Com apenas um celular com acesso à internet, realidades quase sempre difíceis estão sendo transformadas nas periferias de Fortaleza. Os produtores de conteúdo das favelas da Capital depositam suas esperanças nas redes sociais para saírem da posição de marginalizados e ascenderem economicamente. Suas produções demarcam seus territórios, com a exposição da forma como se vestem, vivem, falam e pensam.
Yarley e Rayssa, Eclético, Pobretion, Loma de Fortal e Nutri Desconstruída. Juntos, eles somam mais de 8 milhões de seguidores, que os acompanham e são por eles influenciados, a ponto de tornarem-se não apenas fãs, mas também consumidores dos seus conteúdos e de marcas de roupas, cosméticos, alimentação, e muitos outros setores, que os patrocinam.
O Diário do Nordeste publica uma série de matérias sobre o mercado de criadores de conteúdos e sobre influenciadores digitais da periferia da Capital cearense. Até sábado (5), vamos divulgar o perfil de um influencer e mostrar como eles chegaram ao sucesso nas redes sociais.
“Se não fosse a internet eu não tinha nada", confessa Maria Eduarda, ou como ficou conhecida nas redes sociais: Loma de Fortal. Não apenas ela, mas todos os outros entrevistados trazem o discurso de agradecimento à internet por possibilitar uma vida mais confortável do que a que eles tiveram na infância.
Se antes ser jogador de futebol era o meio mais rápido de uma pessoa pobre chegar ao sucesso, essa alternativa foi substituída pelos digitais influencers. “Dessa forma, assim como o sonho de ser jogador de futebol ou modelo, ser um influenciador digital parece ser algo possível, rentável e desejável! Se para jogar bola é preciso uma habilidade, para ser um influenciador é preciso jogar o jogo da visibilidade e da exposição, algo que em nossa sociedade é naturalizado”, explica Isaaf Karhawi, pesquisadora e Doutora em Comunicação Digital pela Universidade de São Paulo.
Este sonho de ter milhares e, quem sabe, milhões de seguidores, alimenta o imaginário de muita gente como uma forma de ascender rapidamente na hierarquia social, afirma a Consultora de Marketing, Gal Kury. “Parece muito fácil, quase irresistível”.
Embora exista essa crença de que ser digital influencer é algo possível, que só é preciso um celular para isso, os relatos colhidos explicitam um duro processo de desgaste emocional para chegar na posição de influenciador. Com episódios de desesperança que quase sempre culminavam na desistência da carreira digital.
Até conseguir os seus mais de 800 mil seguidores, Eclético teve mais de 50 páginas nas diversas redes sociais. “Eu era muito negativo, qualquer coisinha eu já ficava triste e já queria desistir”, afirma.
Outro processo doloroso para além da consciência desses jovens da possibilidade do fracasso, são os comentários desestimulantes que recebem no decorrer da caminhada. Yarley, que tem mais de cinco milhões de seguidores e já apareceu em programas de grande audiência como Encontro com Fátima, da Globo, sofreu bullying pelos vídeos gravados, afetando seu rendimento escolar na época.
“O maior apoio que eu tive foi de mim mesmo, quando você bota na cabeça que quer um determinado sonho, eu penso que tenho de ser confiante, você tem que ir atrás. Ter o apoio das pessoas eu nunca tive, mas agora eu tenho. Gente que nunca falou comigo agora fala”, conclui.
Outro ponto que deve ser posto em evidência, conforme afirma Gal, é que, diferentemente de muitos famosos, os influenciadores da periferia representam a vida simples e cotidiana, uma realidade próxima a de quem os segue.
De acordo com os dados atualizados do Ministério da Cidadania, no Ceará, existem 1.891.694 famílias pobres. E ao acompanhar o desempenho excepcional nas redes de alguém com poucos recursos técnicos e financeiros, ‘gente como a gente’, uma pessoa absolutamente convencional que de repente torna-se um ídolo, é uma forma de redimir o desejo de visibilidade e notoriedade frustrado dessas pessoas de baixa renda.
“É como se as pessoas transferissem os seus anseios de sucesso para alguém, os influencers passaram a não ser apenas modelos de comportamento de consumo, mas modelos de estilo de vida”
Não é nenhuma novidade para Yarley, Pobretion ou Eclético as pessoas os questionarem sobre como alcançar o sucesso e pedirem dicas para se tornarem como eles. “É muito bom ver que estou incentivando a galera a gravar. Porque isso também é um trabalho. Quando elas me pedem dicas para aprender a ser como eu sou, é muito bom, não tem explicação”, relata Pobretion.
Os influenciadores digitais se tornam símbolo de sucesso de nosso tempo. Isso se dá, principalmente, conforme explica Isaaf, devido à forma como os influenciadores surgem, que acontece a partir de processos de legitimação dentro de um grupo social.
Essa legitimação acontece porque os influenciadores digitais, para além do que o nome já entrega, são mais que sujeitos que influenciam o consumo nas redes sociais. Eles são uma nova categoria de formador de opinião. Isso significa que eles detêm características que os colocam em espaços de prestígio, em um lugar de destaque em um determinado grupo social.
Afinal, conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), houve um aumento de 260% de acesso à internet banda larga fixa no Ceará. Com mais acessos, mais visibilidade. “É como se o influenciador fosse o ‘representante’ de um grupo específico, ou seja, ele é ‘escolhido’ e legitimado por aqueles que o acompanham”, afirma Isaaf.
E quando esses influenciadores ganham destaque, consequentemente atraem quem detém os recursos financeiros. De acordo com Gal, as empresas perceberam o poder dos influencers e passaram a investir somas vultosas para contratá-los e associar seus produtos e serviços a eles.
“Hoje minha mãe não trabalha, eu sou provedor da casa, graças a deus a gente se sustenta da internet, e é incrível”
Segundo Isaaf, essa busca das empresas pelos influenciadores digitais é justamente porque eles são responsáveis por colocar pautas em circulação. Amplificando e suprimindo assuntos e também influenciando em processos de consumo e estilo de vida. Tudo isso inscritos em uma dinâmica em que ser visível é imperativo.
“Não há lugar melhor para entrar nessa dinâmica da visibilidade que as redes sociais. Nas redes, não é preciso pedir licença a ninguém para ocupar a mídia. A mídia está aberta e é democrática. E é esse discurso da democratização que chega em grupos sociais diversos”, explica.
Se antes apenas a mídia tradicional, portanto, sujeitos escolhidos a dedo poderiam produzir conteúdo, agora esse poder é distribuído. É em decorrência disso, que a Nutri Desconstruída decidiu entrar no meio digital, “produzir o conteúdo que eu produzo é ir na contramão da mídia hegemônica porque eu só consigo falar sobre isso nas redes sociais. Se não fosse as redes sociais, eu e uma porção de gente talvez não pudéssemos estar falando sobre isso”, conclui.