O reajuste do piso salarial dos profissionais do magistério em 33,24%, autorizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), tem sido motivo de preocupação de prefeitos cearenses e entidades municipalistas. O principal receio é o de que o aumento das despesas ocasionada pelo novo piso não seja acompanhado por um incremento nos repasses federais aos Municípios.
Um dos motivos é o fato de, em muitas prefeituras, apenas os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) não serem suficientes para cobrir os novos gastos com a folha de pagamento. Além disso, existe a preocupação em obedecer às limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal para pagamento de pessoal.
O presidente Bolsonaro anunciou, na última quarta-feira (26), o reajuste do piso salarial para professores e professoras. Segundo a publicação, este é o "maior aumento já concedido pelo governo federal desde o surgimento da Lei do Piso".
Entidades municipalistas têm realizado reuniões com prefeitos, tanto a nível estadual como a nível federal, desde que o anúncio foi feito. Também devem ser realizados encontros com o Ministério da Educação para tentar articular incremento nos recursos para garantir o pagamento do novo piso salarial.
Insuficiência das receitas municipais
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), o impacto para as prefeituras brasileiras deve ser de R$ 30,4 bilhões. Com isso, a estimativa da instituição é de que 90% dos recursos do Fundeb sejam utilizados para cobrir gastos com pessoal, “colocando os entes locais em uma difícil situação fiscal e inviabilizando a gestão da educação no Brasil”, diz a nota da CNM.
Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Nordeste, Alessio Costa, afirma que um dos maiores problemas da atualização do piso salarial do magistério - regulamentado pela Lei do Piso, de 2008 - é a oscilação dos percentuais do ajuste.
Segundo essa legislação, desde 2010, o piso do magistério tem que ser reajustado de acordo com o crescimento percentual do valor aluno ano do ensino fundamental urbano (atual VAAF) dos dois anos anteriores, observando-se as últimas portarias do custo aluno de cada ano.
"O mecanismo acaba comprometendo a capacidade de planejamento das redes de ensino municipal e estadual. Não dá para fazer um planejamento de médio e longo prazo por conta da oscilação. Cada ano, ninguém sabe o que vai acontecer", explica Costa, que é também secretário de Educação de Ibaretama.
Ele afirma que é necessária sim a "valorização desses profissionais" com atualizações salariais que "agreguem ganhos reais, para além da reposição da inflação". Contudo, é importante também que estas sejam "atualizações sustentáveis", ressalta.
"Tem que ser exequível. Tenho receios que essa correção, sem previsibilidade, venha a comprometer as próprias carreiras dos profissionais do magistério, porque pode se tornar algo inviável, porque foge do planejamento do gestor responsável pela aplicação do piso", explica Alessio Costa.
Segundo a CNM, o piso do magistério "cresceu 204% entre 2009 e 2021", o que superou o crescimento, por exemplo, do Fundeb - de 143%. "O impacto é enorme e prejudica diretamente os investimentos em educação no país, na medida em que grande parte dos repasses para a Educação estão sendo gastos com folha de pagamento", explica.
Readequação do planejamento municipal
Prefeito de Ubajara, Renê Almeida afirma que o reajuste do magistério não irá impactar os cofres municipais e sim os recursos do Fundeb do município. "O reajuste já é previsto nas nossas contas do Fundeb, porque nossa folha de pagamento é muito controlada", diz.
Segundo o gestor, os recursos que "sobraram" do Fundeb e foram distribuídos para os docentes da rede municipal em forma de abono salarial devem agora ser usados para o pagamento do piso salarial. "Agora com o reajuste não vai ter sobra, mas o professor vai receber no salário", completa.
Contudo, este não é o caso de todas as prefeituras cearenses. Em Cedro, a Prefeitura também concedeu abono salarial para professores com o rateio dos recursos do Fundeb. Contudo, segundo o prefeito da cidade, João Diniz, o valor não é suficiente para cobrir o reajuste autorizado pelo governo federal.
"Nós temos o interesse de discutir com a classe para viabilizar esse trabalho relacionado a valorização dos profissionais do magistério", garante o gestor. "(Mas) A gente precisa ter certeza do repasse para viabilizar o reajuste", completa.
Segundo ele, é necessário um incremento dos repasses federais para que "ter certeza que as receitas vão acompanhar essa elevação na folha de pagamento". "Se tiver reajuste, mas não tiver incremento, os municípios terão sérias dificuldades para cumprir esse aumento".
Prefeito de Guaraciaba do Norte, Dr. Adail Machado afirma que outra preocupação é o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita o gasto com pessoal das gestões municipais em 60% da receita corrente líquida.
"O problema não é o salário dos professores. Se pudesse, a gente pagava até mais. Mas os recursos que virão não serão suficientes para pagar as folhas e fazer investimentos necessários".
Cumprimento do novo piso salarial
Adail Machado afirma que está à espera das articulações de entidades como a CNM em Brasília na viabilização de mais recursos federais para os municípios. Enquanto isso, no entanto, já tem se reunido com os técnicos da Prefeitura de Guaraciaba do Norte para fazer as adequações. "Lei tem que ser cumprida. (...) A gente fez o dever de casa do ponto de vista fiscal e financeiro", destaca.
Outras prefeituras também já se movimentam para cumprir a determinação federal. Ainda na quinta-feira (27), o prefeito José Sarto anunciou que enviará à Câmara Municipal, que retoma as atividades na próxima semana, projeto que acrescenta 22,24% de reajuste salarial para os professores. O percentual será somado ao reajuste de 11% aprovado no final de 2021, totalizando o montante definido pelo Governo Federal, de 33,24%.
Em Maracanaú, o prefeito Roberto Pessoa (PSDB) disse que deverá ser marcada, nos próximos dias, reunião com o sindicato dos professores do Município e as secretarias da Educação e das Finanças para dialogar sobre o percentual de reajuste.
Atualmente, o piso inicial dos profissionais da área é de cerca de R$ 2.939, em jornada de 40 horas semanais, segundo o secretário da Educação de Maracanaú, George Valentim.
O reajuste a ser definido, conforme a Prefeitura, terá o percentual necessário para que se chegue à nova média nacional, de R$ 3.845, conforme também às expectativas de repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Ajustes de acordo com a realidade local
Presidente da Undime Nordeste, Alessio Costa lembra que o reajuste de 33,24% é uma atualização do piso salarial nacional, com impacto de nenhum profissional do magistério poder ter salário inferior a este.
Contudo, apesar de repercutir em todos os vencimentos do plano de carreira dos professores, os reajustes devem ser concedidos de acordo com "a situação local", não sendo "necessariamente o índice que vai ser aplicado a todos os municípios e estados brasileiros".
Ele explica que, por exemplo, muitas cidades e estados já possuem um salário para o magistério superior ao piso salarial, logo o ajuste deve ser menor. Estes casos são mais comuns, segundo Costa, nas redes estaduais de ensino.
Durante inauguração do Centro Integrado Multifuncional (CIM) do Corpo de Bombeiros, na manhã desta sexta-feira (28), o governador Camilo Santana (PT) afirmou que o Estado "sempre cumprirá e honrará todos os reajustes dos seus professores estaduais".
"O que eu faço todas as vezes é pedir para que minha equipe, com muita responsabilidade, faça todas as análises de impacto financeiro, porque o Ceará hoje é um exemplo de equilíbrio fiscal e o estado que mais faz investimento na educação pública e reconhece a melhor carreira dos seus professores", detalhou o governador.