Uso do cinto de segurança no banco dianteiro cai 43% após suspensão do videomonitoramento

A fiscalização por câmeras foi suspensa judicialmente em setembro de 2019

Logo depois de, em setembro de 2019, ter sido suspensa judicialmente a fiscalização de trânsito por videomonitoramento em Fortaleza, o percentual de passageiros de automóvel utilizando cinto de segurança no banco dianteiro caiu 43%

O dado consta na edição mais recente do Anuário da Segurança Viária da Capital, que também monitora outros fatores de risco no tráfego como excesso de velocidade, não uso ou uso incorreto do capacete por motociclistas, não uso de cadeirinha de proteção para crianças, combinação entre ingestão de álcool e direção e uso do celular ao conduzir veículo.

Conforme o relatório, o uso do cinto no banco dianteiro por passageiro vinha crescendo desde 2015, época em que a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) iniciou o monitoramento. Saiu de um patamar de 65% de frequência de uso para 93% em 2019. Porém, nesse último ano, sob a justificativa de violação de intimidade, a 1ª Vara da Justiça Federal do Ceará decidiu barrar o uso do sistema de videomonitoramento para autuar infrações. Logo depois, esse percentual caiu para 53%, segundo a última rodada da pesquisa feita em 2020.

A desobediência dos passageiros quanto à obrigatoriedade prevista em lei do uso do cinto de segurança preocupa especialistas em segurança viária por aumentar o risco de mortes e lesões. Tanto que o percentual de passageiros de veículos de quatro rodas feridos no trânsito da Capital já saiu de 1,3% em 2019 para 3% em 2020, conforme o anuário.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), usar cinto de segurança reduz o risco de morte entre motoristas e passageiros dos bancos dianteiros entre 45% e 50% no caso de uma colisão. Já nos bancos traseiros, onde a frequência de uso do cinto em Fortaleza é de somente 39%, o dispositivo de segurança diminui o risco de mortes e lesões graves em 25%.

Renato Campestrini, especialista em trânsito, mobilidade e segurança, acrescenta que, segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet),  no banco traseiro, o uso do cinto de três pontos gera uma segurança ainda 75% maior para os passageiros. “E praticamente de nada vale o condutor ou passageiro do banco dianteiro utilizarem o dispositivo se quem vai atrás não o faz”, critica. 

“Quando o ocupante de um automóvel não utiliza o cinto, no momento de uma colisão, ele continuará se movendo para frente na mesma velocidade em que o veículo estava viajando, devido à energia cinética. Ou seja, seu corpo poderá colidir com o interior do veículo e com outros passageiros, resultando em ferimentos para ambos, e podendo resultar, também, na sua ejeção do veículo”, detalha Caio Torres, coordenador de segurança no trânsito na AMC.

Segundo o professor Flávio Cunto, do departamento de engenharia de transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), o impacto do não uso do cinto no banco dianteiro deve repercutir ainda mais nas estatísticas de mortos e feridos dos próximos anos se o comportamento não for novamente coibido

Sobre a possibilidade de retomada da fiscalização por videomonitoramento, o especialista opina:

É fundamental que existam esforços contínuos de fiscalização e educação. O videomonitoramento é uma estratégia de fiscalização que, apesar de não ser única, é extremamente eficaz e eficiente para resgatar os bons índices de uso do cinto de segurança. Seu retorno deve ser cautelosamente avaliado e olhado não como uma estratégia de punição, mas, sim, como estratégia que salva vidas”.
Flávio Cunto
Professor do departamento de engenharia de transportes da UFC

A AMC apelou para reverter a decisão judicial tomada em 2019, mas informou que o processo ainda tramita no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), em Recife.

Quando vigorava o videomonitoramento, Torres lembra que a população tendia a utilizar o cinto de segurança independentemente de estar ou não em zona monitorada por câmeras. “Isso trazia mais segurança [para o trânsito]. Hoje, como eles [passageiros] têm a percepção de que não vão ser ‘pegos’, autuados, voltam a adotar comportamentos inseguros”.

