No intuito de salvar cada vez mais vidas em um curto período de tempo, o processo da doação de órgãos conta com equipes de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e, até mesmo, defensores públicos no Ceará. Há dez anos, a Defensoria Pública do Estado (DPCE) fornece, em escalas de plantões de 24 horas por dia, atendimentos especiais a casos específicos no âmbito da doação.
Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), o Ceará dispôs de crescimento na maioria das taxas de transplantes de órgãos realizados no primeiro semestre de 2021 em relação ao mesmo período de 2020.
Neste ano, aconteceram 66 transplantes de rim, 78 de fígado, 49 de medula óssea, 409 de córnea e 1 de coração. No ano passado, foram 65 transplantes de rim, 71 de fígado, 28 de medula óssea, 209 de córnea e 7 de coração.
Além disso, a instituição informa que, até junho de 2021, 988 pacientes estavam ativos em filas de espera para receber órgãos no Estado e outros 14 pacientes pediátricos também aguardavam.
Conforme a Lei Nº 9.434/1997, que regulariza os transplantes de órgãos e tecidos no Brasil, a retirada do material humano só pode ocorrer após a constatação do diagnóstico de morte encefálica - registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante - e a autorização de cônjuge ou parente nos modos descritos pela norma.
Neste sentido, a Defensoria Pública do Ceará tem atuado, especialmente, nas circunstâncias onde há dificuldade de comprovação de vínculo de parentesco entre as partes, para mediar a vontade de pessoas que estejam ausentes no momento da doação ou também em ocorrências em que há a inexistência de parentes.
De acordo com a coordenadora das Defensorias da Capital, Sulamita Teixeira, um termo de cooperação técnica foi firmado em 2011 pela DPCE e a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) para viabilizar e facilitar a doação em episódios como esses. Em algumas situações, “a Defensoria pode ingressar com ação de alvará judicial requerendo autorização de um juiz para a retirada dos órgãos e tecidos do doador”.
Essa atuação precisa ser feita de forma muito rápida, porque a gente sabe que os órgãos permanecem aptos a serem doados por um período de aproximadamente seis horas, então todo esse trabalho tem que ser feito nesse período”
“Eu mesma já fiz essa atuação e é muito emocionante saber que ali, pelo seu trabalho, foi viabilizado que outras pessoas continuassem vivendo. Não deixa de ser um ato de solidariedade e amor, a gente se sente muito gratificado como instituição de participar desse processo”, complementa a coordenadora.
Ceará é referência
Neste cenário, o defensor público Régis Pinheiro comenta que o Ceará é considerado uma referência nacional na doação de órgãos. “As atuações tiveram muito êxito, a DPCE recebeu inclusive uma condecoração do Ministério da Saúde no ano de 2012 e posteriormente recebeu uma menção honrosa, no ano de 2013, do Inovare junto ao Supremo Tribunal Federal (STF)”.
A Defensoria Pública possui um grupo de trabalho (GT) na área, com dez defensores que ficam em regime de sobreaviso durante todos os dias e horas do ano para suporte das ações, no entanto a atuação deles ocorre de modo complementar. Do total de transplantes realizados no Estado, Teixeira comunica que, em média, apenas 1% necessita da mediação do órgão.
É um trabalho que a gente faz de coração, tenho certeza que todos os colegas que fazem parte do GT de transplantes se emocionam muito”
Doação em crianças
Além disso, anualmente, a DPCE realiza capacitações intra-hospitalares em instituições públicas e privadas voltadas às doações de órgãos. “A ideia é não perder nenhum órgão, principalmente os de crianças, pois há a necessidade de autorização dos dois pais e a doação em crianças é muito importante, porque quem pode doar para uma criança é somente outra criança”, explica Régis.
O defensor público relembra ainda que uma das histórias mais marcantes de sua carreira envolveu o transplante de órgãos de uma menina. “Eu estava entrando de férias e fui chamado durante a madrugada para um caso de uma criança de 5 ou 6 anos que tinha sofrido um capotamento em Itapipoca, num pau de arara. A criança veio em estado grave aqui para Fortaleza e evoluiu para a morte encefálica”.
“Foi algo muito tocante porque, na época, minha esposa estava grávida e o nome da nossa filha já estava escolhido, seria Maria Clara, e o nome da criança que faria a doação de órgãos também era Maria Clara”, continua.
A mãe estava muito comovida, porque tinha acabado de receber a notícia de que a filha tinha falecido e, nesse dia, se emocionaram defensores, médicos, enfermeiros, assistentes sociais... foi um caso que eu nunca esqueci e ainda hoje, quando lembro, eu me emociono. Foi autorizada a doação e esse gesto altruísta da família salvou a vida de outras crianças”.
Pinheiro finaliza pontuando que esse tipo de trabalho, além de especial, é muito importante. “Já ouvi de várias pessoas que autorizaram a doação de órgãos o seguinte: ‘olha meu filho faleceu, mas quando eu autorizo essa doação eu sei que meu filho vai viver, vai contribuir para a qualidade de vida de outra pessoa mesmo depois de morto”.