Desobrigar uso de máscaras traz risco à população: ‘nenhum município está isolado do mundo’

Ministério Público lembra ilegalidade de liberar a circulação de pessoas sem a proteção facial e recomendou a revogação do decreto municipal de Nova Olinda

Ainda existem muitos pontos de interrogação quanto ao comportamento do coronavírus, mas há um consenso entre especialistas: o uso de máscaras permanece como estratégia eficiente para conter a doença. Por isso, a informação que uma cidade no interior do Estado autoriza a circulação de pessoas sem a proteção evidencia a ilegalidade da decisão e o risco à saúde pública.

A prefeitura de Nova Olinda, na região do Cariri, divulgou decreto municipal, nesta quarta-feira (6) desobrigando o uso de máscaras em ambientes abertos e sem aglomerações, desde que haja comprovação de imunização com as duas doses. A determinação para uso do equipamento, no entanto, permanece válida para estabelecimentos comerciais e demais ambientes fechados.

Para a decisão, foi considerado o nível de 88,7% da população adulta com esquema vacinal completo contra a doença e a redução da incidência de casos - com destaque para a desativação provisória da ala Covid-19 na última semana. Mas a análise precisa considerar outros fatores para a decisão.

A médica infectologista Mônica Façanha explica que a porcentagem divulgada deixa de fora crianças e pré-adolescentes. “Além disso, pode haver transmissão entre os adultos não vacinados e os primeiros vacinados já estão precisando da 3ª dose, porque já pode ter caído a imunidade. Tanto que Fortaleza já começou a vacinar os idosos e os profissionais da saúde. Então, é uma decisão que traz riscos”, reforça.

 Ainda não tem um ponto de corte na literatura para desobrigar o uso de máscaras. Alguns lugares estão liberando isso fora do Brasil e parte tiveram de voltar atrás, porque não era o momento
Mônica Façanha
Médica Infectologista

O Ministério Público do Ceará (MPCE) solicitou a imediata revogação do decreto municipal em até 24 horas, sob pena de providências legais, em ofício encaminhado ao prefeito da cidade durante a tarde desta quarta-feira (6). O documento, assinado pelo promotor Daniel Ferreira de Lira, lembra que já foi explicado ao gestor municipal quanto à ilegalidade de retirar a obrigatoriedade das máscaras em expediente, por Recomendação Ministerial e por contato telefônico.

COMPETÊNCIA MUNICIPAL

A Secretaria Municipal de Saúde de Nova Olinda informou, por meio de nota, que a desobrigação do uso de máscaras foi anunciada com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a autonomia da gestão municipal. “A tomada de decisão foi acompanhada apenas pelo Comitê Intersetorial que delibera sobre a Covid-19 no município”, completou a pasta.

No entanto, o MPCE, no ofício destinado à prefeitura de Nova Olinda, argumenta que a decisão do STF não permite a flexibilização das normativas estaduais ou da União, “exceto para torná-las ainda mais eficientes”. A Corte confirmou a constitucionalidade dos estados e municípios em obrigar o uso das máscaras conforme a legislação sanitária. O ofício aponta:

A decisão proferida pelo STF reconheceu que os municípios podem legislar sobre as condutas preventivas de combate à Covid-19, entretanto, não podem revogar, alterar ou flexibilizar as normativas estaduais ou da União, exceto para torná-las ainda mais eficientes. Portante, é uma competência concorrente, mas limitada ao espectro de atuação local, sem prejuízo da disciplina jurídica regional

A Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) não considera a possibilidade de flexibilizar o uso das máscaras neste momento da pandemia devido ao contexto sanitário não ser favorável à decisão.

“Todas as decisões do Plano de Retomada Responsável das Atividades Econômicas e Comportamentais são baseadas em estudos epidemiológicos e relatórios técnicos, atualizadas periodicamente conforme monitoramento”, acrescentou a Sesa por meio de nota. A legislação estadual foi aprovada pela Assembleia Legislativa, que determina a responsabilidade do Estado sobre os municípios na tomada das medidas sanitárias, como explicou a Sesa.

