Como se comporta o eleitorado religioso nas eleições de 2022 no Ceará, conforme pesquisa Ipec

O levantamento, encomendado pela TV Verdes Mares, é feito pelo Ipec, criado por ex-executivos do Ibope Inteligência que encerrou as suas atividades

Fatia do eleitorado que teve papel significativo na vitória do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018, os religiosos voltam a atrair olhares atentos das campanhas eleitorais neste ano. Com um pleito polarizado nacionalmente e, no Ceará, disputado voto a voto, a primeira pesquisa Ipec realizada no Estado mediu como está o comportamento desses brasileiros que irão às urnas neste ano.

O levantamento, encomendado pela TV Verdes Mares, indica um cenário semelhante ao registrado em 2018, quando o eleitorado religioso, especialmente evangélico, esteve ao lado de nomes que faziam oposição à esquerda. Conforme a pesquisa, no Ceará, o candidato Capitão Wagner (União Brasil) é quem recebe o maior apoio desse segmento do eleitorado.

Na pesquisa estimulada, quando o nome dos candidatos é apresentado aos eleitores entrevistados, 47% das pessoas ouvidas manifestaram apoio ao candidato do União Brasil. Entre católicos, esse apoio é mais enxuto, ficando em 28%. 

Roberto Cláudio (PDT) recebe um apoio menor dos religiosos, porém, há um maior equilíbrio. Conforme o levantamento, 29% dos eleitores católicos estão com o pedetista, já os evangélicos representam 26%.

Em terceiro lugar geral na pesquisa, Elmano de Freitas (PT) tem apoio de apenas 10% do eleitorado evangélico, além de 21% dos católicos. 

A pesquisa foi realizada entre os dias 29 e 31 de agosto pelo instituto Ipec Inteligência e está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob número BR-05276/2022 e no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) sob protocolo CE-08708/2022. O nível de confiança estimado é de 95%. Ao todo, foram ouvidos 1.200 eleitores, de forma presencial, de 56 municípios cearenses. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Cristianismo e a direta no Brasil

Para cientistas sociais que pesquisam a relação entre política e religião, o “voto evangélico” tornou-se estratégico pelo poder de influência de lideranças religiosas, além da capilaridade desses grupos em áreas com grande volume de eleitores. 

“Você tem ali o pastor como uma figura carismática que contribui com esse fenômeno, contribui com essa questão da conquista mesmo de votos. Ele é um emissor de ideias, uma figura de destaque e todo o rebanho acaba acompanhando e se alinhando ao que o pastor indica”
Jonael Pontes
Sociólogo

Diante dessa conjuntura, Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), acrescenta que há um alinhamento natural entre pautas da direita e segmentos religiosos conservadores. 

“Sobretudo do cristianismo em oposição às políticas progressistas que foram implementadas nos últimos anos relacionadas a gênero, mulher, população LGBTQIA+, aborto, descriminalização de drogas e novos arranjos familiares”, lista.

“A oposição a essas questões foi implementada durante os governos do PT e, a seu modo, cada uma foi lida por esses grupos como uma afronta a valores tradicionais”
Emanuel Freitas
Professor de Teoria Política da Uece

Jonael Pontes indica ainda que, em igrejas neopentecostais, há um “terreno fértil” para que essas ideias mais conservadoras “encontrem um fluxo sem impedimentos”. 

“Há uma combinação de variáveis para esse fenômeno, mas, sobretudo, a esquerda deixou um vácuo no trabalho de base nas comunidades (...) E uma igreja pode virar uma sucursal de um partido em uma comunidade, isso é importante, é um espaço físico que agrega pessoas, espalha bandeiras, ideias, e coopta votos”, avalia.

Evangélicos com Capitão Wagner

No Ceará, conforme a primeira pesquisa Ipec, chama atenção a força do candidato Capitão Wagner no eleitorado evangélico. O político recebe apoio de 47% desse grupo. 

“Quando olhamos para a trajetória política do Wagner, vemos que, desde 2016, ele recebe apoio desse segmento. Lembro que tinha apoio da (deputada estadual) Dra. Silvana, representando os evangélicos, e do (deputado estadual) Carlos Matos, dos católicos, quando ele disputou a Prefeitura de Fortaleza”, aponta Emanuel Freitas.

“Em 2020, esse segmento o ungiu como seu candidato (...) Então, ele chega em 2022 com a certeza de que esse eleitorado é seu. Por hora, ele tem pouco explorado esse apoio porque sabe que não precisa conquistá-lo. A batalha para essa conquista é dos outros candidatos, não dele”, complementa Freitas.

Wagner, no entanto, tem feito acenos na campanha para se manter próximo ao segmento religioso. Nas propostas de governo, ele estabelece, entre as ações prioritárias, “implantar governança participativa e transparente, gerindo o Estado com foco em resultados, em sintonia”, inclusive, com “instituições religiosas”.

Em outro trecho, o político ainda elenca como prioridade estruturar novos pólos, rotas e destinos, “a exemplo do Turismo Religioso”. Para além das propostas no papel, o político tem feito movimentos ainda mais incisivos em seus discursos.

Ao lançar a candidatura, no mês passado, o político disse que “a maior parceira" de um eventual Governo Wagner será “a igreja”.

“Critique quem quiser criticar, é a instituição que mais distribui cesta básica, recupera usuário de drogas, tira pessoas do mundo do crime… A maior parceira do meu governo vai ser a igreja, ache ruim quem quiser achar”
Capitão Wagner (União)
Candidato ao Governo do Ceará

Outra proposta já anunciada pelo político é uma que prevê aproveitar espaços ociosos de instituições religiosas para serem usados na educação, com a implantação de cursos profissionalizantes e creches. 

