O oxigênio medicinal usado no tratamento dos pacientes com Covid-19 tem protagonizado uma série de discussões, desde que municípios do Ceará anunciaram que a falta do gás pode comprometer as internações hospitalares.
Diante do agravamento da crise sanitária que ocorreu no Amazonas, com a falta de oxigênio, e, agora, com o alerta de cidades do Ceará em relação ao gás, o medo e o risco suscitam muitas dúvidas sobre o oxigênio medicinal usado nos hospitais.
Para tentar sanar algumas delas, o Diário do Nordeste ouviu profissionais que trabalham diretamente com o oxigênio, além de técnicos da área que possam explicar, de fato, o que é esse gás, quanto ele custa e como as unidades fazem para consegui-lo, além da sua importância no tratamento da doença.
O que é um cilindro de oxigênio?
Desenvolvido em alumínio, o cilindro de oxigênio é um equipamento utilizado para armazenar esse gás comprimido ou liquefeito. Tais reservatórios devem ser preenchidos por profissionais autorizados para, assim, fornecer oxigênio puro aos pacientes. As versões menores e maiores dos tanques de oxigênio podem ser reabastecidas.
Qual o valor de um cilindro de oxigênio e como comprá-lo?
Em Fortaleza, um cilindro para uso individual e portátil com capacidade de 1 m³ pode ser encontrado por R$ 1.000 nas distribuidoras do insumo. De acordo com a funcionária de uma empresa do setor, cilindros maiores não estão sendo comercializados devido à alta demanda.
Para comprar o cilindro, o paciente deve apresentar laudo médico que especifique a necessidade do equipamento. Quem compra pela primeira vez também deve adquirir uma válvula reguladora. O equipamento pronto para uso pode ir para a casa do paciente com orientação do técnico da loja por R$ 1.500.
Outras lojas procuradas pela reportagem afirmaram não ter mais cilindros para vender ou alugar. Caso houvesse estoque, o aluguel cobrado por uma distribuidora da cidade seria de R$ 600 por mês.
Qual a importância do cilindro de oxigênio para o tratamento da Covid-19?
Segundo Caroline Gurgel, infectologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), a Covid-19 em sua forma mais grave provoca a síndrome respiratória aguda. O paciente passa a ter dificuldade de realizar suas trocas gasosas no tecido pulmonar. A partir disso, é recomendado que esse sujeito inicie a oxigenoterapia.
“No tecido pulmonar, o parênquima, é realizado a hematose, que é a troca de oxigênio pelo gás carbônico. Quando o paciente está com essa síndrome respiratória aguda grave, esse tecido fica muito inflamado, por isso ele necessita de um oxigênio suplementar. No entanto, ele não consegue mais respirar de forma adequada, que é com o oxigênio que temos disponível em ambiente”, explica.
É nesse momento que o paciente necessita de um oxigênio suplementar, que é inserido nele através do cateter nasal, do Elmo ou até mesmo de uma entubação. Esse oxigênio, segundo Caroline, é fornecido em litros por minuto. A partir da gasometria, exame responsável por apresentar como estão as trocas gasosas no corpo humano, o médico verifica a necessidade do paciente e adéqua a dosagem do oxigênio a partir dos parâmetros do exame. Se o paciente for melhorando, ele estabiliza aquele valor de oxigênio.
Por isso, segundo a epidemiologista é tão importante os cilindros de oxigênio, pois eles serão responsáveis por entregar esse ar para o paciente, pois “no momento em que acabar oxigênio, devido à fase crítica do coronavírus, o paciente sofrerá uma asfixia e podemos ter inúmeras mortes”, detalha.
“Temos sempre que lembrar que o oxigênio em excesso e por muito tempo é tóxico, por isso que assim que o paciente começa a apresentar melhora clínica, o médico ou o fisioterapeuta começa a diminuir as doses. Para que o paciente passe pelo processo de desmame do oxigênio”, finaliza.
Como e quanto custa para encher o cilindro?
De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), a empresa fornecedora de oxigênio para os hospitais da Rede Sesa é a White Martins. A empresa possui uma fábrica localizada no Porto do Pecém com capacidade de produzir 180 mil metros cúbicos de oxigênio por dia.