A população de Nova Olinda relaxou no uso de máscaras em ambientes públicos, como percebe uma estudante de 16 anos, que optou por não se identificar. “Já estamos vivendo quase ‘sem pandemia’ e não há mais temores como havia no início. Certo que ainda não acabou, isso é nítido, mas pelo fato de ter diminuído (o número de casos da Covid-19) acho que foi uma iniciativa que está de acordo com a nossa situação”, conclui.

Todos na família da estudante estão imunizados com as duas doses da vacina, mas a mesma mantém o uso de máscaras pelo receio quanto às variantes da doença. “Faz um tempo que são poucas as pessoas que usam máscaras por aqui. E mesmo que não liberassem, iam continuar na mesma, sem usar. É um avanço e um desavanço”, pondera.

A população estimada de Nova Olinda é de 15.798 pessoas, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O município tem 1.403 casos confirmados da Covid-19 e 20 mortes pela doença até esta quarta-feira (6), como registra a plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde.

SITUAÇÃO NOS MUNICÍPIOS

Sayonara Cidade, presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), ressalta a importância de não abandonar a proteção mesmo em ambientes públicos. “O decreto é feito com base em todo um estudo epidemiológico e agora nós estamos com a situação nos municípios de positividade para a variante delta e com muitos casos. Não temos um percentual de vacinas que justifique essa decisão”, acrescenta.

Não temos orientação nacional ou estadual em relação a isso e o decreto obriga o uso de máscaras, o que precisa ser cumprido, porque não podemos flexibilizar além do que já foi feito
Sayonara Cidade
Presidente do Cosems

Sobre a vulnerabilidade da população à doença, a presidente do Cosems destaca que a aplicação da 3ª dose da imunização contra a Covid-19 - recomendada para idosos e imunossuprimidos - não acontece na mesma velocidade da Capital. “Estamos com dificuldade com a vacina, porque nós não recebemos dose de reforço para nenhum grupo que foi determinado para fazer essa imunização”.

Para conter o avanço da Covid-19 no interior do Estado é feita a testagem de passageiros do transporte intermunicipal. “Nós fazemos trabalho de monitoramento nas rodoviárias. Em Barbalha, por exemplo, temos uma equipe no horário dos ônibus fazendo testes”, explica. 

Além disso, os exames devem ser analisados quanto à circulação de variantes e sobre a taxa de imunização da população no estudo em desenvolvimento, como adianta Sayonara Cidade. “Estamos com a Fiocruz numa pesquisa, com os municípios que fizeram adesão, para essa mostra de testes”, frisa.

É SEGURO SAIR SEM MÁSCARAS?

A liberação do uso das máscaras só pode acontecer, e de modo gradual, com cenário epidemiológico muito favorável à contenção da doença, como avalia a médica infectologista Mônica Façanha. “Nenhum município está isolado do mundo, então entram pessoas sem ser vacinadas ou que a imunidade já diminuiu. Então, faz sentido a preocupação com a possibilidade de novas cepas que possam surgir ou que estão em uma quantidade pequena”, destaca.

Voltar ao convívio social sem a barreira de proteção pode acontecer quando uma alta porcentagem da população geral, e não apenas adulta, for alcançada. “A imunidade gerada pela vacina é boa contra as variantes que estão circulando, mas pode ter variantes se formando à medida que as pessoas são vacinadas. O vírus pode circular com mais força”. Além disso, deve haver intensificação na vigilância para acompanhar o efeito da medida entre a população.

CENÁRIO EM OUTRAS CIDADES

Cidades brasileiras, similiar à decisão de Nova Olinda, estão flexibilizando o uso de máscaras como o município de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que publicou um decreto nesta terça-feira (5) desobrigando o uso de máscaras de proteção facial na cidade, que tem aproximadamente 924 mil pessoas.

A capital do Rio de Janeiro estuda retirar a obrigatoriedade da proteção ao estimar atingir cobertura vacinal de 75% por volta do dia 15 de outubro. Nesse período, a cidade de São Paulo espera atingir 90% da população com as duas doses e, por isso, também aponta a possibilidade de derrubar a exigência das máscaras.