Do auge ao declínio: O que causou o fim de mais de 300 lojas na Av. Monsenhor Tabosa

Ao longo dos últimos anos, uma sequência de fatores e acontecimentos transformou a efervescência do que já foi o principal corredor comercial de Fortaleza em um cenário quase deserto, marcado por portas fechadas e falta de perspectivas. Futuro do local é incerto

Por muito tempo referência do comércio de artigos de moda – roupas, calçadas, bolsas, acessórios, biquínis -, a Avenida Monsenhor Tabosa tornou-se, ao longo dos últimos anos, uma lembrança para muitos fortalezenses. Lojistas garantem que a área ainda é bastante frequentada por turistas. Porém, a julgar pela movimentação encontrada em visita da reportagem ao local, bem antes do novo lockdown, a afirmação tem um otimismo que contrasta com a realidade. 

'Paredão' de lojas desocupadas

No auge, a Avenida chegou a ter 453 lojas, contando com imóveis das ruas transversais. De 2014 pra cá, 311 empreendimentos encerraram as atividades na Monsenhor Tabosa.

Segundo a Associação dos Lojistas da Avenida Monsenhor Tabosa (Almont), 142 lojas funcionam no corredor atualmente. Número difícil de imaginar para quem caminha os 900 metros da avenida encontrando mais o próprio reflexo nas vitrines vazias do que imóveis ocupados. A primeira metade da avenida virou um cartão-postal às avessas, com um “paredão” de lojas desocupadas, anúncios de "aluga-se" e um ar de abandono.

Se resgatarmos a memória da região lá pelo fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, com um corredor comercial efervescente, conseguimos encontrar algum resquício do que foi chegando já à outra ponta do calçadão de lojas, nas proximidades do supermercado e da agência bancária instalados mais recentemente no local.

Uma rede de serviços como estes, incluindo salões de beleza e barbearia, vem sustentando um fluxo mais estável, dizem os lojistas.

“Uns cinco anos atrás isso aqui era lotado, saía 20h daqui dia de sábado. Agora, o turista vem aqui, vê uma situação dessa, é complicado. Não tem uma lanchonete, a rua é muito quente, não tem onde sentar, não tem restaurante, não tem banheiro. Não tem nada pra oferecer ao turista. Não tem nem onde vender uma água. E, principalmente, não tem segurança”, lista Katiúcia Nunes, funcionária de uma loja do segmento de festas.

A consumidora Kenátia Paula, 33 anos, voltou à avenida após anos sem frequentar o local, porém, não encontrou o que procurava. “Resolvi dar uma olhada, mas não encontrei muita coisa, e disseram que as lojas fecham às 17h, então acho que vou pra outro lugar”, disse, quando o comércio ainda estava aberto, antes do novo decreto de isolamento social.

Apesar do descontentamento evidente dos lojistas com a baixa do movimento, o discurso de que a Monsenhor Tabosa “acabou” é rejeitado com veemência. Para eles, a avenida possui recursos para permanecer como um importante polo comercial, porém, necessita de inovação e um olhar mais atencioso do poder público.  

“Acho que é uma avenida muito forte, muito bem localizada, se não fosse isso já tinha virado um deserto. Temos muitas lojas fechadas, mas são lojas grandes, que os proprietários não querem reformar pra alugar. Teria que vir grandes investidores”, diz a presidente da Almont, Márcia Oliveira.  

Copa do Mundo e aluguéis altos iniciaram declínio

A última grande reforma na avenida, feita entre 2013 e 2014, é considerada um marco do início da crise para ela e outros trabalhadores ouvidos no local. Além de ter adentrado o período de Natal, um dos mais fortes para o varejo, ao ser concluída, gerou especulação imobiliária elevando o preço dos aluguéis.   

A Copa estragou muita coisa, digo em Fortaleza toda, não só na Monsenhor Tabosa. Ela foi a maior prejudicada porque abriram muitos shoppings, muitos polos (comerciais). A gente passou oito meses numa obra, e houve uma grande especulação imobiliária aqui. As lojas, hoje, 90% são alugadas. Os proprietários não estão mais na Monsenhor Tabosa. Quando terminou a reforma, triplicaram os valores dos aluguéis”, conta Oliveira.  

