Ação milionária contra a Zara por racismo visa 'punição mais efetiva' contra violações, diz ONG

Ideia é ampliar cultura indenizatória em matérias raciais e fortalecer o combate ao racismo no âmbito institucional

Quando duas entidades sociais ingressaram na Justiça do Ceará pedindo indenização de R$ 40 milhões à Zara pelo episódio de racismo sofrido pela delegada Ana Paula Barroso, em Fortaleza, surgiu a questão: como o dinheiro contribui para reparar a violência?

O Diário do Nordeste conversou com especialista sobre o assunto e com Marlon Reis, advogado que representa a Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes) e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, responsáveis pela ação civil pública por dano moral coletivo.

Marlon explica que a ideia dessa e das demais ações movidas pelas entidades é “aplicar punições financeiras mais efetivas contra empresas envolvidas em episódios de violações de direitos humanos”.

“Isso é comum em outros países, grandes indenizações por danos morais são impostas há muitos anos. No Brasil, é recente, e é uma cultura que precisa ser fortalecida”, pontua o advogado.

Segundo ele, a ação da Educafro contra o Carrefour, que resultou no pagamento de R$ 115 milhões de indenização pela morte de João Alberto, em junho deste ano, “foi o maior acordo da história do Brasil em matéria racial”.

A ideia é não deixar mais passar nenhum tipo de violação racial. A Educafro está em fase de constituição de escritório especializado, para atingir o maior volume possível de casos.
Marlon Reis
Advogado

Os R$ 40 milhões pedidos no caso da Zara “são uma estimativa, um valor que se considera suficiente para causar um dano econômico que faça com que a empresa se veja na necessidade de impedir que aconteça novamente”.

O destino do valor, caso as ONGs vençam a ação judicial, é o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei nº 7.347/85, para “reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico”.

Além do dinheiro, as entidades não governamentais listaram um conjunto de exigências para “alterar a maneira com a qual a empresa se relaciona com os consumidores”, como explica Marlon. Entre elas, estão:

  • Revisão dos contratos de terceirização da segurança, para exigir das empresas contratadas rigoroso treinamento dos vigilantes e supervisão permanente das suas atividades;
  • Inserção de cláusulas antirracistas em todos os contratos com fornecedores e prestadores de serviço das demandadas;
  • Exigência dos seus fornecedores prova da adoção de medidas internas antirracistas como condição para a celebração e ou manutenção de contratos;
  • Expressa permissão a todos os clientes e terceiros para que filmem abordagens realizadas no interior ou nas imediações dos prédios da empresa demandada;
  • Revisão imediata dos protocolos de abordagem de segurança no interior das lojas, proibindo qualquer procedimento que viole a dignidade humana;
  • Criação de Ouvidoria Interna e Conselho de Segurança com a participação de entidades da sociedade civil que atuam na área de Relações Raciais e Direitos Humanos;
  • Uso de peças publicitárias contra o racismo e a violência institucional, com propagandas em emissoras de TV e redes sociais de largo espectro, proporcional ao tempo da prática do crime praticado.

“Precisamos dar ao racismo um caráter institucional”

A busca por indenizações de cunho coletivo para episódios de racismo no Brasil, apesar de fenômeno relativamente recente, é fundamental para amparar vítimas e promover ações antirracistas, como avalia Zelma Madeira, doutora em Sociologia, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e colunista do Diário.

A pesquisadora destaca que “constituir um fundo que financie a promoção da igualdade racial” integra a luta do movimento negro desde a criação do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, instituído sem prever a arrecadação de recursos.

Precisamos desse fundo para efetivar ações repressivas, valorativas e afirmativas, fornecer apoio jurídico a vítimas. Parar de criminalizar o sujeito da ação e partir para as instituições.
Zelma Madeira
Doutora em Sociologia

Para Zelma, o Brasil chegou num estágio em que é urgente tratar do racismo como questão estrutural e institucional: em resumo, abolir o argumento de que os episódios são “isolados”, que ocorrem por ação de uma pessoa, e assumir que o comportamento é base de uma sociedade discriminatória.

“As empresas precisam também promover formações. Não é só colocar pessoas negras para ficar lindo na foto, representatividade vai além disso. É fornecer o letramento racial, o conhecimento da nossa História, de que o racismo é um fenômeno planetário, um passado e um presente criminoso”, sentencia.

A reportagem entrou em contato com a Zara sobre o pedido de indenização, e foi informada que a rede de lojas não iria se posicionar sobre o caso.