Um dos fundadores do PSDB, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso admite erros do partido, mas defende que os tucanos tenham candidatura própria - e viável - à Presidência da República em 2022. Em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, ele também avalia que a democracia brasileira não está em risco, apesar dos recentes embates entre os poderes.
Ao tratar do Governo Bolsonaro e da aproximação vista entre o Palácio do Planalto e o Centrão, FHC diz que "se o presidente imaginar que vai levar adiante o País dando a mão, o braço e a alma a esse grupo, está perdido".
Diante dos nomes colocados como potenciais presidenciáveis pelo PSDB até o momento, inclusive o do senador cearense Tasso Jereissati, o ex-presidente sustenta que o partido precisa expressar um sentimento da sociedade para ser competitivo.
Ao longo da entrevista, o líder tucano também fala sobre composições para a construção de uma "terceira via", da relação com o ex-presidente Lula (PT) e dos legados de sua gestão na Presidência para o Ceará.
Leia a entrevista:
Nós estamos passando por um momento muito conturbado na relação entre os poderes. O senhor considera que a democracia está em risco?
Eu não acho isso. Vivi muitos anos, já passei por muitas crises. A crise é grande, mas acho que não existe um perigo de acabar com a democracia. Primeiro, que o povo gostou (da democracia). O gostinho de liberdade deu certo e isso não vai embora assim. Segundo, as instituições são fortes - a imprensa, que também conta muito neste jogo, o Congresso e o próprio presidente.
Pode ser que ele tenha um ou outro ímpeto mais autoritário, mas não creio que tenha o propósito de acabar com a democracia. Se tiver, vamos resistir. Do nosso jeito, vamos resistir e ele não vai conseguir.
O presidente Bolsonaro já disse que, caso não passe (no Congresso) a emenda sobre o voto impresso, pode não haver eleições no ano que vem. O senhor não acha que essa é uma declaração muito direta em relação a esse contexto da democracia?
É possível. Eu, se fosse ele, não teria dito isso. É equivocado. Mesmo que ele tenha dito, isso não vai alterar, eu espero, a disposição do Congresso, do povo e dos militares. Como vai fechar o Congresso sem militares? Eu não acredito que exista a tentação, por parte dos militares, de assumir - ainda que seja provisoriamente, rasgando a Constituição.
Não creio que eles tenham a disposição para assumir o ônus de fechar a economia brasileira, de fechar a imprensa no Brasil, tirar os congressistas da sua função. Não acho que estejam nesse clima.
Agora, a liberdade, como dizia Eduardo Gomes, requer eterna vigilância. É preciso o tempo todo estar reagindo, não deixar que as coisas aconteçam sem que haja reação. E, sobretudo, é preciso não ter medo.
A primeira reação geral, quando começa um regime mais duro, é de se encolher. Nós precisamos não (fazer isso). Os que têm voz, os que são capazes de falar, podem falar, devem continuar falando. Dizendo o que pensam, o que querem.
Como o senhor, que já foi presidente e também senador, avalia a reação que os outros poderes têm tido diante desses focos de crise constantes?
A gente não deve nunca descuidar do fato que a democracia é uma planta jovem, tenra, que precisa ser molhada todos os dias. É preciso cuidar dela. A liberdade, o exercício do poder pela cidadania no voto e pelos representantes tem que ser muito cuidado.
O presidente pode dizer o que quiser, mas os outros têm que tomar em consideração o interesse do País, o interesse do povo brasileiro. É preciso que se repita sempre: "olha, não vem que não tem". Essa, no fundo, é a questão. Percebendo que, se vier, vai ter resistência.
Dentro desse contexto, nós temos uma figura meio amorfa na política nacional que é o "Centrão". E este Centrão tem ajudado, desde a redemocratização, todos os governos. Por que isso tem acontecido? O que é determinante para a dependência dos governos desse grupo?
Primeiro, (o Centrão) não existe como grupo. É um sentimento muito generalizado. Eu fui membro do Congresso por muitos anos e já havia (este grupo, formado) por aqueles que não querem outra coisa a não ser tirar um naquinho do poder, vantagem para si mesmo. Isso é normal, existe em toda parte.
