Na última segunda-feira (24) faleceu o YouTuber e influenciador Olavo de Carvalho, inspirador da extrema direita brasileira e autointitulado filósofo, muito embora não tenha sequer graduação na área.
Sua morte foi notícia das mais comentadas nas redes sociais por conta de, principalmente, ter morrido de insuficiência respiratória dias após o contágio pelo Covid, doença da qual negava a existência, ademais do fato de ser influente antivacina.
Alguns internautas fizeram piada e até comemoraram o seu passamento; outros, centraram críticas ao seu legado anticientífico; alguns, defenderam suas ideias e lamentaram seu falecimento.
É a razão pela qual vale responder: até onde pode ir quem critica Olavo de Carvalho?
Esfera Penal
De início, um esclarecimento: não é punível no Brasil difamação ou injúria contra gente morta - ou seja, não há previsão de punição para quem imputa fato ofensivo à reputação ou ofende a dignidade ou decoro de falecido.
Exemplo emblemático é o caso de Maitê Proença, que se referia ao falecido Marcelo Silva, ex-marido de Suzana Vieira, como “porcaria”. Proença foi absolvida por conta de inexistir previsão de punição no Código Penal (Processo 2009.051.00380 TJ RJ)
Já o parágrafo segundo do artigo 138 do Código Penal prevê que existe o delito de calúnia contra mortos - ou seja, se alguém imputar fato criminoso a alguém que já morreu poderá ser detido, a não ser que prove ser verdade.
Esfera Cível
Se os parentes do falecido se sentem ofendidos por injúria ou difamação contra o morto, podem, entretanto, buscar uma indenização pelo dano moral reflexo ou dano moral em ricochete.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, reconhece a legitimidade dos herdeiros até mesmo quando a vítima sobrevive, tendo “direito à indenização pela simples e básica circunstância de terem sido atingidos em um de seus direitos fundamentais” (Processo REsp 1734536 STJ).
Liberdade de Expressão
É necessário, entretanto, considerar que apenas um comentário ilegal gera indenização aos herdeiros, e que os comentários que estejam na esfera da legalidade estão protegidos pelo valor da liberdade de expressão.
Explico melhor. Como regra geral, pode se falar tudo de uma pessoa morta, sendo exceções aquilo que a lei proíbe.
Em apertada síntese, no Brasil é permitida a crítica de um falecido, mas o manifestante, segundo a lei brasileira, deve abster-se de caluniar (porque gera detenção e indenização), injuriar e difamar (porque gera indenização). Assim, se o fato subjacente à crítica for verdadeiro, não há qualquer punição cível ou criminal, mas se for leviano, pode haver sim.
Não pode também o comentarista publicamente fazer apologia de fato criminoso ou de autor de crime (art. 287, Código Penal) - desta feita, aqueles que criticam Olavo de Carvalho devem respeitar os fatos e evitar estimular atos ilegais de vingança.
O caso Marielle se serve a exemplo: houve aqueles que apenas criticaram moderadamente a vereadora assassinada logo após sua morte, ainda que o momento não parecesse oportuno e que as críticas fossem injustas; outros, comemoraram seu assassinato e disseminaram fakenews a seu respeito. Para os dois grupos de comentaristas, a lei tem diferente tratamento, como já exposto acima.
Aspectos Morais
Em que pese ser juridicamente possível fazer críticas que não descambem para o ilegal -, pergunta-se: é moral criticar quem morreu faz tão pouco tempo?
Sim, e no caso de Olavo de Carvalho, principalmente.
O citado influenciador pariu ou disseminou as maiores mentiras e desserviços que se tem notícia em toda a história do Brasil, e foi responsável por convencer milhares a não se vacinar, por exemplo, razão pela qual há um imperativo moral - e também de sobrevivência - em contestar suas ideias, a qualquer momento.
A tolerância com suas ideias não é possível, por nenhum segundo, uma vez que seu pensamento é deletério da própria vida comum, conforme Karl Popper destrinchou (The Open Society and Its Enemies).
E esse é o modo de lidar com ideias autoritárias e facistas, como sem sombra de dúvidas podem ser classificadas à luz da ciência as divagações de Olavo de Carvalho (Umberto Eco, o Fascismo Eterno; Theodor Adorno, Estudos Sobre a Personalidade Autoritária).
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.