Cinco pontos para entender a queda de braço no PDT do Ceará pós-crise de 2022

O partido se reuniu na última quinta-feira (23) em Fortaleza. Encontro, que já sinalizou uma “melhora” na relação, segundo Cid Gomes, também deixou claro que “mágoas ainda persistem”, segundo José Sarto

Há cerca de um ano, o PDT Ceará dava sinais de ser a legenda que chegaria com mais força para as eleições do fim daquele ano no Estado. Passado o pleito, a sigla atualmente tenta se reconstruir internamente após uma derrota já no primeiro turno, com a aliança histórica com o PT quebrada antes mesmo da campanha e com os próprios integrantes do partido travando quedas de braço até por “questões miúdas”, como definiu a principal liderança da sigla, o senador Cid Gomes (PDT).

Na noite da última quinta-feira (23), a cúpula da sigla no Estado convocou a executiva estadual e os mandatários do partido na Câmara de Fortaleza, na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O encontro, que já sinalizou uma “melhora” na relação entre os correligionários, segundo Cid Gomes, também deixou claro que “mágoas ainda persistem”, segundo o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT).

O cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta que os interesses dos pedetistas cearenses, mesmo após as eleições, seguem "muito divergentes".

"São grupos com demandas e objetivos bem distintos e de difícil conciliação, tem o grupo do prefeito Sarto, que está basicamente buscando a reeleição, e o grupo mais ligado ao PT, liderado pelo presidente da Alece, Evandro Leitão, que é um grupo que está querendo se aproximar do Governo"
Cleyton Monte
Cientista político, pesquisador e professor universitário

Liderança de Cid Gomes e de André Figueiredo

O encontro, realizado na sede do PDT Ceará, indicou um retorno de Cid Gomes ao posto de principal articulador do grupo político. Ele, que disse ter se imposto “um sacrifício no processo eleitoral em função das decisões que foram tomadas”, voltou a defender uma unificação entre os petistas e um apoio do partido ao Governo Elmano de Freitas (PT). De acordo com o ex-governador, o partido tem que "virar a página" após o resultado das urnas.

"A estratégia foi claramente, as urnas mostraram isso, equivocada, mas infelizmente algumas pessoas não admitem o erro e querem continuar alimentando uma divergência que não é característica do PDT"
Cid Gomes (PDT)
Senador

No ano passado, em plena pré-campanha e campanha, o senador ficou meses recluso, evitando ligações e conversas com aliados após o PDT decidir lançar Roberto Cláudio — e não a então governadora Izolda Cela — como candidato ao Governo do Estado. O pedetista ainda avaliou o encontro da última semana como uma “melhora” na relação. 

Para Cleyton Monte, a influência do senador sobre todos os aliados pode ter chegado a um ponto irreversível.

"Acho muito difícil Cid ocupar essa liderança dentro do partido, até mesmo porque ele já tentou em outros momentos após a eleição e até agora não conseguiu. A tendência é que a maior parte do PDT siga com o governador Elmano de Freitas, mas vai ter uma parte que vai seguir por outro lado, até por uma questão de sobrevivência, você não tem como alojar todo mundo num mesmo espaço, ainda mais grupos que têm os mesmos interesses", avalia.

Ao lado de Cid na mesa de discussão, estava o presidente estadual e nacional do partido, André Figueiredo (PDT). Também adotando um tom pacificador, o parlamentar tem evitado tomar lado no impasse interno.

“Não temos como controlar os ânimos que às vezes se acirram, mas todos somos maduros para compreender que o PDT é o nosso partido e que temos que construir, em conjunto, caminhos para o PDT no Ceará”, declarou. Contradizendo Cid, Figueiredo tem ressaltado que a relação entre a legenda e o governador Elmano de Freitas não está em pauta.

“Isso não está pautado, é muito mais discussões de espaços na Assembleia (...) o PDT tem maturidade suficiente para saber que tem posições defendendo uma coisa e defendendo outra, temos maturidade para permanecermos unidos, mesmo tendo posições internas que divergem”
André Figueiredo (PDT)
Presidente nacional e estadual do PDT

Reação da ala ligada a Roberto Cláudio

Do outro lado da sigla, mesmo também adotando tom ameno, o ex-prefeito Roberto Cláudio segue na defesa de que o partido faça oposição ao governador Elmano de Freitas. Buscando se consolidar como uma voz opositora ao governador dentro do PDT, Roberto Cláudio critica o "adesismo automático" ao governo petista e diz que a legenda acerta quando, nesse momento, adota uma postura de independência porque "preserva" os seus membros. 

"Continuo defendendo o papel construtivo do PDT de fazer uma oposição qualificada ao governo do Elmano. Entendendo que há fissuras e cicatrizes da última eleição para serem curadas, mas a liberdade do partido é importante para o Ceará e para o próprio governo", disse o ex-mandatário em entrevista ao colunista de Política do Diário do Nordeste, Wagner Mendes.

Após a eleição, o ex-candidato viu sua ala dentro do PT diminuir, com prefeitos aliados e mesmo deputados reforçando a base de apoio do governador. Na Assembleia do Ceará, por exemplo, dos cinco nomes que defenderam a candidatura do ex-prefeito ao Governo, apenas três têm tomado posições contrárias em algumas matérias à base governista: Queiroz Filho, Antônio Henrique e Cláudio Pinho.

Petistas ligados a esse grupo não demonstraram disposição em reaver a postura de oposição. “Cid voltou agora querendo impor a posição dele, não tem como, não tem como desconsiderar os três deputados estaduais, não tem como unificar o partido fazendo isso que estão fazendo com o Roberto (Cláudio), diminuindo a força dele dentro do PDT”, criticou um parlamentar após o encontro.

