Em investida pré-eleitoral, Bolsonaro encontrou um Cariri de contrastes

O Juazeiro do preto de Padre Cícero se viu pintado de verde e amarelo, mas não dá para dizer que o município parou pelo presidente

Juazeiro do Norte, município famoso pelas romarias que atraem milhares de fiéis católicos, viu, na sexta-feira (13), a diversidade de cores dos devotos de Padre Cícero dar lugar ao verde e ao amarelo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Assim como em época de grandes manifestações religiosas, não foi um dia comum. Desta vez, porém, um dia também de contrastes. No lugar dos cânticos, a sexta amanheceu com o som das motos rasgando as ruas da cidade e o Hino Nacional em repeat em um carro de som. 

Juazeiro também não teve a atmosfera da movimentação gerada pela venda de estátuas, terços e outros símbolos. As mercadorias expostas nas ruas eram camisetas com o rosto do presidente. Algumas também traziam as bandeiras do Brasil e de Israel e imagens de pontos turísticos de municípios cearenses.

Não era a Praça dos Romeiros, ao lado da Igreja Matriz, que estava tomada por devotos, mas o Aeroporto, onde dezenas de apoiadores se concentraram para receber Bolsonaro e uma comitiva formada por ministros e parlamentares locais.

Outro tipo de aglomeração

No município que, devido à pandemia de Covid-19, não vê as multidões dos eventos religiosos há um bom tempo, a visita presidencial motivou uma sequência preocupante de aglomerações. 

Do Aeroporto, a euforia dos gritos e as buzinas dos carros, em comboio, seguiram o presidente até o Residencial Leandro Bezerra de Menezes, no Sítio Barro Branco. Terminada a cerimônia de entrega simbólica de quase 2,8 mil residências do Programa Casa Verde e Amarela – construídas em Juazeiro do Norte e no Crato –, Bolsonaro foi ao Horto, mas por lá, enquanto a estátua do Padre Cícero usava máscara, o item foi, na maior parte da visita, ignorado pelo presidente.

Em comum, assim como os devotos do ‘Padim’ se dedicam em busca das bênçãos do padroeiro, os apoiadores do presidente também se mobilizaram para a visita presidencial. Grupos de pessoas começaram a chegar a Juazeiro ainda na quinta para ver o presidente, vindos de outros municípios e até de outros estados. Teve quem chegasse ao Aeroporto ainda na madrugada, para tentar encontrar o melhor lugar para ver Bolsonaro.

Ares de palanque

Mas para além do paralelo com as romarias, o contraste também foi de tom no próprio evento. O que se viu foi um Bolsonaro um tanto menos estrondoso. Ele seguiu o script esperado para o discurso – ao reforçar a imagem do Governo defensor da liberdade, da família, da propriedade individual –, fez adaptações para conquistar a audiência, mas, nas entrelinhas, o palco também ganhou ares de palanque. 

O presidente verbalizou que não estava ali “em campanha”, e sim em um “ato oficial”, mas, ao cumprimentar o “velho companheiro” Capitão Wagner (Pros), que já se colocou como pré-candidato ao Governo do Estado, disse que, assim como o Brasil, o Ceará “terá um capitão”. Uma sinalização clara para 2022.

Isso sem falar na série de políticas com forte apelo popular no Nordeste listadas pelo chefe do Palácio do Planalto e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. 

Enquanto o auxiliar fez questão de resgatar que a chegada das águas da transposição do Rio São Francisco ao Ceará ocorreu no Governo Bolsonaro, o presidente destacou que, no ano passado, 68 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial. Trouxe na mala, ainda, a aposta da vez: o Programa Auxílio Brasil, proposto como continuidade ao Bolsa Família. Sem deixar de mencionar o reajuste esperado de 50% no valor do benefício social.

Expectativas

E de uma ponta a outra, o que se viu também foi o contraste de expectativas. Não dá para dizer que Juazeiro parou pelo presidente. Em frente ao Residencial visitado por Bolsonaro, um grupo de moradores, que vive da roça, até chegou a olhar a movimentação com curiosidade em dado momento do dia, mas sem aparente grande expectativa. Na véspera, não muito longe dali, duas donas de casa se queixavam, na calçada, de esquecimento do Governo Federal, da vida que “ficou mais difícil”.

Teve quem, também um dia antes, ainda nem sabia do evento. Nas ruas, quando abordados, alguns moradores até tinham a informação, mas falavam com indiferença – ou crítica – da agenda presidencial.

Já ao fim da visita, quando o presidente passou por uma das avenidas da cidade rumo ao aeroporto, o engarrafamento barulhento de carros de apoiadores, aos gritos de “É Bolsonaro!”, também contrastou com um homem em situação de rua que levantava a voz sozinho. 

No dia em que vários destacavam a entrega de residências em tom de agradecimento, ele dizia que o presidente não fazia nada por aquela população em situação de vulnerabilidade social. Decidi perguntá-lo sobre o que havia ficado da visita pelo seu olhar. Abafado pelas buzinas, respondeu: “para mim, nada”.