Além de presidente da Almont, Márcia Oliveira é uma das poucas proprietárias de loja que permanece no local. A família abriu a empresa em 1979, ano em que ela nasceu. A loja passou para suas mãos em 1998.  

“Pra mim, a Monsenhor Tabosa tá numa fase de mudanças, passou muito tempo em um estilo só de comércio, que era moda. Em 2013, começou a apresentar sinais de crise. A gente não acreditava naquela época que isso poderia acontecer, não existia placa de alugar”, reflete. 

Os trabalhos de requalificação da Monsenhor Tabosa faziam parte do pacote de obras do Ministério do Turismo para a Copa do Mundo de 2014. O aporte foi de R$ 5,9 milhões. O local recebeu obras de drenagem, pavimentação, iluminação, calçadas com pisos antiderrapantes, elevações para cadeirantes e construção de 45 caramanchões para aumentar as áreas sombreadas. Boa parte desses caramanchões está em deterioração. 

Concorrência de feiras e shoppings

Na época, a Associação estava sob administração do atual diretor do Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de Fortaleza (Sindilojas), Antônio Cruz Gonçalves. “Foi um erro grande. Os proprietários cresceram os olhos e aumentaram de maneira exorbitante o preço dos aluguéis, isso veio a dificultar os negócios.” Ele também cita a concorrência de feiras e shoppings como disparadores da crise.  

“Em 2010 tínhamos mais de 400 lojas, tinha significativa arrecadação de ICMS, empregava mais de 6 mil pessoas. De 2015 pra cá, devido à economia ter desandado, não tem andado muito bem o faturamento do local. Começou com a José Avelino que foi uma concorrência desleal, não pagava imposto, energia, aluguel, telefone. E, claro, o consumidor vai atrás de vantagem. Então já foi o primeiro baque. Depois vieram os shoppings, cada bairro tem um shopping”, sintetiza.  

Imóveis grandes anunciados por até R$ 2.500 

O negócio passado por gerações é uma característica das empresas da região. Peterson Nunes administra a empresa de artigos de praia da família, no local há 24 anos, e acredita que os proprietários dos imóveis demoraram a perceber o problema.  

“Globalização, produto importado, empresários com a cabeça 'desse tamanho', donos de pontos que preferiram, com a crise que o país teve nos últimos anos, esperar algum investidor maior. E junto com isso veio a obra. A obra melhorou muita coisa, mas, ao mesmo tempo, foi feita na época de Natal, uma das melhores semanas do varejo pra todo mundo, a gente tava com caminhão, trator na frente da loja, sem calçada”, relembra.      

“Era uma coisa bizarra de cara um aluguel na Monsenhor Tabosa. Nessa transição, os donos de pontos morriam com a casa trancada, mas não baixavam. Agora começaram a baixar, mas o mercado por si só tá bem difícil, e tem a imagem da Monsenhor Tabosa que caiu”, conclui.  

Atualmente, espaços grandes da avenida são anunciados por R$ 1.500 a R$ 2.500, segundo a Almont.  

E-commerce ajuda nas vendas 

Apesar da crise, o comerciante garante que as vendas estão dentro do esperado. Uma das estratégias para sustentar duas unidades da empresa no corredor da Monsenhor Tabosa tem sido apostar no e-commerce.   

“Muita gente tinha 2,3,4 lojas espalhadas pra conseguir suportar a demanda, pra quando o turista tava cansado não ter que andar a avenida toda, isso funcionava. Hoje nós temos duas lojas, continuamos sendo fabricantes, estamos nos reinventando, fazendo vídeo chamada, fazendo entrega com taxa grátis. Isso a pandemia acelerou também. O ponto de venda vai se extinguir, a pandemia potencializou isso”, aponta.      

Localizada no início da avenida em um imóvel de grande porte, um dos poucos ocupados naquele trecho, e, pelo tamanho, um dos poucos ocupados em toda a avenida, a loja matriz também abriga a fábrica funcionando nos fundos. Manter-se como fabricante é um dos diferenciais, afirma Nunes. Para ele, o abandono da prática é fator relevante para a queda das vendas na região.   

