Após meses de intensa inflação, julho e agosto registraram variação mensal negativa no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA). A média de preços da economia brasileira recuou 0,68% em julho e 0,36% no mês passado.
Diante disso, mesmo que setembro registre leve alta (de até 0,18%), a perspectiva é que o terceiro trimestre de 2022 registre deflação recorde, a maior desde o início do plano real.
A deflação é o contrário de inflação e é considerado um fenômeno mais raro, normalmente ocasionado por razões específicas. Ocorre quando a média dos preços na economia, ao invés de subir de um determinado período para outro, registra queda.
Na prática, significa que os consumidores passaram a encontrar determinados produtos e serviços mais baratos do que estavam anteriormente no mês da medição.
Mas, como explica o doutor em economia e professor da FACC-UFRJ Joseph Vasconcelos, não necessariamente todos os produtos terão queda de preços; ou seja, alguns itens podem sofrer pressão inflacionária mesmo quando a média aponta para deflação.
“A queda de um setor específico pode causar deflação. A inflação é calculada com base em uma cesta. Se um determinado bem que tem um peso relevante tem uma queda muito intensa pode puxar o nível geral dessa cesta para baixo”, coloca.
O que causa a deflação?
O professor de economia da UFC Rafael Barros Barbosa detalha que a inflação ocorre naturalmente como consequência do crescimento econômico. Já a deflação, quando acontece, tem uma razão clara e normalmente dura um período mais curto de tempo.
Quando surge a deflação, ele surge por momentos muito específicos de um determinado contexto. A gente pode ter por exemplo um governo que tenta frear a economia, isso pode resultar em deflação. Determinados países como o Japão têm dificuldade de estimular consumo, em alguns períodos têm deflação, são casos muito específicos e dependentes do contexto”
No caso do Brasil, o fenômeno é reflexo claro de dois fatores: a redução do preço do petróleo no mercado internacional e a unificação do ICMS dos estados, que reduziram os custos de energia e transportes.
Como combustíveis e energia são dois insumos básicos para a produção, a queda no preço desses dois produtos influenciou um movimento de cascata em outros itens. Assim, a média da variação mensal do IPCA se mostrou negativa.
Joseph destaca, contudo, que por mais que a deflação seja vista como algo positivo do lado do consumidor, que consegue gastar menos nas compras, ela pode ser prejudicial para o crescimento do país se mantida a longo prazo.
“O preço vai caindo e chega em um momento que o produtor acha que não compensa mais produzir. E aí acaba reduzindo a produção, acaba tomando a decisão de demitir funcionários, parar determinada linha de produção. Nesse momento em que os preços vinham em uma aceleração bastante intensa ter um pouco de deflação ajuda a estabilizar, mas no longo prazo não é um efeito benéfico”, contextualiza.
A tendência para os próximos meses, segundo Joseph, o efeito que trouxe a deflação para o país venha a se dissipar, sem novas quedas e com uma estabilização nos preços.
“O elemento que ocasionou a deflação foi queda dos combustíveis e redução do ICMS, o governo não pretende continuar reduzindo ICMS, essa política já surtiu o efeito. Queda no preço dos combustíveis depende da cotação do barril do petróleo. Pode ser que a gente veja queda, mas não tende a ser nessa mesma intensidade”, prevê.
Como a deflação chega ao consumidor?
Para além dos dados divulgados pelo IBGE, o consumidor sente de forma mais visível a queda nos preços dos combustíveis e energia, além de outros itens, a depender da cesta de consumo. A redução no preço desses insumos também influencia o preço de produtos e serviços diretamente ligados a eles.
É importante ressaltar que cada consumidor específico tem uma inflação própria. Os bens que mais sofreram deflação foram combustíveis e energia elétrica. Mas no caso de combustível, quem utiliza automóvel sentiu mais o efeito da deflação. Uma pessoa que não faz uso desses bens não sente de forma tão expressiva”
Mas, apesar da variação mensal negativa em julho e agosto, o acumulado do ano e dos últimos 12 meses ainda aponta para inflação. Rafael acrescenta que a percepção do consumidor depende muito da cesta de produtos que ele consome.
“Depende muito da cesta que o consumidor compra, pode não ter sido afetado pela deflação. A gente tem que levar em consideração a variação temporal. O que está acontecendo agora é que nesses meses específicos observamos uma queda de preços, mas no geral vamos ter um aumento. Se comparamos os preços de hoje com ano passado, é esperado que ele esteja maior, mesmo que não tenha aumentado nos últimos dois meses”, ressalta.
De acordo com o último Boletim Focus, apesar da deflação nos últimos dois meses, a expectativa é que a inflação feche o ano ainda positiva, em 6,4%.