Um documento elaborado pelo Exército Brasileiro e enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada evidencia mais um entrave na disputa por territórios de 13 municípios na Serra da Ibiapaba entre Ceará e Piauí.
O ofício ao qual o Diário do Nordeste teve acesso, informa que, por questões de regras orçamentárias, os militares não tiverem acesso aos R$ 6,9 milhões pegos pelo Governo do Piauí para realização da perícia territorial entre os dois estados, o que atrasa a definição sobre o litígio que se arrasta há mais de um século.
Desde o ano passado havia a expectativa de que a nova perícia ocorresse no primeiro semestre de 2022. O recurso havia sido pago pelo Governo do Piauí para que o trabalho fosse iniciado, mas a última atualização do caso indica que o impasse continua.
No total, são quase 245 mil famílias que estão nas áreas de litígio.
Além do território e da população afetada, equipamentos públicos, áreas de produção, estradas e até mesmo recursos hídricos podem ser perdidos pelo Ceará.
A disputa secular ganhou contornos jurídicos em 2011, quando o Estado do Piauí recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre o impasse.
Informe ao STF
No último dia 19 de abril, um ofício assinado pelo general de divisão, Pedro Paulo Canazio, informou à ministra Cármen Lúcia, relatora do caso no STF, que o acesso dos militares ao dinheiro havia sido barrado por não ter sido integrado ao orçamento de 2022 do Governo Federal.
Por se tratar de um crédito adicional a ser transferido da conta do Tesouro da União para o Exército, a autorização da transação foi submetida à Secretaria de Orçamento Fiscal (SOF), e posteriormente barrada na Junta de Execução Orçamentária (JEO), ainda no ano passado.
De acordo com o documento enviado para informar o STF, a JEO decidiu “não acatar a solicitação de crédito adicional, haja visto o cenário vigente, restritivo para o comprometimento de novas despesas, e a necessidade de cumprimentos das regras fiscais impostas, em especial o Teto de Gastos”.
Procurado pela reportagem, o Exército informou que vai transferir recursos de outras atividades para viabilizar a execução da perícia.
As atividades preliminares da perícia iniciaram ainda em julho de 2019. Sem acesso ao recurso para iniciar de fato as medições territoriais, atualmente os técnicos responsáveis “estão submetendo para análise jurídica o processo licitatório de aquisição de insumos de sensoriamento remoto para a execução dos trabalhos”, informou a assessoria do Exército.
O próximo passo no âmbito judicial será quando a ministra Cármen Lúcia se manifestar em novo despacho, sem data prevista para ocorrer.
Mobilização no Ceará
A Assembleia Legislativa do Ceará tem feito mobilizações para ressaltar que o debate vai além do espaço territorial e abrange também a identidade cultural dos moradores desses municípios, além dos investimentos do Estado nas regiões.
Audiências públicas estão ocorrendo para discutir o litígio em todos os municípios afetados pela disputa territorial entre os dois estados. A iniciativa é da deputada Augusta Brito (PT), que preside o Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais da Casa.
Já foram realizads audiências em Carnaubal, Tianguá, São Benedito e Crateús. Na próxima reunião, em Poranga, os membros da comissão planejam abordar o último encaminhamento do Exército.
No dia 18 e novembro, os 46 deputados estaduais do Ceará assinaram carta em defesa da integridade do território cearense. O documento, intitulado "Somos Todos Cearenses", foi anunciado durante sessão itinerante da Assembleia no município de São Benedito – um dos que podem ser atingidos pelo litígio.
Histórico
O Piauí, como prova de que teria o direito sobre a área, usa documento assinado por Dom Pedro II, em 1880, que afirmaria que a região Ibiapaba pertence ao estado vizinho.
O Governo do Ceará, por sua vez, se baseia nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Pelo menos 13 municípios cearenses fazem parte da área de litígio – a maior parte localizada na região da Serra da Ibiapaba.
O número pode subir para 14 caso o Supremo aceite a perícia preliminar realizada pelo Exército brasileiro – que aumentou a área de disputa entre os dois estados.
A área afetada compreende cerca de 3 mil km², 1,9% do território cearense, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).