'Amnésia eleitoral': por que 6 em cada 10 cearenses esquecem o voto para deputado e senador

Pesquisa do Instituto Opnus indica que 58% dos eleitores cearenses não recordam votos distribuídos no pleito de 2018 para os cargos legislativos

Antes mesmo de senadores, deputados, governadores e presidentes encerrarem seus mandatos, um mal atinge a maioria dos cidadãos responsáveis por eleger esses mandatários: a “amnésia eleitoral”. Essa constatação foi reforçada, ao menos no Ceará, em pesquisa realizada entre os últimos dias 9 e 14 de fevereiro. O levantamento mostrou que 6 em cada 10 cearenses não se lembram dos votos que deram para eleger parlamentares no Estado.

A pesquisa, realizada pelo Instituto Opnus, entrevistou de forma presencial domiciliar 2,2 mil pessoas em 101 municípios cearenses. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, já o intervalo de confiança é de 95%. 

Ao todo, 58% das pessoas entrevistadas não recordaram dos votos distribuídos no pleito de 2018 para os cargos legislativos – que incluem senadores, deputados federais e estaduais.

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“Nem sei onde acontecem as reuniões”

É o caso do segurança Clézio Lopes (61). Mesmo dizendo que prioriza escolher candidatos de esquerda, ele não consegue lembrar as escolhas feitas há menos de três anos. “Presidente eu lembro, votei no Ciro (Gomes, PDT), mas para deputado… Foi em um cara, não sei se foi no Renato Roseno ou no Heitor (Férrer)”, afirma. 

O motorista Ítalo Ferreira (27) fez escolhas diferentes para o Executivo, mas, ao tentar lembrar dos votos para o Legislativo, enfrenta a mesma dificuldade de Clézio. “Lembro que votei no (Jair) Bolsonaro e anulei para governador, mas não consigo lembrar dos deputados”, afirma. 

Para o motorista, a culpa desse esquecimento é dos próprios parlamentares. “Eles só aparecem mesmo no tempo de campanha para pedir o voto, eu não sei nem onde fica o local que acontecem as reuniões", admite. 

Um problema histórico

Para o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), os motivos que levam a esse esquecimento são históricos e variados. 

“O primeiro deles é que, no geral, os partidos políticos no Brasil são fracos, eles não criam uma identificação com a população, mas, além disso, tem o formato das propagandas eleitorais, a oferta grande de candidatos e o próprio sistema de votação proporcional no Brasil, tudo isso gera essa crise de representatividade”, lista.

O pesquisador ressalta ainda que o Legislativo é visto com maior desconfiança pela população. “É um poder muito associado à corrupção, então as pessoas se sentem desestimuladas a acompanhar essa atuação parlamentar”, acrescenta. 

Quem lembra mais?

Conforme a pesquisa, uma das maiores diferenças entre os segmentos daqueles que sofrem com "amnésia eleitoral" está na escolaridade. Eleitores com ensino superior conseguem lembrar com mais frequência dos votos que deram se comparado aos menos escolarizados. 

Percentualmente, 57% da população diz se lembrar de ao menos um voto dado para a eleição parlamentar há pouco mais de três anos. Entre a fatia do eleitorado que tem até o ensino fundamental, esse índice cai. Só 35% desse grupo lembra das escolhas na urna. 

A diferença também é discrepante em dois outros segmentos: por gênero e por faixa etária. De cada 10 homens, cinco disseram lembrar em quem votaram para deputado ou senador. Já entre as mulheres, o voto dado em 2018 parece ter sido menos marcante. Entre as entrevistadas, só 34% responderam que lembram de ao menos uma escolha nas urnas. 

No caso da faixa etária, os mais jovens são mais “esquecidos”. Nos grupos que incluem eleitores de 16 a 24 anos, mais de 60% da população não se lembra em quem votou.

Educação eleitoral

De acordo com Monalisa Soares, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), todo esse distanciamento do eleitor com seus representantes é preocupante e em nada contribui para melhorar o ambiente político nacional.