O ruim é quando essa gente não só é maioria, como exercita a vocação de poder mandar sem prestar atenção na lei. E, se o presidente imaginar que vai levar adiante o País dando a mão, o braço e a alma a esse grupo, está perdido.
Acaba sendo vítima desse grupo, que eu não acho que tenha essa força toda. (...) Getúlio, que era forte, tentou impor uma regra e não conseguiu - no Estado Novo. E havia uma movimentação real da sociedade de "Queremos Getúlio". Não existe "queremos o presidente atual", ninguém está dizendo isso na rua, não existe um sentimento popular na direção antidemocrática. Existem, eventualmente, ímpetos da parte dele e de quem seja. Mas entre o ímpeto e a transformação em poder, tem uma distância grande.
O senhor acha que este avanço do Centrão ao núcleo do Governo, como estamos vendo agora, inclusive com a chegada na Casa Civil, é ruim para o Governo Bolsonaro?
Eu não acho bom, acho ruim. O Governo está indo por um caminho que, a meu ver, é desastrado. Porque há pessoas nesse grupo com qualidades, mas, como conjunto, elas se caracterizam por querer o poder e não por ter valores, ideais ou algum objetivo para o País. Então, se isso prevalecer, é um desastre para o Brasil.
Acredito que haverá reação, da parte mais saudável do Brasil, que não aceita essa história de 'maria-vai-com-as-outras'. Não acredito que aceite. Eu, pelo menos, não estou disposto. (...) Ele (Bolsonaro) pode ter a vontade que quiser, mas eu não acho que o povo está disposto a sofrer (com este) arbítrio mais. Já sofreu várias vezes, tem uma memória disso.
Temos uma sociedade de massas, difícil de ser conduzida e que requer um pouco de atenção por parte daqueles que vão executar as ordens. Em qualquer regime, as Forças Armadas têm poder, sabem, podem impor. Mas não creio que estejam dispostas a aceitar uma quebra do jogo democrático. Se estiverem, não vão ter apoio popular. Sem apoio das Forças Armadas e sem apoio popular, é difícil que o Governo faça alguma coisa.
À condição de que existam lideranças, pessoas que não se curvem, que digam o que querem, que não tenham medo de cara amarrada.
O presidente Jair Bolsonaro foi eleito com o apoio do empresariado brasileiro, alicerçado pela figura do ministro Paulo Guedes. Passados dois anos e meio, esse apoio vem se dissipando. O ministro Paulo Guedes, nesse tempo, entregou o que se esperava?
Do meu ponto de vista, não. Agora, não é que tenha sido um desastre na administração. Ele é a espinha dorsal do governo. Como não concordo com o Governo, acredito que a espinha dorsal está indo por um caminho equivocado.
O caminho dele é falar principalmente com os que têm recursos, com os que têm dinheiro. Ora, o Brasil não se constitui pelos que têm recursos, se constitui por pessoas nas mais variadas posições na sociedade. Os governos têm que atender a essas variadas posições e, a maioria, não tem recursos, não tem dinheiro. Então, é preciso se preocupar com isso.
Não é o caminho que eu gostaria de ver o Brasil caminhando, mas eu não acho que o ministro Paulo Guedes, especialmente, tem ímpeto de impor nada. Como vai governar contra os interesses populares? Não consegue, é difícil. Isso não significa que eles não tentem, podem tentar. Se forem tentar, têm que encontrar um não, um não tranquilo, sóbrio e forte.
Vamos falar um pouco do PSDB, que é um partido importante da estrutura organizacional partidária brasileira. O senhor é membro do partido, foi um dos fundadores e, inclusive, foi presidente pelo partido. Qual é o papel do PSDB pensando em 2022?
Primeiro, o partido existe quando tem o apoio da população. O PSDB tem que expressar o que a população sente. Aqui em São Paulo, é um partido forte, está no Governo (estadual), em muitas prefeituras. Isso é bom? Para mim, é. Mas para o País não basta isso. Tem que ter posição.
O PSDB precisa, o tempo todo, reiterar de que lado está, porque deseja tal coisa, tem que se mostrar um partido que tenha sensibilidade para expressar um sentimento de muita gente, não só do partido.