De olho no eleitorado evangélico

Por outro lado, os dois principais adversários de Wagner encontram maior resistência nesse mesmo segmento. Roberto Cláudio recebe apoio de 26% dessa fatia dos eleitores, enquanto Elmano de Freitas tem apenas 10%.

Para o professor e pesquisador Emanuel Freitas, além da tendência de alinhamento desse eleitorado com candidatos de oposição à esquerda, os postulantes do PT e do PDT para o Governo do Ceará têm ainda outros obstáculos.

20%
do eleitorado brasileiro em 2018 era evangélico

“São problemas que podem vir a ser explorados. Elmano, por exemplo, foi autor, com a bancada do PT, de um projeto que tratava sobre crime por intolerância religiosa. Essa proposta fez muito barulho na Assembleia e foi polemizada pelos evangélicos, considerado como uma perseguição aos cristãos”, aponta.

“Já Roberto Cláudio tem essa ‘pendenga’ por conta dos momentos da pandemia, isso foi muito explorado durante o ano de 2020, quando acusavam o PDT de perseguição aos cristãos”, acrescenta Freitas.

Em suas propostas de governo registradas na Justiça Eleitoral, o pedetista cita entre as “diretrizes centrais” a intenção de “fortalecer as identidades e diversidades sociais, culturais e religiosas”, caso seja eleito.

Propostas aos religiosos

Questionado pelo Diário do Nordeste se tem propostas específicas para esse eleitorado, Roberto Cláudio disse respeitar todas as religiões. 

“Tenho minha religião, respeito todas as religiões e vamos zelar pelas liberdades religiosas para todos. Nosso governo poderá sim trabalhar com as igrejas naquilo que a nossa Constituição permite: para colaborar com projetos sociais. Mas o papel mais importante do estado é diretamente prestar serviços e promover políticas públicas que gerem desenvolvimento, oportunidades e mais justiça a todos e todas, indistintamente”
Roberto Cláudio (PDT)
Candidato ao Governo do Ceará

Já no caso de Elmano, não há citações entre propostas de governo ao setor religioso. Ao Diário do Nordeste, ele ressaltou “a importância da garantia constitucional do respeito a todas as religiões”.

“Meu governo terá a postura de assegurar a liberdade de crenças e de cultos. Vamos continuar apoiando eventos religiosos na Capital e no Interior. Isto é muito importante para a fé do nosso povo. Quero ainda estimular cada vez mais os trabalhos sociais que as igrejas desenvolvem junto às suas comunidades”
Elmano de Freitas (PT)
Candidato ao Governo do Ceará

“É inegável que muitos desses projetos dão apoio às famílias mais vulneráveis. Por isso, estimular essas ações irá amplificar o acesso à cidadania e à justiça social”, declarou o petista.

Conquista do eleitorado evangélico

Para o sociólogo Jonael Pontes, caso os postulantes do PDT e do PT estabeleçam com meta reduzir a desvantagem neste segmento em relação a Capitão Wagner, será necessário um “trabalho de base aprofundado e incisivo”. 

“É preciso realmente entrar em contato com essas pessoas, apresentar bandeiras, plano de governo, mostrar o lugar que essas pessoas terão em um governo de esquerda”, aponta.

“O grande desafio é vencer a desinformação de que 'os candidatos de esquerda vão fechar igrejas' e 'não toleram liberdade de credo': sandices e devaneios que a própria direita usa como arma. É preciso haver diálogo da esquerda com as lideranças evangélicas”, diz o sociólogo.

Para Pontes, esses candidatos podem visitar comunidades e estabelecer canais de diálogo com lideranças evangélicas, “Por mais que discordem, essas lideranças estão abertas ao diálogo. Política é diálogo e negociação, mas, para isso, é preciso haver uma aproximação dos atores, sobretudo das lideranças”, conclui.

Lula, Bolsonaro ou Ciro?

Quatro anos após ser eleito com apoio massivo dessa fatia do eleitorado, o atual presidente Jair Bolsonaro segue com apelo entre evangélicos. Conforme a pesquisa Ipec para o pleito deste ano, o político recebe apoio de 36% daqueles que vão às urnas no Ceará em outubro. Entre católicos, 13%.

Líder nas pesquisas, o ex-presidente Lula tem a preferência de 65% dos católicos cearenses, enquanto recebe apoio de 43% dos evangélicos. Em terceiro lugar, Ciro tem 14% dos católicos e 12% dos evangélicos eleitores do Estado. 

No caso de Bolsonaro, os movimentos do presidente – e de seus aliados mais próximos – em direção ao eleitorado evangélico não são recentes. Antes de se candidatar oficialmente, ele já defendia valores alinhados ao que é pregado entre grupos evangélicos hegemônicos. 

Ele ainda indicou André Mendonça, um ministro “terrivelmente evangélico”, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme levantamento feito pelo Diário do Nordeste, “eventos religiosos” estão entre os principais motivos das viagens do presidente pelo Brasil desde que tomou posse. 

Acenos de Lula e Ciro

Lula e Ciro, candidatos do PT e do PDT, respectivamente, têm feito acenos ao eleitorado evangélico desde a pré-campanha. O petista passou a ter encontros constantes com lideranças religiosas. 

A campanha do PT também criou contas em redes sociais direcionadas ao setor evangélico. Entre os perfis registrados na Justiça Eleitoral, estão o “Restitui Brasil” e o “Evangélicos Com Lula”.

No caso do PDT, Ciro Gomes, em vídeo divulgado nas redes sociais, defendeu que a Bíblia e a Constituição não são livros conflitantes. Empunhando as duas obras, ele ressaltou a laicidade do estado, mas ressaltou que o Brasil nasceu a partir do cristianismo.