Outras consequências

Integrante da comissão de Trânsito, Tráfego e Mobilidade Urbana da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), o advogado Antunes Filho ressalta que, a partir do momento em que foi interrompida a fiscalização por videomonitoramento, “uma série de relaxamentos” foram cometidos pelos usuários do trânsito. Além do não uso do cinto de segurança, ele destacou o não uso da cadeirinha para crianças e o uso do celular ao volante.

“Não tem diretamente ligação [com o videomonitoramento], mas, em 2020, [a legislação de trânsito mudou e] aumentou o número de pontuação para os motoristas terem a carteira suspensa, aumentou o prazo para a renovação da CNH [Carteira Nacional de Habilitação] e inúmeras multas deixaram de ser cobradas em valores e se tornaram apenas sanções administrativas”, acrescenta o jurista. Somados, todos esses fatores “dão mais liberdade para o motorista transgredir no trânsito, o que acaba aumentando o número de acidentes”, reflete.

Apesar disso, Cunto considera a legislação de trânsito nacional “satisfatória”. Entretanto, ele diz, “precisamos avançar em passar uma mensagem uníssona nas três esferas gestoras em relação às diversas formas de fiscalização. Fato que não aconteceu, por exemplo, com a fiscalização de velocidade por radares”, pontua.

O professor também alerta que continuar com o ritmo de redução de mortes no trânsito de Fortaleza vai requerer “intervenções mais profundas e estratégicas, principalmente voltadas para os usuários vulneráveis: pedestres, ciclistas e motociclistas”. 

Segurança para crianças

Ainda conforme o Anuário da Segurança Viária, o uso de dispositivos de segurança para crianças menores de 11 anos de idade nos veículos cresceu de 42%, antes do fim do videomonitoramento, para 48% depois. Por outro lado, a frequência do uso de cadeirinhas para crianças com menos de cinco anos caiu de 42% para 38% neste mesmo intervalo.

Sobre essa proteção, Renato Campestrini ressalta que não cabe imprudência por parte dos adultos ou negociação com a criança. “Tem que utilizar o bebê-conforto, a cadeirinha”, cita o especialista, lembrando que o assento de elevação é recomendado até os dez anos de idade caso a criança tenha mais de sete anos e seis meses mas ainda não tenha 1,45 metro de altura.

Uso do celular 

Embora fosse uma das infrações mais polêmicas autuadas por videomonitoramento, o uso do celular ao dirigir só passou a ser monitorado pela AMC nos moldes dos outros fatores de risco em 2020. Segundo o anuário do ano passado, na primeira rodada de observação foi constatado 3,5% dos condutores utilizando celular em ligação e 3,4% utilizando para enviar mensagens. Na segunda rodada, esses números passaram, respectivamente, para 3,7% e 5,3%.

“Tem a limitação da pesquisa, que é feita em alguns cruzamentos e é difícil visualizar se a pessoa está ao celular ou não, mas celular é um fator [de risco] emergente e as formas de monitorar e fiscalizar são ainda incipientes. Ainda é difícil até mesmo associar um acidente a esse equipamento, porque ninguém vai assumir [que estava usando]”, diz Caio Torres.

Apesar disso, o técnico aponta que, na pesquisa Vigitel de 2019, foi concluído que um em cada quatro condutores da Capital adotava esse comportamento de risco.

Torres associa esse fator ao “boom” do setor de entregas por aplicativo devido ao isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19. “Muitos [motociclistas, especialmente] utilizam os aplicativos acompanhando GPS e vendo novas solicitações de pedidos. Isso é muito preocupante. O momento que você tira a atenção pra olhar o celular é como se dirigisse de olho fechado por alguns metros”, enfatiza.

A situação também preocupa Antunes Filho, da OAB. “As fiscalizações [inclusive, de rua] diminuíram e os pedidos de delivery se intensificaram. O número de acidentados de veículos, principalmente de duas rodas, tanto moto quanto bicicleta, vem aumentando, e isso acaba sobrecarregando a seguridade social, uma vez que, quando eles deixam de trabalhar, acabam por não contribuir com a previdência, mas o Estado não deixa eles ao léu”, frisa.