A tendência dos partidos é ficar entre eles mesmos. Isso não é bom. Tem que ficar o tempo todo alertando ao partido que ele tem que olhar para a população, ver as carências. O partido não existe para falar bem de quem está governando. Existe para falar bem do povo e exigir daqueles que governam uma linha que seja a favor da maioria.
O PSDB está cumprindo esse papel? Varia. Em certos momentos, cumpre; em outros, não cumpre. Mas se mantém no jogo partidário, se mantém. No Ceará, tem governos na mão. Em São Paulo, tem governos na mão. São governos democráticos, procuram ser construtivos. É um papel importante.
Na democracia, tem que saber que você tem uma ideia e o outro tem uma outra ideia. Tem que fazer uma composição, tem que ser capaz de aceitar a diferença, a divergência, o outro. Isso é próprio da democracia e da liberdade: a aceitação do outro. Quer dizer que você vai seguir o que o outro quer? Não. Vai seguir aquilo (para o) que você foi eleito. Se a maioria quer essa direção, vou nessa direção. O PSDB tem sido capaz disso? Em geral, eu diria que sim. Mas dentro do jogo democrático, tem que ouvir o outro.
O partido viveu, de alguma maneira, os seus dilemas, altos e baixos. Agora, o senhor considera que houve algum erro para que o partido chegasse às eleições de 2018 com uma votação tão baixa?
Quando chega o momento da eleição, quem fala, quem consegue entusiasmar o povo, é quem leva. O PSDB certamente errou, não foi capaz de expressar o sentimento da maioria naquele momento. Errou. Em São Paulo, ganhou a eleição - já faz muito tempo que o PSDB está no Governo e tem desempenhado relativamente a contento. O Ceará tem bons líderes que são do PSDB.
Na democracia, a gente está sempre sujeito ao escrutínio do povo. Se você errar - e errar significa, na democracia, não ser capaz de atender aos anseios populares -, você perde. Depois, você pode ganhar de novo a eleição. Tem que entender esse jogo, tem que entender esse vai e vem da vida democrática. Claro que, dentro do PSDB, tem gente boa, tem gente ruim, tem gente competente, tem gente que dizem que não é competente, tem gente capaz de exercer o Governo, tem gente que não é capaz de exercer.
Em qualquer partido é assim, não tem partido que seja sagrado. São seres humanos. Às vezes são bons líderes, às vezes não são tão bons assim. Na média, pelo menos na minha experiência como pessoa e como político, (também) como professor e aqui onde vivi, em São Paulo... Também conheço o Ceará, sou amigo do Tasso (Jeiressati), por exemplo, me dou com Ciro (Gomes). São pessoas sérias, não são pessoas vigaristas. E que, quando ganham, tentam levar adiante um programa. Isso é importante.
Gostaria de falar sobre como o PSDB se organiza para a eleição do ano que vem. Por enquanto, o partido tem alguns nomes postos, como o do governador de São Paulo, João Doria, o do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e também o do senador Tasso Jereissati. O partido vai ter um candidato viável, na sua avaliação? E, se sim, em que o senhor aposta?
O partido precisa ter um candidato viável. Qualquer um desses três, se for candidato do PSDB e for capaz de expressar o sentimento da maioria - não só dos PSDBistas, mas do País naquele momento - tem chance de ganhar. Todos os três mencionados têm competência.
Alguns têm poder na mão, isso ajuda. É decisivo? Não é decisivo. É possível ganhar contra o poder. Mas ajuda. São três nomes, eu teria dificuldade de dizer qual desses três... O mais próximo a mim é o Tasso. O governador de São Paulo também é meu amigo.
Enfim, são pessoas de valor e que querem se lançar. Em política, não adianta querer. Quem é candidato, tem que se lançar, tem que aceitar o jogo e disputar. Quem tiver mais chances, terá meu apoio.
Em uma entrevista recente, o senador Tasso disse que, talvez, seria importante o PSDB e o PDT firmarem algum compromisso de olho na eleição de 2022. O senhor acredita nessa possibilidade da terceira via? E o PSDB pode se alinhar, mesmo que não tenha o cabeça de chapa, nas eleições do ano que vem?