“Continuamos sendo empresa de fábrica, a Monsenhor Tabosa tem esse histórico. A decadência tem relação (com isso) porque quando você fabrica tem o controle da qualidade, exclusividade, tem preço. E a partir do momento que compra o produto pronto e só revende deixa de ter exclusividade, qualidade já não controla, e a Monsenhor Tabosa deixou de ter isso. Aquelas lojas de couro, biquini, é uma ou outra ainda que continua”, avalia.   

É com essa ideia de qualidade superior dos produtos que alguns lojistas vendem a importância da avenida diante de outros polos comerciais.   

“O turista hoje tá com o dinheiro bem contado, vai atrás de produtos mais baratos, populares. E na Monsenhor Tabosa, as lojas têm mais qualidade, os produtos são diferentes. Os clientes vêm muito direcionado. Tô aqui e minha empresa, como Allday, tem 25 anos, só tenho loja na Monsenhor Tabosa e posso dizer que tô vendendo, tenho cliente todo dia, não está ruim. Tá dependendo muito do dono da loja, do que ele tá fazendo pra trazer o cliente dele até a Monsenhor Tabosa”, declara Márcia Oliveira.  

Na contramão do ritmo de fechamento, uma empresa de vestidos de festa abriu a quinta loja na Monsenhor Tabosa. Segundo funcionárias do local há cerca de 10 anos, é o preço mais baixo o que mantém a clientela. “Um vestido de festa aqui é o preço de um aluguel, R$ 350, nós vendemos barato. Ela (loja) é bem conhecida, começou no Maraponga Mart Moda”, diz Katiúcia Nunes, uma das vendedoras.  

Puxando pela memória afetiva, Márcia Oliveira acredita num novo movimento de ascensão do local. “Ela tem essa parte afetiva com os fortalezenses, com turistas também que já conhecem há mais tempo, é muito pouco que falta pra fazer essa roda girar novamente”, prevê.  

As demandas dos lojistas por melhorias na área

Para encontrar uma saída satisfatória, o diretor do Sindilojas fala em união dos lojistas e aponta medidas como:

  • Compreensão dos proprietários no sentido de renegociar os preços de alugueis.
  • Procurar ajuda do governo municipal
  • Fazer manutenção de caramanchões, bancos,
  • Zona Azul com um prazo de cinco horas
  • Isenção de IPTU
  • Redução de ICMS 
  • Segurança ostensiva  

O empresário Peterson Nunes acredita em parcerias com o setor turístico. “Hoje, 30% a 40% do nosso público é turista. Então a (saída) era juntar com agências de turismo, fazer o pessoal parar aqui”, diz.  

A presidente da Almont cita estudo feito na região pela Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma) em 2019, com intuito de introduzir o segmento gastronômico na avenida. 

Gastronomia é esperança para o local

“Nosso foco de hoje, que a gente acha que é o renascimento da Monsenhor Tabosa, até em relação ao turismo, será a gastronomia. A gente acredita muito nisso. Porque lojas... é muita feira. Tem que ser uma coisa bem diversificada. Transformar num corredor turístico cultural.”  

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Fortaleza e solicitou acesso ao conteúdo do estudo, além de informações sobre ações realizadas a partir do trabalho e projeções para este ano na Monsenhor Tabosa.

Em nota, a prefeitura informou que "a retomada econômica é uma prioridade para os 100 primeiros dias de governo. O plano inclui ações de capacitação e de estímulo ao crédito e empreendedorismo, além de políticas de incentivo ao comércio e setor de serviços". E também afirmou que "haverá proposta específica para a avenida Monsenhor Tabosa, que já está em fase de elaboração". 

A primeira reunião para a apresentação de um programa de recuperação da economia foi realizada nesta quarta-feira (13). A Seuma e a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SDE) vão estar envolvidas diretamente nos projetos elaborados para a avenida comercial.

Calçada da fama

Márcia Oliveira cita, ainda, projeto de criação de uma calçada da fama na avenida.   

“A gente vai ter. Era pra ter sido inaugurada em 2020, com a pandemia, a gente não conseguiu. (Vamos) Inaugurar estrelas de artistas cearenses de vários segmentos, os artistas vão vir, divulgar, pra gente conseguir transformar aqui num ponto turístico interessante”, adianta.