A reportagem procurou distribuidoras de oxigênio com atuação no Ceará, mas as empresas preferiram não se manifestar.
O que é mais caro no uso do cilindro oxigênio?
É o reabastecimento, o insumo. O cilindro em si normalmente é alugado para particulares e não vendido. Você aluga o cilindro e vai pagando o reabastecimento. Tem que ficar reabastecendo.
Quanto tempo dura e qual a dosagem usada?
O tempo de uso de um cilindro de oxigênio varia com a necessidade do paciente. Segundo Caroline Gurgel, a partir da gasometria, exame responsável por apresentar como estão as trocas gasosas no corpo humano, o médico verifica a necessidade do paciente e adéqua a dosagem do oxigênio a partir dos parâmetros do exame.
A epidemiologista ressalta que normalmente a dosagem é iniciada com 2 ou 3 litros por minuto e pode chegar até a 12 litros por minuto. Mas é um caso extremo, em que o médico vai aumentando a dosagem para ver a resposta do paciente.
Qual a diferença entre concentrador de oxigênio e cilindro de oxigênio?
Segundo Thayla Barbosa, consultora da CPAP, empresa especializada em produtos para apneia do sono e terapia respiratória, os concentradores e cilindros possuem a mesma finalidade: oferecer oxigênio aos pacientes. No entanto, o funcionamento de ambos possuem diferenças.
Nos cilindros, existem duas modalidades na forma de distribuição do gás: líquido (ocupa menos espaço e é mais leve) ou em gás. Necessitando, no entanto, que os reservatórios sejam preenchidos por profissionais em todas as modalidades.
Já o concentrador é uma máquina que funciona a partir de uma bateria recarregável, concentrando o O2 até que a substância fique 95% pura. Após isso, ele fornece ao paciente através de cânulas ou máscaras.
Por que não usar um concentrador de oxigênio ao invés do cilindro?
Caroline Gurgel endossa que o concentrador de oxigênio é um aparelho elétrico que vai remover oxigênio diretamente do ar, concentrando-o e fornecendo-o ao paciente. Mas sua grande desvantagem é que consome muita energia. “Não valeria muito a pena colocar vários em cada hospital, porque não compensaria a grande demanda de energia elétrica gasta. E outra coisa, o cilindro é mais rápido na instalação e até mesmo na troca”, explica.
De acordo com a epidemiologista, em alguns hospitais existe a distribuição central de oxigênio, os chamados pontos de oxigênio. Já existem casos de dois pacientes dividindo o mesmo ponto de oxigênio, essa opção, segundo Caroline, pode causar infecção cruzada ou mesmo distribuição desigual de oxigênio. Mas, conforme enfatiza a médica, com o aumento de casos de Covid, essa é uma opção que ajuda na intensa demanda de oxigênio, “são aquelas condições que temos. Vivemos atualmente em uma situação que ou é tudo ou é nada”, conclui.
É recomendável alugar um cilindro ou comprar um concentrador para tratar Covid em casa?
Se há necessidade de oxigênio é porque o quadro do paciente é considerado grave. Portanto, o ideal é que ele receba tratamento no ambiente hospitalar, alerta o pneumologista e presidente da Sociedade Cearense de Pneumologia e Tisiologia (SCPT), Ricardo Coelho Reis.
"A gente nem comenta do concentrador [de oxigênio] porque é um dispositivo para uso domiciliar, então para Covid nem pensar. Ficar fazendo oxigênio em casa no paciente grave é um risco muito grande porque esse paciente se deteriora muito facilmente".
Outro ponto, acrescenta ele, é que um paciente grave necessita de um cuidador que, no ambiente domiciliar, estaria inevitavelmente mais exposto ao vírus. "Precisa ter alguém cuidando e esse cuidador já não estaria isolado".
De acordo com Reis, os hospitais são normalmente equipados com os cilindros, mas sobretudo pelo oxigênio canulado, com canulações apropriadas instaladas nas paredes, que transportam o oxigênio de um cilindro principal maior.
"Os hospitais utilizam mais o oxigênio canulado. A central concentra recipientes maiores e aí vai canulado pela parede para uso do paciente. Existe uma logística para esse reabastecimento e agora precisou multiplicar a logística por cem. Como alternativa excepcional [nos hospitais], temos os cilindros".