Na aldeia Pitaguary, o planeta é mãe-terra. É fruto de uma mulher forte e guerreira e talvez por isso engaje tantas outras mulheres no desafio que é sua proteção. O instinto de garantir o futuro move e preocupa diferentes gerações de mulheres no território indígena que resiste entre as pedreiras na Região Metropolitana de Fortaleza. Defender o território e o meio ambiente é parte do elo entre Clécia e Thaís Pitaguary, mãe e filha que encontraram no ativismo ambiental um caminho para abraçar a luta que dá sentido ao que são: mulheres e indígenas.
“Acho que quem está mais engajado na questão do meio ambiente é quem gera uma vida, do mesmo jeito da nossa mãe-terra, que gera árvores, animais, água e vida. Acredito que nós, mulheres, estamos em sintonia com a terra”, diz Thaís, uma adolescente de 17 anos que desde os 10 dá palestras e tenta alertar jovens sobre a emergência climática. Um caminho tão natural quanto o da mãe Clécia, que lutou contra pedreiras e ergueu a voz pela preservação ambiental do Nordeste em outros países durante as COPs.
Mas essa história começa bem antes do que elas próprias são capazes de puxar da memória. Fazendo um esforço mental, Clécia acredita que a preocupação ambiental lhe tomou desde a infância, quando a bisavó, raizeira, reclamava do sumiço das plantas do mato para fazer remédios e garrafadas. “Ela reclamava que não podia cortar as árvores dos remédios, de perto das nascentes, nem as fruteiras porque a gente vivia do extrativismo”, conta.
Com a bisavó Bela, Clécia aprendeu que não deveria desmatar nem queimar para o mundo não acabar. “Levei isso comigo sempre”, diz. Antes do território indígena ser enfim reconhecido, ela pegava binóculos e ia até a estrada observar a serra. Queria ver quem estava desmatando e denunciar o quanto fosse possível. Para salvar o mundo de seu povo, lutava contra pedreiras e mergulhava em ações de retomada, quando um povo ocupa um território ancestral e o reivindica como seu.
“A Thais escutou muito de mim essa história. Aqui quase se tornou uma Serra Pelada”, afirma. “O ativismo passa entre várias gerações de mulheres porque aqui é uma aldeia matriarcal”, completa Clécia. Ela conta que, desde a barriga, Thaís já participava dos roçados à retomada. Quando nasceu, nada mudou. Seguiu acompanhando a luta da mãe, dormindo no mato e tomando banho de rio. “Ensinei a ela tudo o que aprendi com a minha bisavó e a minha avó. Tudo que vi que era importante, ia repassando”, orgulha-se.
Mal aprendeu a andar, Thaís plantou a primeira árvore. Aprendeu a decifrar a mata e virou guia de trilhas, as mesmas onde hoje ela recebe grupos e os alerta para a emergência climática. Começou a falar sobre isso muito cedo, aos 10 anos.
“Para mim, sempre foi natural. Tive uma infância muito boa na aldeia. Sempre fui guiada pelas lideranças que são todas mulheres. Quando vim descobrir a dureza do mundo machista já tinha contato com o mundo de fora. Sempre soube o que as lideranças passavam para defender o território, o povo indígena e o meio ambiente. E descobri muito tempo depois que muito do que minha mãe passava era por ser mulher”, diz.
Thaís fala sobre meio ambiente e mudança climática desde pequena porque sua vida é estar dentro da mata. Tem sua mãe como espelho e não vê outro destino para si que não seja lutar. Mas não é fácil. Às vezes, precisa se afastar das redes sociais e das notícias sobre a crise por conta da ansiedade que causa nela.
“Todos os dias vejo um parente ser perseguido por defender o meio ambiente. Me dá um desespero pensar que tem crianças morrendo hoje pelo calor excessivo, pela chuva excessiva, por impactos causados por nós mesmos”, afirma.
Mesmo assim, segue os estudos na área ambiental em uma escola profissionalizante. Sabe que precisa abraçar essa luta enquanto sente os efeitos da crise climática na aldeia onde vive. Lá, as casas são de alvenaria, onde a maior parte das pessoas trabalha em empregos na cidade ou na agricultura familiar por meio do plantio na Mata do Sabiá, que abastece a comunidade.
Lá, chuvas excessivas alagam residências, dificultam acesso à escola, suspendem aulas. Os tempos de seca prejudicam plantações, retardam a queda de água nas cachoeiras. A mudança climática afeta rotinas e histórias. Lá, mulheres encamparam a luta pelo futuro — de seu povo e do planeta.