acrescenta Monalisa Soares.

Fim da aliança

Até o início deste mês, algumas lideranças do PT e do PDT atuavam para tentar garantir a manutenção da aliança entre as duas siglas no Ceará. Os petistas, no entanto, colocavam como condição para isso que a atual governadora, Izolda Cela (sem partido), fosse lançada como cabeça de chapa governista. Já parte dos pedetistas, principalmente da executiva nacional e do diretório de Fortaleza, defendiam o nome do ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT).

O impasse terminou com o lançamento da candidatura do ex-mandatário e o PT acusando, em manifesto, que o PDT fez um rompimento “unilateral”. Paralelamente, a governadora pediu desfiliação do PDT. Já o PT decidiu, sob liderança do ex-governador Camilo Santana e com aval do ex-presidente Lula, lançar o nome de Elmano Freitas na disputa ao Governo do Ceará.

Para o professor de sociologia na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Marcos Paulo Campos, o fim da aliança indica não só um rearranjo de força, mas uma mudança de postura de Camilo Santana, alçado à função de principal articulador do grupo petista.

“Camilo é uma liderança que se autonomizou das forças políticas que o constituíram. Ele tem uma uma liderança até superior a quem o constituiu, além de uma popularidade maior que Cid e Ciro Gomes, atualmente. O que essa população busca é, de certa forma, um Governo Camilo 3.0. Se em 2014 ele estava no PT, mas não liderava o partido, hoje ele lidera todas as alas, o PT está orgulhoso da conduta do Camilo, que conseguiu atrair deputados, partidos e prefeitos”
Marcos Paulo Campos
Professor de sociologia na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)

Fator Camilo

Desde que o rompimento foi anunciado, o ex-governador tem costurado o apoio de uma frente partidária insatisfeita com a forma de escolha do PDT. No grupo, estão MDB, PP, PV e PCdoB – além da possibilidade de apoio do PSDB. Ao longo dos últimos meses, o próprio PT Ceará foi se reforçando, ampliando a bancada legislativa estadual de quatro para sete deputados, além de um aumento no número de prefeituras, chegando a 29 sob domínio de correligionários do petista.

O próprio candidato do PT, Elmano Freitas, reconhece o esforço do ex-mandatário na montagem da composição.

“Eu acho que se inicia um novo momento da política no Ceará. Nós vamos iniciar um novo ciclo político no Estado tendo a liderança nacional e aqui no Estado do presidente Lula e do governador Camilo”
Elmano de Freitas
Candidato ao Governo do Ceará pelo PT

“(Será) do jeito dele fazer política, de buscar consenso, de ouvir, de ter humildade, de dialogar com todas as forças. Eu acho que nós vamos passar por um outro processo político, evidentemente, com protagonismo do PT muito forte, mas um PT maduro”, acrescenta.

O que explica o fortalecimento?

Na apresentação de forças no período de pré-campanha, o PT mostra um fortalecimento no Ceará, mas também nacional, com a liderança do ex-presidente Lula nas pesquisas eleitorais, após um dos piores momentos da sigla, em 2018, quando o mandatário sequer conseguiu concorrer por estar preso.

De acordo com a pesquisa Datafolha mais recente, divulgada na última quinta-feira (28), o petista tem 47% das intenções de voto no primeiro turno, seguido por Bolsonaro, com 29%. A margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais. As respostas foram colhidas com 2,5 mil eleitores de 183 cidades entre quarta (27) e quinta (28).

“Nacionalmente, a variável mais importante é a baixa aprovação do Governo Bolsonaro, que foi um governo montado em cima de uma derrota tripla do PT: a má avaliação do Governo Dilma, o impeachment da ex-presidente e a perda da eleição em 2018”
Marcos Paulo Campos
Professor de sociologia da UVA

“Mas Bolsonaro entrega um governo que não é bem avaliado, tem uma rejeição alta, então isso colabora para o PT se reapresentar. Agora, tem também o fator da liderança do ex-presidente Lula. Desde que ele recuperou os direitos políticos e a população foi informada, ele passa a ter a possibilidade de ser novamente presidente”, aponta Marcos Paulo.

A crise que enfrentou o PT, atingindo o ápice em 2018, contrasta com uma ascendência que teve como marco a eleição de Lula em 2002. À época, a primeira vitória dele nas urnas para a Presidência mudou o polo de poder nacional para a esquerda. 

O mandatário foi reeleito em 2006 e conseguiu emplacar a sucessora, Dilma Rousseff (PT). A petista ainda foi reconduzida ao cargo em 2014, mas teve o mandato presidencial cassado em 31 de agosto de 2016, em um dos marcos da crise petista.

