Ser mãe atípica no sertão:' viajo 8h para buscar saúde pro meu filho'

Terezinha Bezerra aprendeu que ser mãe de uma criança com transtorno do espectro autista no interior do Ceará exige muita força para alcançar os direitos mais básicos. E comemora uma grande vitória nesta jornada: ver o filho doutor do ABC

Pelo menos uma vez por mês, Terezinha Bezerra pega o filho Micael, de seis anos, e atravessa mais de quatrocentos quilômetros de estrada para que ele tenha acesso a serviços de saúde básicos para crianças com transtorno do espectro autista. Por volta das oito da noite, ela e o menino deixam Cedro, a pequena cidade do sertão do Ceará onde vivem, numa topic paga pela prefeitura. 

Viajam a madrugada inteira para que, no dia seguinte, Micael possa ser atendido na capital por especialistas como neuropediatra, psiquiatra, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta — serviços fundamentais para que ele se desenvolva, mas que a cidade onde mora diz não conseguir oferecer completamente pela dificuldade de contratar profissionais. 

Mesmo quando Micael consegue receber todos os atendimentos pela manhã no Hospital Geral de Fortaleza —o que geralmente acontece—, é preciso esperar o resto do dia pelas dependências do hospital até que o último passageiro cedrense daquela topic seja atendido e possa, enfim, voltar para casa.

Não há um lugar tranquilo para uma mãe com uma criança com transtorno do espectro autista esperar até a noite cair e poder pegar a longa estrada de volta para casa. 

“É muito difícil e cansativo. Já pensei muitas vezes em desistir dessas viagens”, confidencia Terezinha. Em uma delas, no mês de agosto, ela lembra que o motorista orientou que ninguém desse informação sobre o itinerário em uma das paradas por conta do risco de serem seguidos e assaltados. Alguns minutos depois de seguirem viagem, o carro apagou e parou no escuro. Chovia muito. 

“Foi um pesadelo porque o motorista já tinha dito que era um lugar perigoso de assalto. Me deu medo, vontade de desistir, mas eu não posso fazer isso. Preciso seguir pelo meu filho”, diz Terezinha. Ela conta que o pacote particular dos serviços em Cedro e em cidades vizinhas custaria cerca de 800 reais por mês, um valor que a família não teria como arcar, já que ela cuida de Micael e o marido é agricultor.

Para tentar diminuir a saga, ela tem buscado na Justiça o direito de seu filho receber atendimento em cidades mais próximas que a capital. Foi graças à lei que ela conseguiu psicólogo na vizinha Icó e até mesmo um instrutor para acompanhar seu filho na escola.

A saga de viagens e processos para garantir os direitos de seu filho se desenrola há três anos, desde que o menino foi diagnosticado, quase por acaso. Terezinha já vinha estranhando que o filho não falava direito, estava agressivo e havia demorado muito a andar, mas nunca médicos nem enfermeiras haviam alertado que poderia haver algo errado com ele. Até levá-lo pela primeira vez para a escola e escutar de outra mãe que seu filho era muito danado e impossível de criar.

Foi uma professora que, observando Micael, perguntou a Terezinha:

— Ele é autista?

— O que é autista? — ela respondeu. E iniciou a longa jornada de avaliações médicas e aprendizado sobre a condição do seu filho.

Naquele dia na escola, Terezinha chorou muito. Foi o primeiro contato real com um preconceito que a acompanha até hoje. 

As pessoas olham pra gente diferente, mas sempre vou estar com meu filho. Não tenho vergonha de dizer que ele é autista, mas também não permito que chamem ele de doido. Ele tem capacidades como toda criança
Terezinha Bezerra

Foi com essa certeza que, antes de conseguir um instrutor para acompanhar Micael na escola, era a própria Terezinha que o acompanhava. E não aceitava quando as professoras não exigiam que ele copiasse da lousa como os demais colegas. “Sempre soube que ele é capaz”, diz. “Ele é muito inteligente, um amor de menino.”

É por isso que a próxima semana será um dos momentos mais especiais para eles: Micael vai se formar como doutor do ABC. E está animado, ensaiando passinhos de dança para apresentar na festa da escola. “O ABC vai ser a primeira de muitas vitórias que virão. Cheguei aqui e vou até o fim com meu filho”, finaliza Terezinha, emocionada.