Com praticamente um ano inteiro de pandemia, o comércio do Ceará lutou contra os impactos, mas ainda sofreu um tombo nas vendas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor acumulou em 2020 uma queda de 5% em relação ao ano anterior, percentual pior que a média nacional (-1,5%).
Em tempos de crise, a criatividade nata do varejista cearense foi posta à prova para manter o nível de vendas ou pelo menos minimizar as perdas. Nestes tempos, a tecnologia tem sido fundamental aliada dos lojistas.
Vídeo: Especialista Christian Avesque fala das tendências no varejo. Assista abaixo
O projeto da rede de supermercados Guará de dar autonomia ao consumidor para retirar as compras feitas no aplicativo sem precisar da ajuda dos funcionários coincidiu com a necessidade do distanciamento social exigido pela pandemia. Segundo a analista de marketing da marca, Erica Catunda, a ideia já estava em andamento e foi acelerada.
Ela detalha que os consumidores fazem as compras através do aplicativo e escolhem a retirada na chamada pick up store, espaço equipado com cabines, secas e refrigeradas, no qual o consumidor consegue entrar apresentando o QR Code que lhe é enviado. Por enquanto, apenas a unidade do bairro Aldeota conta com essa opção.
“É uma forma bem bacana do cliente ganhar tempo. Ele está voltando do trabalho e passa na loja apenas para pegar as compras, sem precisar falar com ninguém”, afirma Catunda.
A analista revela que a receptividade dos consumidores tem sido boa, apesar de muita gente ainda desconhecer a opção. “Quando a pessoa experimenta, ela sempre retorna. No começo, muita gente pensava que as compras pelo aplicativo eram só para receber em casa e, por isso, a pessoa não buscava essa opção. Mas agora praticamente todo mundo voltou a trabalhar presencialmente e não tem quem receba em casa. Estamos tendo boa aceitação e investindo em mídia para explicar essa facilidade”, acrescenta.
As compras feitas no app do Guará são sujeitas a uma taxa de R$ 5,00, que é referente ao custo do funcionário para separar os itens escolhidos, seja para entrega em casa, retirada comum na frente de loja ou na pick up store. Conforme a analista de marketing da empresa, todos os profissionais que realizam essa separação das compras são funcionários do próprio Guará. Apenas na loja da Aldeota, já foram contratadas 15 pessoas para a função.
Sobre a expansão da possibilidade para outras lojas da rede, Catunda revela que a marca ainda está analisando e verificando o retorno da unidade já disponível. Isso porque os equipamentos necessários requerem valores expressivos de investimento. “A gente está estudando. Os equipamentos são de valor bem elevado e precisamos do espaço também", argumenta.
Consolidada no setor farmacêutico, a Pague Menos também investiu em retirada sem contato. Até o momento, duas lojas da rede, sendo uma em Fortaleza, conta com equipamentos chamados de lockers, onde ficam guardados os produtos e o consumidor pode acessar apenas digitando o número do pedido.
Atendimento centralizado
A empresa também vem investindo em outras mudanças. Uma das principais implementada durante a pandemia foi a centralização do delivery, processo que tem evitado a perda de vendas e otimizado a entrega para até duas horas, conforme o diretor de transformação do grupo, Gilberto Caray.
“Nós já tínhamos operação delivery, mas isso era descentralizado, as lojas atendiam na região onde estão localizadas. Como as próprias lojas faziam o atendimento, a gente acabava perdendo muitas vendas, porque o mesmo atendente precisava dar conta do balcão e do telefone. Às vezes os clientes não conseguiam nem ter a ligação atendida”, explica.
Identificando esse problema, a Pague Menos criou um call center exclusivo para atender o delivery em todo o País. A operação conta com 80 operadores, sendo 64 funcionários próprios da empresa e o restante de terceirizados. Segundo Gilberto, a expectativa é que o número de atendentes chegue a 150 nos próximos meses com o desenvolvimento do canal.
“Com o lockdown, o delivery ajudou as vendas e os clientes, já que tinha a questão de locomoção restrita. Lá no começo, não conseguíamos atender todo mundo e aceleramos com a central, ajudou muito a dar vazão ao atendimento durante a pandemia”, ressalta o diretor.
