Casos de Covid-19 caem, mas de outros vírus respiratórios voltam a crescer em UPAs de Fortaleza

Em julho, infecções não relacionadas ao coronavírus representavam cerca de 8% dos pacientes atendidos. Até o momento, em novembro, o índice está em 21%.

A gripe é uma doença sazonal comum cuja notificação não é obrigatória no sistema de saúde, exceto quando o caso evolui para formas mais preocupantes. No Ceará, com a queda nos índices da Covid-19, voltaram a crescer os atendimentos por síndromes gripais causadas por outros vírus respiratórios.

É o que indica o monitoramento de 12 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Fortaleza, realizado pela plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Esses equipamentos de saúde são indicados, desde o início da pandemia, para acolher casos mais complexos de infecções respiratórias que possam sugerir Covid-19.

Os dados analisados pelo Diário do Nordeste se referem ao período entre julho e novembro deste ano. Quantitativamente, tanto os casos relacionados ao coronavírus como a outros vírus respiratórios estão passando por redução. Contudo, proporcionalmente, os atendimentos por outros vírus cresceram.

Em julho, eles representavam 7,89% das queixas nas Unidades. Em setembro, chegavam a 13% e, até o momento, em novembro, já representam quase 22% do total, referindo-se a infecções e pneumonias causadas por adenovírus, parainfluenza e a bactéria Haemophilus influenzae.

É importante ressaltar, contudo, que a maioria dos atendimentos realizados nas UPAs é classificada como “infecção viral não especificada”, ou seja, quando não é possível identificar o causador da síndrome gripal. Para esta análise, foram avaliados apenas os casos com agente informado.

O período de 2021 encontra paralelo com 2020. Entre julho e setembro do ano passado, a participação de outros vírus cresceu de 11% para 17%. Porém, a partir de outubro, voltou a cair, porque aquele mês foi apontado como o início da segunda onda da Covid-19 em Fortaleza.

Diferenciação complicada

Biomédico e mestre em Microbiologia Médica, Samuel Pereira explica que, clinicamente, as infecções por vírus respiratórios podem ter manifestações semelhantes, só sendo possível diferenciá-las a partir de testes laboratoriais.

Ele pondera, porém, que a capacidade desses outros agentes em levar a casos mais graves é semelhante ao Sars-Cov-2, causador da Covid-19. A diferença é que, por ser recente, o novo coronavírus pegou os sistemas imunológicos desprevenidos, logo o grande aumento de casos também refletiu na maior quantidade de casos graves.

Como ele foi introduzido agora, ainda está se adaptando, então a transmissibilidade acaba sendo maior. No caso do adenovírus e vírus sincicial respiratório (VSR), que estão circulando há mais tempo sem grandes variações, eles não conseguem driblar tanto o sistema imune e não se tornaram mais expressivos.

Segundo o especialista, o único vírus com sazonalidade maior comprovada no Ceará durante o segundo semestre é o parainfluenza. O adenovírus circula o ano todo (se relacionando também a casos de conjuntivite e gastroenterite, por exemplo), enquanto influenza e VSR tendem a ser mais predominantes no início do ano.

“Existe sim uma competição, uma disputa, entre esses vírus pelo nicho de infecções então pode haver relação entre essa queda dos casos de Covid e aumento na proporção dos outros”, conclui, destacando que o agravamento da doença depende não só dos agentes, mas das características da população contaminada.

Conforme os boletins epidemiológicos da Sesa, a vigilância da influenza no Ceará é composta pela Vigilância Sentinela da Síndrome Gripal (SG) e Vigilância Sentinela da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) de pacientes hospitalizados. Em algumas situações, não é possível obter essa identificação por não haver coleta de amostra ou por exames cancelados ou inconclusivos.

População afetada

Ainda conforme o IntegraSUS, desde setembro, as principais faixas etárias que buscam atendimento por síndrome gripal nas UPAs são jovens e adultos de 20 a 34 anos, seguidos por crianças de 0 a 4 anos de idade. No geral, as mulheres correspondem à maioria da procura.

O microbiologista Samuel Pereira explica que esses perfis não necessariamente têm a ver com os grupos mais suscetíveis, mas como representam a maior fatia da população do Estado, também representam a maioria dos contaminados.

Porém, segundo a médica pediatra Vanuza Chagas, crianças são mais sensíveis a esses vírus porque apresentam um sistema imunológico mais imaturo.

“Temos crianças tanto com sintomas respiratórios, com dificuldade de se alimentar - podendo levar à desidratação, mas também muitos quadros diarreicos porque esses vírus podem comprometer o trato gastrointestinal”, explica.

A médica orienta que sejam mantidos cuidados básicos, como a higiene das mãos, o uso de máscaras e evitar aglomerações. Também lembra que crianças com sintomas respiratórios não devem frequentar escola ou creche, para evitar outras contaminações.

Atenção para o início do ano

Apesar da maior ação de outros vírus, especialistas explicam que o segundo semestre, tradicionalmente, tem menor incidência de doenças respiratórias no Ceará. A grande preocupação é com o início do período chuvoso de 2022, nos primeiros meses do ano, quando a circulação viral deve aumentar.

“No primeiro semestre de 2022, fica a dúvida: será que vai continuar assim ou com mudanças de comportamento e clima podemos ter uma nova elevação? Essa é a preocupação atualmente: olhar pra frente e tentar imaginar o que está por vir”, pondera o infectologista Keny Colares.

Imunização

Contra a gripe, também há vacina. O imunizante aplicado no Brasil, em 2021, é trivalente, com proteção contra três tipos de cepas de vírus: A/Victoria/2570/2019 (H1N1)pdm09, A/Hong Kong/2671/2019 (H3N2) e B/Washington/02/2019 (linhagem B/Victoria).

Desde julho, ela está liberada para toda a população a partir de 6 meses de idade. Mesmo com os cuidados, se o paciente for infectado, a Sesa lembra que o tratamento precoce iniciado antes de 48 horas após o início dos sintomas reduz consideravelmente as formas graves da doença.

Segundo o Ministério da Saúde, a síndrome gripal se caracteriza quando o indivíduo tem quadro agudo com, pelo menos, dois dos sintomas: febre (mesmo que referida), calafrios, dor de garganta, dor de cabeça, tosse, coriza, distúrbios olfativos ou distúrbios gustativos.