Bairros com intensa atividade comercial e empresarial de Fortaleza também são as áreas com maior quantidade de acidentes de trânsito na cidade, nos últimos dois anos. Centro, Aldeota, Mondubim, Parangaba e Messejana registraram o maior volume de sinistros tanto em 2019 como em 2020, na Capital cearense.
As informações são de um levantamento da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) obtido pelo Diário do Nordeste por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que compilou dados de 119 territórios.
Ao todo, 2020 teve cerca de 22% a menos de acidentes na Capital: foram 11.289, contra os 14.525 registrados no ano anterior. Provavelmente um reflexo da pandemia, quando menos veículos percorreram as ruas e avenidas por conta das restrições de circulação.
Contudo, não houve uma diferença tão importante na redução de acidentes com vítimas fatais. Em 2020, foram 188, apenas 1,6% a menos que os 191 de 2019. Os dados de 2021 ainda são preliminares. De janeiro a março deste ano, houve 1.995 acidentes, com 26 mortos e 1.867 pessoas feridas.
O Plano de Segurança no Trânsito (PST), que está em construção, confirma a maior frequência de sinistros na região central da cidade, que “pode estar associada ao elevado número de viagens produzidas e geradas nesta área”.
Vulnerabilidade no trânsito
O documento também aponta uma relação entre a frequência dos sinistros e bairros adensados, com domicílios unifamiliares e baixa renda. “Nestes bairros, há uma maior produção de viagens não motorizadas e por motociclistas, usuários mais vulneráveis no trânsito da cidade”, explica.
Segundo o Plano, a análise desses indicadores permite otimizar os esforços de fiscalização e campanhas, além da definição de tratamentos de engenharia ou operação em áreas ou vias críticas que podem ser direcionados a um determinado grupo de risco no trânsito.
A superintendente da AMC, Juliana Coelho, explica que o órgão monitora não só a quantidade, mas também a gravidade dos sinistros, que costumam ocorrer por um fator já conhecido: o excesso de velocidade.
“O perigo é quando a via tem baixo fluxo de veículos e as pessoas se sentem convidadas a exceder a velocidade, e é quando acontecem os acidentes mais graves. Enquanto poder público, estamos moderando a velocidade para que o condutor consiga responder mais rápido a um pedestre, a um veículo que entre de forma insegura na sua frente, para que ele consiga frear”, diz.
Ações localizadas
As medidas para conter novos acidentes depende da análise de diversos fatores, incluindo o desenho urbano e o comportamento dos condutores. A seguir, a AMC elenca as principais intervenções realizadas nos cinco bairros com mais sinistros na cidade:
- Centro: “super” Área de Trânsito Calmo, projeto Calçadas Vivas (Ruas Barão do Rio Branco, Floriano Peixoto e Assunção), trinário da Av. Duque de Caxias, readequação da velocidade de 50 km/h nas Avenidas Presidente Castelo Branco, Imperador e Duque de Caxias, e novas ciclofaixas.
- Aldeota: readequação da velocidade (Av. Dom Luís e Av. Santos Dumont), requalificação de Passeios (Avs. Des. Moreira e Dom Luís), instalação de infraestrutura cicloviária (como nas Avs. Virgílio Távora, Dom Luís, Santos Dumont e Rui Barbosa).
- Messejana: 250 cruzamentos com revitalização da sinalização, 10 novos semáforos, quatro novos tempos para pedestres; três novos binários; readequação da velocidade para 50 km/h na Av Frei Cirilo; 7 km de ciclofaixas e três travessias elevadas.
- Parangaba: readequação da velocidade das Avs. Osório de Paiva e Augusto dos Anjos; infraestrutura cicloviária nas Ruas Júlio Verne, Equador, Peru e Cônego Lima Sucupira; renovação da sinalização de cruzamentos semaforizados e não semaforizados, travessias elevadas e lombadas físicas.
- Mondubim: Implantação de infraestrutura cicloviária nas Ruas Pref. Ayres Evandro de Moura e Benjamim Brasil, readequação de velocidade e geometria nas Avs. Bernardo Manuel e João de Araújo Lima, travessias elevadas e lombadas físicas.
Queda em quase todos os bairros
Dos 119 bairros monitorados pelo levantamento da AMC, 99 apresentaram redução de acidentes entre 2019 e 2020. O maior decréscimo foi no Curió, com 60% de queda, passando de 40 para 16. Um bairro manteve a mesma quantidade nos dois períodos: o Dendê, com 27 sinistros em cada.
Por outro lado, 19 territórios tiveram aumento de acidentes no ano pandêmico: De Lourdes (dobrou de 6 para 12), Jardim Cearense, Vila Ellery, Parque Genibaú, Mata Galinha, Conjunto Palmeiras, Moura Brasil, Pedras, São Gerardo, São Bento, Padre Andrade, Damas, Conjunto Ceará I, Cidade dos Funcionários, Barroso, Álvaro Weyne, Cais do Porto, Dom Lustosa e Granja Portugal.
Em relação aos acidentes com mortos, 32 bairros não tiveram ocorrências em 2020, contra 34 em 2019. Ao todo, 15 bairros se destacam por não terem apresentado sinistros fatais em nenhum dos dois anos: Bom Futuro, Cidade 2000, Cocó, Curió, De Lourdes, Dendê, Guararapes, Jardim América, Jardim Cearense, Mata Galinha, Pan Americano, Parque Presidente Vargas, Parreão, Vila Ellery e Vila União.
Juliana Coelho garante que a AMC vem levando intervenções viárias a todas as áreas da cidade. Nos bairros mais movimentados, investe na ampliação de sinalização, implantação de binários e de estrutura cicloviária.
Porém, também atua no eixo educativo, sobretudo de motociclistas, perfil de usuário do trânsito que mais se acidenta na cidade; e no eixo de fiscalização, principalmente na checagem do nível de alcoolemia dos motoristas.
Já em bairros menores, mas também com áreas críticas, “temos feito melhoria de sinalização e operações tapa-buraco”, afirma Coelho.
Nenhuma morte tolerável
A professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, Camila Bandeira, observa que a Capital tem avançado, nos últimos anos, para a efetivação do conceito de Visão Zero na segurança viária - ou seja, nenhuma morte no trânsito é aceitável.
À medida que a cidade vai reconhecendo e implantando novos sistemas, vai indicando ao cidadão o que é a prioridade. Historicamente, as vias foram pensadas só para os veículos, que sempre dominaram a pauta dos meios de transporte. Agora, estamos tentando inverter essa lógica, que é priorizar os mais frágeis.
A professora elogia a medida de redução da velocidade máxima de algumas vias de 60 km/h para 50 km/h, já que “ nem sempre a fluidez tem a ver com velocidade”, mas lembra que, sozinha, ela não é eficaz.
“É questão de adaptação, aos poucos vamos nos acostumando, mas a cidade também precisa fazer um desenho urbano que oriente. Não adianta fazer a redução se a via continua muito larga, se continua difícil de atravessar a pé. Tem que reforçar o conjunto”, pontua.
Juliana Coelho, da AMC, reforça que a moderação tem como alvo as vias com alto índice de acidentes e se baseia no fato de que, em horários de pico, a velocidade média nos principais corredores da cidade é de apenas 12 km/h.
“Temos observado que, quando mudamos, apesar das reclamações, os condutores já obedecem desde o primeiro dia. As pessoas devem perceber que vivemos em comunidade, não se pode pensar em chegar mais rápido apenas ao seu destino. As vias são feitas para todo mundo”, destaca.