Por que surto de gripe se antecipou de janeiro para dezembro no Ceará? Veja análise de especialistas

Baixa cobertura vacinal e relaxamento das medidas de prevenção podem estar relacionadas ao aumento de síndromes gripais no Estado.

Tosse, espirro, dores no corpo. Os sintomas de influenza, que podem se assemelhar aos da Covid-19, têm acometido um grande número de cearenses em dezembro, contrariando as expectativas de especialistas de um aumento comum apenas no mês de janeiro. Mas o que pode explicar esse crescimento antes da época esperada?

Antes mesmo de acabar, dezembro já é o mês com a maior quantidade de atendimentos de síndromes gripais nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Fortaleza desde junho, de acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Em relação a dezembro do ano passado, o crescimento já chega a 45%.

Um dos fatores apontados por especialistas é a introdução de uma nova cepa do vírus influenza A H3N2, identificada primeiramente na Austrália. No Ceará, a Sesa já contabilizou pelo menos 40 casos da variante.

No início deste mês, o boletim Infogripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), havia alertado para o avanço de casos de influenza A no Rio de Janeiro, que poderia “vir a se reproduzir nos demais estados” pela  grande quantidade de pessoas que diariamente se deslocam da capital fluminense para outros centros urbanos do país.

Para pesquisadores da área de infectologia e de doenças respiratórias, há uma combinação de vários fatores. Entre os principais, estão a baixa circulação dos vírus da influenza no período da pandemia, quando o coronavírus teve mais relevância, e a baixa adesão à vacina contra a doença, em 2021.

A Sesa alertou que, neste ano, o Ceará teve a menor cobertura vacinal contra a gripe dos últimos 23 anos, desde quando o imunizante foi incluído no calendário de rotina. Apenas 76% do público-alvo se protegeram, quando a meta era de 90%.

“Talvez tenha chegado um pouco mais cedo e de forma mais abrupta porque tivemos dois anos sem muita gripe. A doença pela influenza reduziu muito nessa fase da Covid e talvez agora tenha chegado um pouco mais intensa”, explica Keny Colares, consultor de infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE).

Segundo o médico, é tradicionalmente no fim do ano que as doenças respiratórias começam a ficar mais comuns, por causa do início do período chuvoso. Porém, os incrementos só costumam ser percebidos em janeiro e fevereiro. 

O biomédico e microbiologista Samuel Pereira confirma que a influenza e outros vírus respiratórios passam a circular mais no início de cada ano, mas podem ter crescido pela lacuna deixada pela redução dos casos de Covid-19. Isso porque, sendo agentes de infecção respiratória, eles competem pelos mesmos organismos.

“As medidas preventivas do coronavírus também previnem esses outros agentes. Talvez o aumento dessas outras infecções esteja relacionado ao relaxamento dessas medidas, já que elas têm a mesma forma de transmissão”, avalia Pereira.

A secretária-executiva de Vigilância e Regulação da Sesa, Richristi Gonçalves, reconhece o aumento das síndromes gripais “muito antes do esperado” e pondera que alguns casos podem evoluir com gravidade. Por isso, deve haver atenção redobrada com públicos mais vulneráveis, como crianças, idosos e gestantes. 

“Falhas” no sistema de defesa

A Fiocruz reforça que o grande número de pessoas infectadas com o vírus da gripe num período considerado atípico é resultado da combinação de uma circulação reduzida do vírus influenza em 2020 com a baixa adesão à campanha de vacinação deste ano.

Ou seja, como a gripe ficou “afastada” por um período considerável, o sistema imunológico não relembrou como combater corretamente a doença, como ilustra Fernando Motta, pesquisador do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

“Essa baixa adesão possivelmente fez com que os vírus continuassem circulando mesmo de maneira pequena, fora do radar das vigilâncias epidemiológicas”, percebe.

O especialista lembra que a vacina distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS), neste ano, não produz uma resposta adequada contra a nova cepa da influenza A H3N2, mas pode ajudar contra outras infecções.

Diz ainda que o Ministério da Saúde já recomendou a inclusão do combate a essa variante na resposta imunológica produzida pelas vacinas aplicadas a partir de 2022. A previsão inicial é que elas estejam disponíveis em março.

Prevenção deve ser constante

Para se proteger contra a influenza, não há segredo: devem ser seguidos os mesmos protocolos adotados durante a pandemia, contra o coronavírus ou qualquer outro vírus respiratório. O pacote de medidas inclui:

  • manter o distanciamento social
  • utilizar máscaras e álcool em gel
  • buscar ambientes abertos e ventilados
  • higienizar constantemente as mãos e punhos

O infectologista Keny Colares percebe como “inevitável” as reuniões de pessoas para o Réveillon, mas recomenda que os participantes mantenham a proteção da melhor forma possível para evitar futuros transtornos.

Além disso, orienta à procura dos serviços de saúde quando se notarem sintomas febris, respiratórios e dores no corpo, diferenciando: a gripe costuma chegar mais forte nos primeiros dias, enquanto a Covid tende a piorar durante a primeira semana.

Quais são os sintomas da influenza A H3N2? 

Segundo a Fiocruz, os sintomas dela são os clássicos de uma gripe:

  • febre alta com início agudo
  • dor de cabeça
  • dores articulares
  • constipação nasal
  • inflamação de garganta
  • tosse

Em alguns casos, pode haver vômito e diarreia, sendo estas manifestações pouco frequentes e mais comuns em crianças. O H3N2 é considerado sazonal e bem conhecido ao redor do mundo desde que ocorreu uma pandemia em 1968 (gripe de Hong Kong).