Outra ferramenta que foi expandida durante a pandemia para evitar a perda de vendas é a chamada prateleira infinita, na qual o atendente verifica a disponibilidade de um produto faltante na loja no estoque de outras unidades da rede e faz a entrega na casa do cliente. “Para o cliente não ficar se locomovendo para outras lojas e acabarmos perdendo a venda, ele vai pra casa e em pouco tempo já recebe o item”, acrescenta.
'Boom' nos canais digitais
Com vendas pelo site e WhatsApp já há alguns anos, a Ibyte viu os canais de venda eletrônicos crescerem até 350% entre abril e maio de 2020. Por conta do lockdown e o consequente fechamento temporário das lojas em oito estados, o e-commerce passou a ser praticamente a única forma de saída da empresa, o que exigiu a antecipação de investimentos em capacidade logística e de entrega, segundo relata o diretor de marketing do grupo, Nelson Gurgel.
“O e-commerce era nossa única loja aberta. Nossas entregas já são feitas no mesmo dia ou no dia seguinte à compra. Tivemos de aumentar frota, entregadores, terceirizados. Em dezembro, mesmo no meio da pandemia, também trocamos a plataforma do e-commerce por uma robusta e sofisticada”, revela.
Com o crescimento do home office, a Ibyte também lançou um aplicativo para que os consumidores agendassem a visita de técnicos para realização de reparos em equipamentos. Com a reabertura das lojas, o serviço também está disponível nas próprias unidades.
Vendas por chat
“Um serviço que surgiu durante a pandemia é o de consultores digitais. Com as lojas fechadas, a maioria dos vendedores passou a atender os clientes através do chat, o que aumentou muito a capacidade de vendas por esse canal. Então, tivemos a ideia de colocar consultores nos bairros e cidades onde não temos lojas física”, explica Gurgel.
No Ceará, já contam com os consultores os municípios de Quixadá, Iguatu, Crato, alguns bairros de Fortaleza, além de Belém (PA), Paranaíba (PI), Campo Grande (MS), entre outros.
A reabertura das lojas físicas fez com que as vendas da empresa no site estabilizassem. Ainda assim, o diretor estima um crescimento de 40% em janeiro e fevereiro deste ano ante o mesmo período do ano passado. Ao todo, o e-commerce corresponde ao faturamento de uma loja física da rede.
As mudanças também exigiram um aumento de 30% no quadro de funcionários da Ibyte, que já conta com 1,2 mil colaboradores. “O e-commerce não consegue cobrir todas as nossas perdas, mas ajudou a minimizar o impacto. Tivemos aumento de gastos, que encaramos mais como investimento. Ainda temos muito a percorrer, mas avançamos 3 ou 4 anos em alguns meses por conta da pandemia”, conclui Gurgel.
Da força no comércio físico à entrada no digital
Em meio à crise, varejistas também debutaram no ambiente de vendas digital durante a pandemia. Foi o caso da BanBan Calçados, rede consolidada no meio físico, que ainda não estava no e-commerce.
O diretor comercial da empresa, Renato Costa Guedes, lembra que a plataforma foi inaugurada em maio e tem acelerado as vendas. O canal corresponde hoje a cerca de 5% do faturamento geral, o equivalente a uma loja física.
“Ainda é insignificante, mas para quem não faturava nada (no digital) é um bom começo. Nós já estávamos ensaiando esse projeto havia cerca de dois anos e, durante a pandemia, os próprios funcionários aceleraram para conseguirmos lançar”, revela.
Centro de distribuição para atender à demanda
Ainda no âmbito do e-commerce, a empresa está montando um centro de distribuição de 30 mil metros quadrados que promete ser um dos maiores do segmento para atender consumidores do Norte e Nordeste. Guedes ainda acredita que, com o desenvolvimento da plataforma e a mudança de comportamento do consumidor, a rede começará a enxugar algumas lojas físicas nos próximos dois anos, ao mesmo tempo que irá abrir outras nos demais estados brasileiros de forma estratégica.
Loja de autoatendimento
Desde 2019, a BanBan vem apostando em um modelo de loja física de autoatendimento. A ideia é que o próprio consumidor escolha o produto que quer, sem precisar da ajuda de um vendedor, por exemplo. Cinco lojas, sendo três em Fortaleza, uma em Caucaia e outra em Sobral, já contam com essa possibilidade. O objetivo, segundo Guedes, é que todas as unidades da rede passem a contar com o autoatendimento ainda este ano.