Primeiro, acho que vai ter o cabeça de chapa, porque os partidos dependem muito de ter candidato para formar bancada e tudo mais. Pelo menos no primeiro turno, eu acho que vamos ter candidato. A minha opinião é que tenha candidato. Mas, para ganhar eleição, ninguém ganha sozinho. Tem que fazer aliança. Eu sei que aliança é mal vista pela população, não gostam, mas é do jogo democrático. Não dá para ganhar sozinho, então faz aliança.
Com quem o PSDB pode fazer aliança? Foi mencionado que o PDT é possível. Não é necessário que seja, depende das situações locais. O caso do Brasil leva a alianças variáveis dependendo da situação local. Agora, para presidência da República, é mais complicado. Tem que escolher quem vai se aliar e no primeiro turno, tem que ter candidato. E tomara que o PSDB vá para o segundo turno. Se for, ótimo. Se não for, paciência.
Mas tem que ter candidato de qualquer maneira, porque, se não, não tem posição. A pior coisa da vida política é ser neutro, não ter lado. Tem que ter lado, tem que escolher lado.
Às vezes, é uma escolha de Sofia, é difícil a escolha, mas tem que fazer. E tem que se submeter à realidade. Não no sentido passivo, (mas) no sentido ativo, em que você vai tentar impor, mas não contra a vontade da maioria. Não tem jeito. Tem que ver para onde a maioria está indo e aceitar a vida como ela é.
PT e PSDB, desde a redemocratização, vêm rivalizando nas disputas para a presidência da República. Em 2018, isso mudou de cenário com a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Como a chegada do grupo liderado por ele ao poder realinha essas forças políticas?
Do meu ponto de vista, se perdeu, perdeu. E foi legítimo, ele foi eleito pela maioria do povo brasileiro. Disse o que faria e está fazendo, tentando fazer. Isso vai mudar minha opinião sobre o que precisa ser feito pelo Brasil? Não, não vai mudar.
Nós temos que ter resistência diante de momentos que não são positivos para o PSDB nacionalmente. Tem que ter resistência não contra pessoas, mas quanto ao que se propôs para o País. Várias críticas podem ser feitas ao Governo atual, mas acho que o principal é sobre a orientação do Governo no que diz respeito ao interesse popular. Tem que conversar com as pessoas: estão se sentindo bem? Tem emprego? Tem renda? Tem escola? Tem transporte? Coisas simples. Muitas vezes, no Brasil, nos perdemos em brigas abstratas. Ideológicas, teóricas. Mas tem que ver quais são as necessidades fundamentais do povo.
Quem achar que o jeito do presidente Bolsonaro de governar é bom, pode até tentar levar o PSDB para ele. Vai ser possível? Acho difícil, porque haverá sempre no PSDB quem não concorda com essa posição. E para a vida pública partidária, um partido do porte do PSDB precisa ter expressão pública o candidato. Vai escolher bem? Não sei, tem que ver na hora quem se apresenta. Foram citados nomes, eu não quero fechar as possibilidades.
Quem será capaz de expressar um sentimento que vá além do próprio interesse, do seu estado, do seu grupo e de si, poder somar mais gente, porque ninguém governa sozinho. Eu fui presidente, sei como é isso. Nunca reneguei o PSDB, sempre respeitei ao expressar sentimentos. Mas expressar os sentimentos é uma coisa, realizar o sentimento é outra.
Para realizar, é preciso apoio. Apoio nos partidos, no Congresso, na sociedade, no povo. Não sou favorável a quebrar as instituições para garantir a sua vontade. Tem que manter as instituições e, por meio delas, realizar os ideais que não só seus, mas compartilhados por muitos - pelo partido ou pelos partidos que fazem aliança.
O senhor esteve com o ex-presidente Lula recentemente. O que significou, do ponto de vista político, esse encontro?
Eu conheço o ex-presidente Lula do tempo em que ele era líder sindical, muitos anos atrás. Ele passou férias na minha casa de praia, eu conhecia a casa dele, a família dele. Ele é uma expressão do que existe no Brasil, então tenho que conversar. Suponhamos que o presidente da República atual, Bolsonaro, me chame. Você acha que eu vou dizer que não vou? Não. Agora é diferente, só vou quando for algo formal, necessário.