“Disputas miúdas”

Um dos principais impasses que atualmente ronda o PDT Ceará é a definição da vice-liderança do partido na Alece.Três nomes disputam o cargo, dois mais ligados a Cid e um de aliado do ex-prefeito Roberto Cláudio. Segundo parlamentares presentes na reunião, essa discussão provocou novos embates entre as lideranças.

O cerne do debate envolve mais que questões “aritméticas”: é um retrato de como o grupo ligado ao ex-mandatário é minoritário no partido, o que tem sido ressaltado por Cid. 

“O partido tem, em sua bancada na Assembleia, a seguinte aritmética: são 13 deputados, sendo dez da base do governo e três não. O PDT teve alguns deputados que já voltaram no Elmano no primeiro turno, outra parte votou no Roberto Cláudio, então como houve a migração de algumas pessoas, de uma parte que votou no Roberto Cláudio que já migrou, então hoje a aritmética é essa: dez a três”, pontuou.

Ainda assim, para Cid, esse impasse envolvendo a vice-liderança é uma “discussão miúda”.

“Querem continuar uma divergência que não é a característica do PDT. O PDT tem uma postura, por sua maioria, de cumplicidade — no bom sentido — com esse projeto. A gente acha que esse projeto é o mesmo, o Elmano tem dado sinais de que mantém o mesmo projeto que o Camilo liderou e que eu liderei há um tempo atrás, então por que vamos divergir? Por uma questão pessoal, de fígado? Temos que ser coerentes”
Cid Gomes (PDT)
Senador

Eleição 2024: um teste para Sarto

Outro nome que tem acompanhado com atenção os rumos do PDT é o prefeito de Fortaleza José Sarto. Depois de Roberto Cláudio, o mandatário é o próximo que deve ter a força testada internamente na sigla. O político pode disputar a reeleição na Capital, mas tem encontrado um cenário bem mais desfavorável que seus antecessores, enfrentando resistência no próprio partido.

“Quero lhes dizer que eu me sinto o único, vamos dizer assim, a vítima dessa história, porque logo quando eu sou prefeito resolvem brigar, gente, que coisa, hein?”
José Sarto (PDT)
Prefeito de Fortaleza

O chefe do Executivo municipal tem adotado uma postura mais cautelosa em relação às definições da sigla sobre uma reaproximação com o PT. Na base municipal, o pedetista já tem sentido os efeitos das divisões internas do partido. Desde o fim do ano passado, o prefeito já viu parte da base se voltar contra ele no debate sobre a Taxa do Lixo, inclusive com dois pedetistas, os vereadores Júlio Brizzi (PDT) e Enfermeira Ana Paula (PDT), o criticando diretamente. 

"Sarto não vai abrir mão dessa tentativa de reeleição e o governador não vai abrir mão de ter um candidato em Fortaleza. Então, para o PDT, acho que o natural é haver uma migração, não que vá todo mundo para o PT, mas há partidos-satélites que podem abrigar”, aponta o cientista político Cleyton Monte.

Para a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres, diversos fatores sinalizam para que tanto Sarto quanto outros integrantes do PDT acendam um sinal de alerta.

“O prefeito obviamente quer ser candidato, quer se reeleger, isso é um um aspecto importantíssimo (...) Outro aspecto é a força que ele tem que ter de montar uma coalizão forte, que consiga fortalecer o projeto”, aponta.

“Não tendo como haver um consenso nem na Assembleia sobre o apoio ao Governo, isso já gera um desgaste tremendo dentro do partido e pode implicar em uma indisposição de atuarem pró-Sarto em uma eventual candidatura”, acrescenta. 

Para Torres, soma-se a isso o fato de Fortaleza ser um “bunker da oposição”, que tem tido bons desempenhos na Capital. 

“Fortaleza será disputada até por conta dos impactos lá em 2026. Se Roberto Cláudio foi derrotado agora, com certeza o PDT quer retomar seu lugar de destaque, então precisa se fortalecer na Capital. Acho possível até que cogitem outro nome — mesmo o Sarto sendo o candidato natural — sob pretexto de fortalecer o grupo”
Monalisa Torres
Professora universitária e pesquisadora

Ofensiva aos prefeitos

Internamente, o futuro político do prefeito da Capital não tem sido a única preocupação no PDT. Desde o pleito do ano passado, em meio ao rompimento da aliança com o PT, mais de dez mandatários municipais deixaram o partido para apoiar a candidatura de Elmano de Freitas.

Já neste ano alguns prefeitos que seguem no partido têm indicado a intenção de sair, sendo alvos de ofensivas de petistas para que se filiem à sigla. Com essa migração, integrantes do PDT já avaliam que a legenda pode deixar de ter a maior quantidade de prefeitos no Estado, perdendo o posto para o PT.

Segundo Monalisa, uma eventual debandada de prefeitos pode ser um marco no enfraquecimento do PDT no Ceará. “Os prefeitos é que estão na ponta levando saneamento, eletricidade, posto de saúde, enfim, então eles são o elo dos eleitores com essas lideranças políticas”, ressalta. Por isso, de acordo com a professora, há uma tendência que esses mandatários migrem para o partido governista. 

“Dada a precariedade dos recursos, com a receita dos municípios dependente do poder público estadual e federal, dos repasses de emendas, então estar do lado de quem está no poder é vantajoso para os prefeitos. É um cálculo extremamente pragmático: ‘eu estou do lado de quem tem acesso ao poder e aos recursos, consigo votos pra eles e assim a gente vai mantendo essa relação muito proveitosa para todo mundo’”
Monalisa Torres
Professora de Teoria Política e pesquisadora