Morador da cidade serrana de Maranguape, a aproximadamente 25 km de Fortaleza, o executivo de vendas André Torres, de 35 anos, notou a sua vida tomar um rumo diferente ao ser diagnosticado com Leucemia Indiferenciada Aguda, com uma mutação genética do cromossomo Philadelphia (Ph+), em junho de 2018.
Com a doença, era necessário realizar um Transplante de Medula Óssea (TMO), mas a dificuldade de encontrar doadores compatíveis no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome) o fez entrar em uma nova missão.
Há três anos, André começou a sentir fortes dores de cabeça e febres constantes, mas acreditava que os sintomas não estavam ligados a nenhuma doença grave. No entanto, após buscar atendimento médico e realizar uma série de exames, ele se deparou com o choque do diagnóstico inesperado.
“Até então a gente tem a cultura de achar que essas notícias ruins que você vê na televisão, que você vê na família dos outros, só vai acontecer com um alguém muito distante, nada tão perto de você, mas sim acontece… esse foi o primeiro aprendizado que bateu na minha porta”, detalha.
Desde o dia do diagnóstico até receber a sua primeira alta, o paciente ficou 37 dias internado no hospital. “Foi o primeiro ciclo de quimioterapia, com muita incerteza, mas considero que deu tudo certo, sem muitas reações”.
“Nesse período, muita coisa a equipe médica e a minha esposa me esconderam porque, diante das condições que eu estava pelos exames, geralmente os pacientes não conseguiriam nem chegar ao hospital. Eu tinha 96% de células cancerígenas do meu sangue, isso era muito grave. A equipe médica falou pra minha esposa que eu tinha 60% de chance de não aguentar a primeira quimioterapia”, prossegue.
As circunstâncias levaram André a ter esperança de conseguir encontrar logo um doador compatível para o TMO em um dos seus dois irmãos. “Quando você tem irmãos do mesmo pai e mãe, a chance deles serem doadores é de 25%. Então, de verdade, eu imaginei que eu iria resolver esse problema dentro de casa. Só que, para a nossa surpresa, eles não foram não compatíveis o suficiente”.
A partir disso, o executivo de vendas iniciou uma saga com sua esposa e seu filho à procura de doadores, entretanto ele ainda não imaginava que isso o faria encontrar um novo propósito solidário para a sua vida.
“Começamos a entender como era difícil encontrar um doador de medula óssea no Redome, realmente precisava de um milagre para acontecer. Para encontrar um doador, as chances aqui no Brasil são de 1 para cada 100 mil. Eu entendi que também precisava fazer a minha parte, alguma coisa eu tinha que fazer”, relembra.
Caçadores de Medula
Um ponto crucial foi que, em um dos dias de internação, Torres recebeu uma foto do seu filho, na época com 1 ano de idade, caracterizado como ‘Caçador de Medula’. “Isso foi uma virada no meu tratamento. Naquela hora, eu vi que, mesmo sem ele ter noção, meu filho tava aqui fora lutando pra salvar a vida do pai dele. Me deu um fôlego muito forte pra continuar o meu tratamento sem murmurar”.
Com a ação da criança, André teve a ideia de criar um projeto que atuasse nesta causa. “Do próprio hospital, eu comecei a ligar pra empresas falando com o RH [Recursos Humanos], contando a minha história, pedindo espaço pra levar o Hemoce e realizar o cadastro de medula dos funcionários, sem eles precisarem sair da empresa”.
“A gente começou realmente a fazer um trabalho profissional, com agendas, quantidades de alienações por dia, etc. Era um ‘QG de vendas’ para que eu pudesse fazer minha parte e consequentemente aumentar as minhas chances”.
Aquilo que começou como uma busca pessoal, tornou-se algo maior. A família decidiu criar um perfil nas redes sociais, intitulado de Caçadores de Medula, que conta hoje (15) com 15,4 mil seguidores, para captar novos doadores e difundir informações claras sobre o assunto, desmistificando medos e amparando pacientes.
“Com esse Instagram, começaram a aparecer pacientes e doadores. Nós conseguimos conversar com essas pessoas e mostrar que a doação de medula é mais fácil do que se imagina. Foi aí que a coisa também se tornou um pouco mais leve, como se fosse um plano de Deus pra que eu me sentisse melhor e conseguisse ajudar outras pessoas. Hoje, o projeto continua de vento em polpa e é o meu trabalho”, detalha.
Compatibilidade
Em meados do final de 2018 e início de 2019, André conseguiu encontrar uma doadora compatível com o seu caso nos Estados Unidos, realizando o procedimento com sucesso. “A emoção de encontrar uma doadora é bem forte, ela não salvou só a minha vida, ela salvou a vida da minha família inteira com a atitude dela, fazendo com que várias outras tristezas não fossem possíveis de acontecer, só alegria”.
Mesmo com a conquista, ele decidiu manter os Caçadores de Medula em pleno funcionamento desde então. “Eu entendi isso como uma missão que Deus me deu, continuar ajudando outras pessoas”.
Um fôlego
Uma das pessoas que se sentiu amparada pelo projeto foi a nutricionista Danyella Carvalho, de 26 anos, diagnosticada com Leucemia Linfoide Aguda de Células de T (LLA-T), residente em Mossoró, no Rio Grande do Norte.
“Eu encontrei a página quando eu ainda estava em tratamento e tinha sido confirmado pelo meu médico a necessidade de um transplante de medula. Eu acompanhei todo o procedimento dele, tirei muitas dúvidas, foi uma troca de experiências muito importante não só pra mim, mas pra minha família também”.
“Foi como ganhar um fôlego naquele momento em que eu tava me afogando em meus próprios medos e incertezas, é muito bom ter uma página com tantas pessoas que estão passando pelo mesmo processo que a gente, vivenciando os mesmos temores, as mesmas dores do tratamento... É como ter uma rede de apoio. Sou muito grata a Deus por ter encontrado eles no momento certo”, continua.
Missão futura
Questionado sobre o futuro do projeto, André Torres espera conseguir alcançar cada vez mais pessoas. “Agora com o término do meu tratamento e com a pandemia acalmando um pouco, a gente vai voltar ao nosso processo de campanhas, levando o Hemocentro a diversos locais. A gente vai desenvolver toda uma organização pra angariar novos cadastros e mais doações de sangue e de plaquetas”.
Após a virada em sua trajetória de vida, André imerge em pensamentos: “se um dos meus irmãos tivesse sido compatível muito possivelmente os Caçadores de Medula não tinha nascido. Eu tinha conseguido a cura, mas o propósito e a missão não tinham acontecido. A partir do momento que meus irmãos não foram doadores, eu encontrei o meu propósito”, finaliza.
Como se tornar um doador de medula
Para a doação de medula óssea, é necessário realizar um cadastro em um dos postos do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce). Os requisitos são: ter entre 18 e 35 anos, não ter tido câncer e apresentar documento de identidade.
Hemoce
Av. José Bastos, 3390 - Rodolfo Teófilo
Contato: (85) 3101-2296
E-mail: hemoce@hemoce.ce.gov.br