No caso do Lula, foi algo espontâneo dele e meu. Nós queríamos conversar porque precisamos mostrar ao Brasil que "não vem que não tem". É possível até que haja uma união em circunstância dadas. Naturalmente, o PT vai ter um candidato e o PSDB vai ter outro. Nós não somos a mesma coisa. Mas, é mais fácil conversar com quem está do meu lado - no caso do PT, eu não considero inimigo ou adversário - do que conversar com quem está contra você.
O Lula é uma pessoa muito aberta, franca e ele é político, ele sabe o jogo. Eu também não sou bobo. Não temos como ter uma conversa que não tenha preço, tem preço. Muita gente critica. Nós conversamos porque, de vez em quando, os líderes políticos têm que conversar, preparar o futuro.
O Lula é cuidadoso, não disse que é candidato - é óbvio que ele é. Se o PSDB tiver um candidato, eu vou estar com esse candidato e não com o PT. Mas é importante que a gente mantenha o diálogo. Democracia é conversa também. Quando não se tem mais diálogo, acabou. Vai pela força, e eu não sou partidário disso.
Ao longo das suas gestões na Presidência, nós tivemos obras importantes para o Ceará, como o Porto do Pecém, o Castanhão e o Aeroporto de Fortaleza. Qual o senhor considera que é o maior legado do seu Governo para o Ceará?
O meu maior legado - não só meu, mas de muita gente - foi a decência. Não transformar tudo em roubalheira. Quanto a obras materiais, eu fiz tudo que era possível. E no Ceará, acredito que o mais importante era água, açude. Eu fui mais de uma vez até aí para visitar, para ver, para incentivar, porque havia a necessidade de água.
Agora, não é mais isso. O Aeroporto é fundamental, o Porto também. Mas para o povo, naquele momento, o mais importante era água. Hoje, eu não sei.
O senhor hoje tem 90 anos de muita juventude. Qual é a lição que o senhor dá para as novas gerações, para que cheguem à longevidade com uma vitalidade tão grande no pensamento?
Eu não sei se eu tenho vitalidade, mas trabalho todo dia. Acho que é importante isso, a vontade de aprender. E não tem que se sentir o dono da bola, tem que se sentir aprendiz. Eu estou o tempo todo estudando, lendo, conversando. É entender, tentar entender. No meu caso, não é só o Brasil, eu tento entender a América do Sul, a América Latina, o mundo, os Estados Unidos, a União Soviética, a China.
Eu tento todo tempo não ficar antigo, fossilizado. Porque você tem que perceber também que o tempo passa, se você tiver a ilusão de ficar ‘você pode’... não pode mais! Não é que eu não tenha condições físicas. Fisicamente eu estou razoável, eu não sinto nada. Agora, 90 anos são 90 anos. (...) Eu vivi muita coisa. Fui obrigado... Obrigado não, não fui obrigado. Eu vivi! Veja, eu nasci em 1931. Em 1932, teve a Revolução de São Paulo. Eu não me lembro disso, morava no Rio.
Minha família era ligada ao Getúlio, presidente do Brasil, ministro da Guerra (pessoas do convívio na época), meu pai (Leônidas Cardoso) foi deputado do PTB... E eu acompanhei tudo isso. Acompanhei o momento emque o Brasil fechou, o momento em que houve a redemocratização, o povo na rua, pedindo liberdade, a industrialização do Brasil. O Brasil era um País agrícola quando nasci. Hoje é um País grande, moderno. Da minha janela eu vejo São Paulo, é um colosso. E não é só São Paulo não.
O Nordeste melhorou muitíssimo. Eu não sou daqueles que ficam ‘ah, no meu tempo...'. No meu tempo era pior! Pior pra mim? Não, para mim sempre foi mais ou menos bom, não foi muito mau não.
Mas tem que olhar é para o povo, para a maioria era pior, hoje melhorou. Tem mais condições, tem instituições que atendem aos que necessitam, é importante ter. Tem trabalho, é muito importante ter trabalho, tem uma economia que cresce.
Tem gente marginalizada, eu sei, e você tem que evitar que isso ocorra. Ainda se tem muito o que fazer, e vai ter sempre o que fazer. Mas eu acho que você tem que ter vigor, tem que ter vontade de querer duvidar do que acontece, necessitar coisa melhor, propor coisa melhor, enfim, tentar viver. Viver não é fácil, mas é gostoso. Eu prefiro estar vivo que estar morto.