Quem não morreu um tanto neste último ano talvez ainda não saiba o que é estar vivo. Ser vivo. Sentir a si, o outro. O vento alisar a pele, o sol queimar nossos calafrios. Corpos frios, corações incendiados. Encontros e partidas, quem sabe, até num olhar perdido de segundos - a mais.
Nas despedidas crescem os dias, que mais parecem emendados uns aos outros, de tão gigantes que às vezes têm sido, pra quem permanece depois de dar adeus. Não existe palavra certa, nem jeito de ser.
Eu aprendi que ir embora em alguns momentos é morrer, muitas outras vezes é matar um pouco quem fica. Ninguém parte sem arrancar pedaços, sem deixar rastros em caminhos.
Da vida ou em vida, seguir é sempre ficar de alguma forma. Em memória, em tradições. Em aprendizado. No cheiro da tapioca quente ou no gosto de café torrado. Em saudade. “Em espírito e em verdade”. Em amor.
Há quem retorne em canção, no cheiro do pão dormido, na escrita torta. Na valsa em círculo cortante que leva e traz uns verbos cansados. No muro da cidade aberta. Na porta fechada. Cortinas ao léu.
A vida não para, decerto. Toda noite é um dia inteiro dentro de nós. Palavras e memórias nos amparam enquanto sonhamos a vida. Retratos empilhados nas caixas, lembranças pulsantes escorrem dos olhos. Em sorrisos também.
Quando a pandemia se impôs, aprendemos a partir de muitas formas, a deixar e sentir muita falta. A dar adeus a gente, tanta gente. E também a lugares, planos, orgulhos, desejos. Amores. Destinos. Multidões. A ser e não mais ser. Sem querer.
Há dias em que nada nos conforta. Porque a dor do outro - desde cedo aprendi - é minha também. Nossa... são muitas questões. Por quanto tempo nosso tempo vai passar? Quanto tempo ainda temos que esperar? Quantos medos a descobrir e histórias deixaremos de contar? Quem sabe.
Em vida - também aprendi - há muitos caminhos de volta. Outros sem volta. Constância que nos mostra o quanto nada tem seu lugar e como a dor se transforma em travessias. Percursos a nos levarem a espaços de onde saímos ou não nos deixando nunca mais permanecer, porque o meio do caminho é a nossa verdadeira morada.