Mortes por Covid em 40 bairros de Fortaleza mais que dobraram entre janeiro e abril; veja mapa

Localidade com maior avanço dos óbitos foi Cajazeiras, que tem cinco vezes mais vítimas do que no início de 2021.

Dos 121 bairros de Fortaleza, 40 já apresentam mais que o dobro de mortes por Covid-19 contabilizados entre janeiro e abril deste ano. No bairro Cajazeiras, são cinco vezes mais vítimas do que no início de 2021.

A comparação foi realizada com base nos boletins epidemiológicos da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de 8 de janeiro, o primeiro deste ano - que acumula informações desde o início da pandemia -, e 24 de abril, o mais recente.

No ano passado, em nove meses de pandemia, foram registrados 4.260 óbitos na cidade. Em 2021, já foram 3.239, segundo o levantamento. No total, 7.499 vidas foram interrompidas na Capital.

O painel de dados do Consórcio Nordeste também mostra que a Capital cearense é a cidade com mais óbitos e letalidade (3,69%) de toda a região Nordeste, superando até mesmo Salvador (3,12%), que tem maior população.

Cajazeiras teve o maior incremento, com 440% de mortes a mais. Do ano passado até 8 de janeiro, foram cinco óbitos. Em 24 de abril, o número subiu para 27.

Guararapes (300%), Maraponga (267%), Ancuri (240%) e Parquelândia (204%) também encabeçam a lista. Por outro lado, Cristo Redentor (18%), Praia do Futuro II (13%) e Pirambu (9%) tiveram os menores incrementos.

Veja a situação da Capital no mapa:

Dos 40 bairros com aumento mais expressivo, 10 pertencem à antiga Regional II, a de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, e outras 10 à Regional VI, uma das mais socioeconomicamente vulneráveis.

Medo de sair de casa

Com IDH de 0,301, considerado “muito baixo” segundo a própria Prefeitura de Fortaleza, o bairro Cajazeiras também teve 153% de aumento de casos da Covid-19 no período analisado. 

Para o líder comunitário Alexandre Mafra, o cenário resulta da falta de incentivos governamentais, tanto financeiros como comportamentais, sobretudo pela esfera federal.

O isolamento não funciona aqui. O que a gente vê é descaso. São governos que querem colocar as pessoas em lockdown, mas a coordenação do Governo Federal está deixando a desejar. Tem muita gente na rua tentando se virar como pode, o que é um risco”
Alexandre Mafra
Líder comunitário

Ele, que perdeu cinco parentes para a doença, confessa que está “apavorado”. “Estamos muito abalados. Quando chego em casa, lavo até os pneus do carro e o meu portão. Isso dobra o uso de água, que é despesa extra”, afirma.

No entanto, percebe que nem todos mantêm os mesmos cuidados. A observação é confirmada pela moradora  Ângela Cristina de Souza, 62, que conta ver pessoas circulando sem máscara ou com a mesma “frouxa ou no queixo”.

Há uma semana, ela perdeu o tio, Adalto  Ângelo de Araújo, 76, que morava na vizinha Aerolândia - outro bairro que faz parte da lista dos 40 com maior aumento de mortes. Por lá, elas dobraram.

“Na casa dele, os parentes também pegaram, mas ele passou mal, levaram pro hospital e o exame deu que  estava com Covid. Passou mais de uma semana internado, o quadro se agravou e ele veio a falecer”, conta.

A doméstica revela ter medo de sair de casa até para ir à mercearia. Ela também cobra a atuação de quem “chegue junto e explique, porque a gente não entende direito” - segundo  Ângela, as pessoas só aprendem com um exemplo próximo.

Disseminação diferente

O gerente de Vigilância Epidemiológica da SMS, Antônio Silva Lima Neto, percebe dinâmicas diferentes na transmissão da doença em relação ao ano passado. 

Em 2020, o primeiro grande ataque do vírus ocorreu nas áreas de mais alto IDH – Aldeota, Meireles, Mucuripe, Cocó e Papicu. Depois, se dispersou por todo o litoral, se expandindo para a Regional V e em direção ao município de Caucaia.

Ainda não há explicação definida de por que a doença “poupou” quase toda a Regional VI: houve muitos casos no Jangurussu, Conjunto Palmeiras, Messejana, Edson Queiroz e Sapiranga, mas sem grande mortalidade.

Na segunda onda, querendo ou não, há alguma barreira imunológica entre quem sofreu mais na primeira. Mas ela se concentrou de novo no mesmo lugar, na Aldeota e Meireles, tanto porque testam mais quanto porque a transição da nova variante também aconteceu lá”
Antônio Lima
Epidemiologista da SMS

Na movimentação das “zonas quentes”, que indicam maior infecção e óbitos, os especialistas detectaram fatores como:

  • Na transição de janeiro para fevereiro, a cidade passou a ter dominância da variante P1, vinda de Manaus; em janeiro, 80% das amostras sequenciadas detectaram a mesma;
  • No mesmo período, ocorreu uma “explosão” de casos graves, deslocamento da faixa etária (incluindo grupos mais jovens) e reinfecções;
  • A doença passou a ter maior disseminação no “miolo” da cidade, em bairros como Benfica, Fátima, Parquelândia e outros das Regionais III e IV.

Segundo o epidemiologista, embora a tendência de novos casos atualmente esteja em queda, a onda de óbitos tende a ser mais larga

“Vamos demorar um pouco mais para diminuir o número de óbitos pelo grande número de pessoas hospitalizadas, algumas em estado grave, tanto no setor público quanto no privado”, explica.

Em comparação com 2020, ele indica que “provavelmente estamos em junho da primeira onda, quando estávamos saindo do pico”. “Você tem um declínio de casos mas sobretudo menor pressão assistencial com menos pessoas chegando às UPAs e unidades básicas de saúde”.

“Colchão social”

O especialista pondera que, nas capitais brasileiras, cerca de 80% das pessoas que morrem são moradoras de áreas periféricas. Não apenas por dificuldades no acesso à rede de saúde, mas por uma série de “desigualdades históricas”.

“São pessoas mais vulneráveis, algumas com comorbidade muitas vezes não controlada (como diabetes), que não conseguiram fazer o isolamento adequado”, percebe.

Lima Neto critica a opinião de quem “está sempre culpando os pobres por não fazerem isolamento”. Para ele, é necessário “um colchão social muito forte” que dê conta das demandas de assistência social.

Inclusive, lembra que a fome voltou para muitas famílias.

Assistência em saúde

Segundo o epidemiologista, a partir dos dados, a decisão da SMS foi colocar todos os 116 postos da Atenção Básica para atender casos suspeitos da doença. “Em qualquer um, o paciente pode coletar e receber a primeira atenção”, garante.

Já a rede municipal de média e alta complexidade, conforme o Plano Municipal de Contingência, envolve as emergências de oito hospitais secundários, seis Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e a emergência do Hospital Instituto Dr. José Frota (IJF).

O gerente também afirma que a gestão busca, através da identificação espacial de zonas “quentes”, fortalecer a vigilância epidemiológica e o rastreamento mais eficiente de contatos para, “pelo menos, interromper minimamente a transmissão”.

Risco altíssimo

Fortaleza ainda se encontra em nível “altíssimo” para transmissão da Covid-19, conforme alerta da plataforma IntegraSUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

Nas duas últimas semanas epidemiológicas, entre 11 e 24 de abril, a cidade teve tendência crescente de incidência de novos casos.

Por outro lado, ocorre tendência decrescente de internações por causas respiratórias e da taxa de positividade de testes para detecção da Covid-19.