Padre Lino Allegri: o que prevê a legislação sobre os episódios de violência verbal

O Padre Lino Allegri, Pároco da Igreja da Paz, em Fortaleza, foi vítima de violência verbal no dia 4 de julho, após celebrar a missa e ter afirmado em sua preleção que o governo de Jair Bolsonaro também tem responsabilidade pelas mais de meio milhão de vítimas da Covid-19 no país.

A fala do padre está protegida pelos fundamentos constitucionais da Liberdade de Expressão, de Crença e de Culto e de Exercício do Trabalho, e pelos dogmas católicos da Defesa do Bem Comum, da Justiça e da Fraternidade (detalhes ao final do texto).

Em parte das Igrejas Evangélicas, por sua vez, há grande divulgação e defesa do Presidente da República, e não há notícia, até aqui, de qualquer Pastor, Apóstolo ou Missionário ofendido por isso, ou templo invadido pelo mesmo motivo, o que demonstra que lá a liberdade de expressão, de crença, culto e exercício do trabalho tem sido mais respeitadas no ponto específico.

Pois bem.

Sete mulheres e um homem entraram sem convite na sacristia e, aos gritos, chamaram o Ministro Religioso de “esquerdopata”, “comunista”, “petista” e “lulista”, exortaram-no a “voltar à Itália” e afirmaram que Bolsonaro era um bom cristão.

“Os ministros da eucaristia, que estavam na sacristia, se colocaram entre mim e as pessoas e as convenceram a sair” – disse o padre, informando como os agressores saíram de lá.

Após tal acontecimento, o padre e outros religiosos da paróquia sofreram ameaças de violência e de morte por telefone e whatsapp. Alguns bolsonaristas faziam questão, em áudios de whatsapp, de informarem seus nomes completos e fotos de perfil do Facebook.

No domingo 11 de julho, naquele mesmo templo religioso, um apoiador de Bolsonaro gritou palavras de ordem após a leitura de pequena nota da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tratava do caso da sacristia. Neste dia já havia presença da polícia do lado de fora da Igreja, eis que, àquela altura, a comunidade temia novas investidas e grupos bolsonaristas faziam espalhar, nas redes sociais, difamações e impropérios em desfavor do Padre. O agressor não foi incomodado pela polícia.

No domingo seguinte, 18 de julho, na mesma Paróquia da Paz, houve a presença numerosa de bolsonaristas, vestindo as características camisas verde e amarelo. Em redes sociais, os grupos ligados ao Presidente comemoravam o fato de Lino Allegri ter sido supostamente afastado por obra da pressão deles. A Diocese informou que o afastamento, de fato, foi para garantir a incolumidade física do padre.

Abaixo, os crimes que, em tese, podem ser verificados no caso, a depender do que, de fato, for provado, e de uma representação do padre nos casos de Calúnia, Injúria ou Difamação.

Em teoria, os delitos dos oito invasores da sacristia

Segundo o Código Penal, em teoria, as oito pessoas que invadiram a sacristia podem ser incursas nos seguintes delitos, caso tenham, de fato, incorrido nos fatos abaixo.

Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

(...)

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Conforme art. 141, III, IV, as penas cominadas acima aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria, e contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos.

Ameaça

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Constrangimento ilegal

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

Em teoria, os delitos do cidadão que interrompeu a missa

Além de Calúnia, Injúria, Difamação e Ameaça, se de fato verificados, o delito abaixo:

Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

Em teoria, os delitos dos que ofenderam em redes sociais

Os delitos de Calúnia e Difamação;

O delito de injúria, devendo se observar que, na forma do art. 141, § 2º, se o crime de injúria é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena;

Os delitos abaixo:

Incitação ao crime

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Apologia de crime ou criminoso

Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Em teoria, os delitos dos que ameaçaram por telefone e whatsapp

O delito de Ameaça.

Em teoria, os delitos que todos cometeram

Perseguição

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.

Associação Criminosa

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Há circunstâncias agravantes?

1. Segundo o art. 61, II, do Código Penal, são circunstâncias que sempre agravam a pena, dentre outras,

- ter o agente cometido o crime por motivo fútil ou torpe;

- à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido, e;

- contra maior de 60 (sessenta) anos.

2. Consoante art. 62, tem a pena agravada aquele que promove, organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes, ou ainda aquele que induz outrem à execução material do crime. Nas redes sociais foi notável a organização e protagonismo de alguns agentes.

O agente pode ser punido por mais de um crime?

Sim.

O art. 69 chama isso de Concurso Material. Assim, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido.

*1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). 
2 Art. 5.º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. 
3 Art. 5.º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. 
4 Art. 5.º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. 
5 "Temos que nos envolver na política, porque ela é uma das formas mais altas de caridade" – disse o Papa Francisco a um grupo de estudantes do Colégio Jesuíta da Itália, durante um encontro em 7 de junho de 2013, no Vaticano.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.