Em meio aos quatro mandatos, o PT foi alvo de uma série de denúncias de corrupção, como o Mensalão e a Lava Jato. Integrantes da cúpula da sigla, que participaram do primeiro escalão do Governo, também foram presos, entre eles José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

Estrutura partidária

No entanto, para a professora Monalisa Soares, mesmo em seu pior momento, o PT dava indícios de que teria potencial para voltar a se fortalecer. “Nunca houve a possibilidade de uma extinção do PT. Os estudos do sistema partidário brasileiro mostram que a sigla é a instituição partidária mais firme, consolidada e programaticamente estruturada nacionalmente”, aponta.

“O PT como instituição tem muita estabilidade, passou por esses abalos de imagem pública por conta da Lava Jato e da deposição da ex-presidente Dilma, mas o quadro de 2022 é bem diferente porque envolve uma recomposição e uma revisão dessas narrativas”
Monalisa Soares
Professora e pesquisadora

Conforme aponta Marcos Paulo Campos, o caso do Ceará é um exemplo disso. Mesmo com a turbulência nacional, o partido conseguiu reeleger o então governador Camilo Santana em 2018 com 79,9% dos votos já no primeiro turno.

“O PT continua no poder mesmo quando não estava nacionalmente no poder. Nos últimos anos, o PT tinha o governador do Estado. Acontece que Camilo tem uma trajetória de intercessão entre o PT e o grupo Ferreira Gomes, tanto que sempre se colocava em dúvida sobre quem ele optaria em caso de ruptura. Então, a opção agora dele está sendo o PT. A condição de competição no Estado é favorecida pela boa aprovação dele e pela opção de enfrentar a crise em seu partido”, afirma.

Sempre na disputa

Para o deputado federal José Airton Cirilo (PT), quadro histórico do partido, o que também contribuiu para a força da sigla é a manutenção das candidaturas mesmo em momentos de instabilidade.

“O PT sempre teve candidato ao Governo do Ceará, por exemplo, até em momentos mais difíceis. Em 1982, Américo Barreira tirou votação inexpressiva, de 0,61% dos votos, mas ali serviu para demarcarmos, num primeiro momento, um debate e um projeto muito qualificados”, diz.

O parlamentar lembra ainda da disputa seguinte. “Em 1986, saímos com Padre Haroldo Coelho, que era mais um líder religioso revolucionário, mas aquela participação também demarcou um alicerce do que somos hoje. Em, 1990, tivemos João Alfredo, mas ali já mostrava a força do movimento social, sindical, popular e de setores da Igreja. Ele mais que dobrou a votação que o partido recebia, chegando a 7,87%”, ressalta o deputado.

Ainda de acordo com José Airton, o pleito de 1994 foi atípico, já que uma aliança firmada no estado entre PT e PSDB foi desfeita nacionalmente. “Fomos com Joaquim Cartaxo (Filho), mas tivemos uma diminuição do partido porque a campanha dele foi em cima da hora”, conta.

“Em 1998, ninguém queria ser candidato, o PT estava em um momento difícil, então eu fui o Cristo escolhido. Acabei aceitando enfrentar o Tasso e o Gonzaga Mota, tirei 13,9% dos votos. Mesmo com esses 13,9% no Estado, eu consegui, em Fortaleza, 39,9%. Para mim, foi um ponto de virada, com uma retomada do fortalecimento do PT no Ceará”, afirma.

Eleição de 2002

O próprio José Airton voltou a disputar o Governo do Ceará em 2002, em uma campanha alinhada com a do então candidato Lula. Nacionalmente, o político foi eleito, mas, no Ceará, o governador eleito foi Lúcio Alcântara. Porém, para o deputado, o PT saiu com vitórias da disputa. 

“Eu tinha convicção de que iríamos chegar onde chegamos. Lula vinha da quarta campanha nacional, então essa conjunção de fatores favoreceu para que fôssemos para o segundo turno. Tomaram aquela eleição da gente na marra, mas o certo é que foi muito positiva, tanto que culminou na eleição de Lula”, diz.

De acordo com Monalisa Soares, a disputa deste ano indica um alinhamento entre as forças estaduais e federais do PT justamente pelo fortalecimento da sigla nos dois âmbitos.

“Camilo, por conta dessa proximidade com o grupo dos Ferreira Gomes e por ter chegado ao poder pelas mãos desse grupo, sempre teve uma relação de ambivalência em relação ao PT. Ele é petista ou não é? Mas, desde o ano passado, é importante destacarmos que o cenário foi ficando mais claro para ele”, afirma.

“Ele vai se engajar mais no PT com essa possibilidade de o ex-presidente Lula voltar, tendo em vista o PT nacional robusto, com força, então ele começa a ser uma liderança ascendente também dentro do PT e ascendente no Estado, que teve inclusive o mandato destacado nacionalmente”, conclui.