“Também temos um projeto de implantar o self-checkout na loja de Sobral, que é a maior da rede. Como todos os produtos precisam receber o sistema magnético para controle do item e prevenção de perdas, isso ainda deve demorar mais um ano”, estima o diretor.
Pandemia acelera evolução tecnológica
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza, Assis Cavalcante, reforça que as vendas online cresceram com força durante a pandemia na Capital. Um grande aliado a isso tem sido o contato que os vendedores têm realizado com os clientes através do WhatsApp, em geral, a partir de um cadastro. “Você vê a última vez que a pessoa comprou, manda fotos de novos produtos. O telemarketing também tem estado bem ativo, seja pelos próprios vendedores ou por serviços automáticos”, aponta.
Ele ressalta que o desafio do momento demanda luz e foco na criatividade para segurar os resultados e manter os empregos que o setor gera. Acrescenta que também é tempo de negociar com os fornecedores e torcer pela aceleração do processo de vacinação.
“É a grande solução para essa pandemia. Ano passado, tivemos muitas ajudas, como a transferência de renda social, o Pronamp, a suspensão dos contratos de trabalho e redução de jornada. Agora, precisamos que os bancos posterguem a carência do Pronamp, que o Governo Federal aprove esse novo programa de transferência de renda, e que outros mecanismos venham em nosso socorro, como liberação do FGTS e do PIS/Pasep”, ressalta Cavalcante.
O consultor e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque, também alerta para os próximos meses de baixa nas vendas. Ainda assim, ele acredita no crescimento de até 4% do setor no ano, caso o cenário político-econômico não se agrave e se a vacina chegar com mais rapidez à população.
“Se não acontecer nada de grave no ambiente político até julho, teremos uma retomada mais forte no segundo semestre, podendo chegarmos a um crescimento de 3% a 4% em 2021. Até lá, teremos tempos de vacas magras”.
Novas estratégias do comércio
O consultor e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque, indica três principais tendências tecnológicas que foram adotadas pelo varejo durante a pandemia.
- O uso intensivo do self-checkout
Ele revela que a possibilidade de o próprio consumidor escolher o produto que irá comprar e levá-lo ao caixa para pagar sem precisar do auxílio de um funcionário está se popularizando. Nessa categoria também está inclusa a retirada de compras realizadas no site ou aplicativo da loja sem contato com ninguém.
“Esse primeiro bloco deu suporte ao comportamento de compra. O consumidor está usando ferramentas digitais, buscando o auto serviço, outros meios de pagar e pegar o produto. E isso cresceu tanto pela conveniência quanto pelo acesso. As pessoas, principalmente das classes C e D, aprenderam a usar ferramentas digitais durante a pandemia, o que até então era uma grande barreira”, avalia Avesque.
Ele acrescenta que se passou a exigir a automatização do processo de compra, recebimento das mercadorias e deslocamento no estoque e ponto de venda, diminuindo perdas e avarias para os varejistas.
- Ascensão do streaming
O professor salienta o uso das mídias digitais para a realização de live actions e vídeos com demonstrações dos produtos, tutoriais de uso e tira dúvidas ao vivo. Ele ressalta que, plataformas que eram mais estáticas até então, como o Instagram e o YouTube, passaram a ser utilizados para posturas mais ativas.
“O lojista saiu de uma postura passiva, de esperar que o consumidor fosse até a loja, para uma postura ativa, de entrar em contato com o cliente, sugerir produtos, avisar sobre promoções, tipos de entrega”, explica.
- Marketplaces
A terceira principal tendência apontada por Avesque é o surgimento de marketplaces, plataformas de e-commerce de grandes grupos que compartilham o espaço com inúmeras outras pequenas e médias empresas, à exemplo do que fazem Magazine Luiza, Casas Bahia e Extra, por exemplo. Segundo o professor, esse tipo de iniciativa dá capilaridade e eficiência ao estoque e vendas, de forma que os pequenos e médios possam ter receita.
“Tivemos ainda algumas pequenas inovações, como o uso do QR Code, pagamento via PIX, a popularização do cashback, todas essas ações que percebemos que a gente acha que é por acaso, mas na verdade é uma questão de sobrevivência. Os lojistas tiveram de se rebolar nesses três pilares para proporcionar uma nova jornada de compra ao consumidor”, dispara.