“Esse é um fenômeno grave e a gente precisa atingi-lo em duas dimensões: na educação, do ponto de vista geral, porque ela contribui para o entendimento da política, mas também na informação do que é o sistema político e como ele afeta a vida das pessoas, no Executivo e Legislativo. O eleitor que não sabe em quem ele votou não pode acompanhar o que esses políticos fazem, tanto para o bem quanto para o mal”, aponta.

Conforme apontado pela pesquisadora, a maior lembrança do voto por parte da fatia da população mais escolarizada reforça a importância da educação política

“Esse eleitorado mais escolarizado se vincula mais com esse processo político-eleitoral. Ele tem mais atenção. Não é só entender que a política se faz só nos cargos do Executivo, mas também nesse outro ambiente que é o Legislativo, que elabora as leis. Esse eleitor mais escolarizado tem mais informação de que a política se faz em vários ambientes”, conclui.

É preciso fiscalizar

Mesmo entre os eleitores que não conseguem lembrar das escolhas feitas em 2018, é praticamente unânime a opinião de que, ao mesmo tempo em que a população precisa se empenhar mais em fiscalizar seus representantes, o sistema político brasileiro precisa incentivar a educação política. 

“É preciso uma conscientização sobre a nossa responsabilidade em relação aos que estão nos representando, para que a gente possa cobrar os resultados que eles prometeram. Infelizmente, não existe uma educação para a população sobre isso”, lamenta a consultora de vendas Gláubia Gomes (51), que não consegue lembrar nem do deputado nem do senador que ajudou a eleger em 2018.

“Lembrar (em quem votei) para deputado é complicado. A gente vota, mas são poucas as pessoas que acompanham. Uma forma seria ver a TV Câmara e a TV Senado, mas acho que precisa ter uma mudança grande na sociedade para ter esse acompanhamento, ver o que estão votando, que muitas vezes é contra o povo”, opina o supervisor de vendas Raimundo Erivan (54).

Estrutura política

Para o cientista político e diretor do Instituto Opnus, Pedro Barbosa, um dos pontos que mais chamam atenção do levantamento é a diferença entre os percentuais de esquecimento de candidatos para os cargos de Executivo e Legislativo.

Para isso, Barbosa acredita que a estrutura política do País acaba contribuindo para esse cenário, inclusive na rotina das coberturas da imprensa. "Nós temos uma dependência das pessoas em relação à mídia que cobre muito mais o Executivo, e é natural que eles estejam mais em evidência", justifica o diretor.

Enquanto em um Estado, como no Ceará, há apenas um governador, são eleitos 46 deputados estaduais e 22 deputados federais. A imensidão do tamanho do parlamento nesse contexto acaba tirando o foco da cobertura individualizada para o Legislativo, salvo algumas exceções.

"Não é claro para as pessoas qual o papel do deputado federal, de um deputado estadual ou de um senador", diz Pedro Barbosa.

Outro ponto destacado pelo diretor é o fato de as mulheres aparecem com índices altos em relação ao esquecimento do candidato escolhido. Para ele, isso também é reflexo da representatividade na política atual.

Apesar de as mulheres serem maioria no contingente populacional brasileiro, essa representatividade não está cristalizada nos cargos legislativos.

"Isso não é de se surpreender. Como vamos esperar que as mulheres se sintam representadas se nem elas mesmos enxergam mulheres em cargos políticos ou em candidaturas?", questiona. 

Eleições majoritárias 

Já quando se trata da disputa majoritária – para presidente e governador –, a “amnésia eleitoral” parece perder força. A pesquisa aponta que a maioria da população lembra-se da escolha feita para comandar o Palácio da Abolição. Proporcionalmente, 58% dos eleitores recordaram do voto dado em 2018 para o Governo do Ceará.

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No caso da votação para quem iria comandar o Palácio do Planalto, 44% dos eleitores disseram que não lembravam da escolha feita na urna no 1º turno. Apesar do índice alto, na disputa majoritária, a maioria da população conseguiu ao menos recordar o voto, o que não ocorreu no pleito proporcional.

Conforme Cleyton Monte, essa proximidade maior com o Executivo é esperada ao analisar o sistema político brasileiro. “O Executivo está permanentemente presente, seja com o governador ou o presidente, que diariamente aparecem na imprensa, já o Legislativo é mais disperso”, afirma.