É tempo de São João. Aqui no Ceará vivemos a data com o mesmo zelo de um Natal. Levamos a sério a tradição: enfeitamos nossas casas e ruas com bandeirolas coloridas, fazemos balões de papel, preparamos um verdadeiro banquete para celebrar a boa colheita de milho e jerimum, uma garantia do inverno bom. Descansem, militantes geógrafos! Aqui chamamos de inverno o período chuvoso da primeira metade do ano. Os demais meses são um longo e quente verão.
Aqui, é só junho dar o primeiro sinal no calendário que tiramos os velhos vestidos ou camisas de chita do armário para dançar aquela quadrilha ensaiada por meses num forró bem dançado. Imagine só a tradição mais importante destas bandas que o sul resolveu resumir num grande Nordeste na pequena cidade onde cresci e cujo padroeiro é ele: São João Batista!?
Depois de anos reclamando das “festas juninas” paulistanas servindo quentão e chamando canjica de curau, aprendi a valorizar cada pedaço da tradição que me leva à infância em Cedro. A cidade inteira se envolvia para garantir galinhas embaladas em papel celofane que seriam leiloadas à noite, nas barracas montadas para a festa que dura dias, para arrecadar fundos para a igreja.
O momento mais especial da festa era a famigerada fogueira de madrugada, realizada na véspera do Dia de São João. Acordávamos muito cedo, quando o céu ainda era escuridão, para levar um pedaço de madeira que alimentaria a fogueira do santo. Estávamos, assim, queimando simbolicamente nossos pecados. Imagine só meu espanto quando vi, numa dessas madrugadas, um dos professores da escola levar um enorme tronco de árvore! “Como ele tem pecado, Meu Deus!”, pensei, cá com meus botões infantis.
Desde então, muita coisa mudou. No Cedro, por exemplo, o dano ambiental causado pela queima da madeira levou os fiéis a anotarem seus pecados num papel e queimá-los simbolicamente na fogueira cujo tamanho agora é controlado. A música que embala a procissão segue na minha memória: “Acorda, levanta, venha ver quem é. É o povo de Cedro na festa da fé”.
As tradições nunca foram estáticas, mas sobrevivem ao tempo porque mantêm alicerces da nossa identidade. Não dá pra abrir mão do gosto do bolo de milho, da canjica, da pamonha, do pé de moleque e por aí vai.
Mas aí mesmo quem não está prestando muita atenção na festa é capaz de se dar conta que estão gourmetizando o São João. E nem estou falando das quadrilhas superestilizadas, com alegorias que deixariam alguns carnavais com inveja. Mas vocês já viram as sorveterias -ou melhor, gelatarias- com seus sabores juninos? Bem à moda das cafeterias norte-americanas e suas bebidas especiais de Natal. Delícia!
O São João, pra mim, é bom de todo jeito. Mesmo de casa, zapeando as redes sociais e os stories dos amigos que estão se espalhando pelos nove Estados nordestinos e mostrando as festas e tantas ruas com suas bandeirinhas coloridas. Dá gosto de ver. Se tem uma coisa que o festejo que começou pagão na Europa e depois foi abraçado pela fé cristã pode fazer é espantar maus espíritos. Em junho, aqui colhemos novos tempos, com muita cor, pratim, quadrilha e forró.