De multa a auxílio em dinheiro: o que diz novo Código para proteção do patrimônio cultural do CE

Nova lei descreve políticas públicas entre Estado e municípios para fomentar a proteção de bens materiais e imateriais

Bens materiais e imateriais de relevante importância para o Ceará devem ganhar reforço em políticas públicas de proteção por meio da criação do Código do Patrimônio Cultural, pela lei estadual nº 18.232, publicada no último dia 6 de novembro. A norma também institui o Sistema Estadual do Patrimônio Cultural (Siepac).

O documento busca implementar ações de promoção, proteção e realização da gestão do patrimônio cultural de forma integrada com os municípios, a sociedade civil e o Governo Federal. As prefeituras cearenses devem aderir ao novo Sistema para receber apoio técnico estadual.

“Se os municípios não fizerem o dever de casa, o Estado não vai poder intervir. Têm que ter profissionais da cultura, precisam de planejamento e ações de base dentro da sua atuação”, pondera Alexandre Freitas, assistente técnico da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult).

O Código unifica as legislações relacionadas ao patrimônio e organiza os instrumentos para identificação, reconhecimento e proteção dos bens culturais. “É um suporte de ações que o Estado tem para fomentar que a cultura seja melhor atendida no Estado todo”, completa.

Bárbara Rodrigues, presidenta do Conselho dos Dirigentes Municipais de Cultura do Ceará (DiCultura), reconhece a importância do Código por perceber grandes carências na área da preservação, principalmente nos municípios.

Em vários, falta o tripé da cultura: conselhos, planos e fundos.  Não temos ainda um olhar para isso, pouquíssimos fazem esse trabalho. A partir de legislações que nos deem esse resguardo, acredito que vai contribuir muito com a preservação do patrimônio cultural cearense.
Bárbara Rodrigues
Presidenta do DiCultura

Para a gestora, é preciso um trabalho “estreitado” entre Estados e Prefeituras que incentive não apenas a proteção, mas também a educação patrimonial. “Precisamos de reconhecimento em cada local, em cada cidade. Acredito que, sendo feito esse trabalho em conjunto com a escola e os alunos, a gente consiga trabalhar a identidade desse patrimônio com a sociedade”, afirma.

Os bens culturais, inicialmente, deverão ser mapeados e documentados. Caberá ao Siepac promover seu acesso, além de estimular a formação de profissionais em patrimônio e a aquisição de peças e obras de referência do patrimônio cultural pelo poder público.

A norma também prevê parcerias entre a Secult e as secretarias estadual e municipais de educação, cultura e proteção social para a educação patrimonial. Além disso, “serão promovidas ações de capacitação sobre a matéria aos professores da educação básica no Estado”, explica a lei.

O processo de elaboração do Código foi feito em várias etapas, com a participação de conselhos e universidades, além de consulta pública e audiências. Mais de 70 pessoas atuaram diretamente para a produção do texto, conforme o assessor técnico da Secult, Vitor Studart.

“Nós temos um diálogo constante e produtivo com a Aprece (Associação dos Municípios do Ceará) e com as secretarias de cultura. A Secult tem um programa em que nós fazemos um diálogo com diversas prefeituras para falar sobre o sistema estadual de cultura e diálogo com gestores”, completa.

Nossa lei tem o sistema do patrimônio cultural em rede com os municípios. Queremos trabalhar em cooperação porque eles conseguem fazer o levantamento e diversas ações para saber o que a sociedade aponta como importante.
Vitor Studart
Assessor técnico da Secult

E como isso pode ser aplicado? “A nossa ideia é que os municípios possam fazer contratações ou concursos para ter uma equipe qualificada para tocar as ações de preservação do patrimônio”, detalha Vitor.

Não há um prazo estipulado para as cidades aderirem ao Código, mas o processo já iniciou com a articulação da Secult. Com o Código, os municípios poderão ter maior autonomia para preservar os patrimônios identificados. 

Para David Oliveira, professor do Departamento de Administração da Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado na área patrimonial, embora a salvaguarda desses bens fomente o pertencimento social ao comemorar a identidade cearense, ainda enfrenta resistência de parte da população.

Sobretudo no caso de bens imóveis, ele explica que tombamentos podem ser vistos como instrumentos que limitam "a livre disponibilidade da propriedade tanto na sua venda quanto na sua reforma", além de sofrerem pressões da especulação imobiliária.

O professor defende o reconhecimento imediato dos bens culturais, mas recomenda, a longo prazo, levar a sociedade aos bens salvaguardados, potencializando o diálogo com essas memórias. 

"Estas iniciativas possibilitam nos reconhecermos no outro e na cidade, aumentando a agnição de nossas semelhanças e diluição de nossas diferenças, algo tão importante nos dias atuais", pondera Oliveira.

Formas de proteção

Quando finalizadas as ações e as atividades de identificação dos bens, devem ser indicadas a representatividade e significância deles para a comunidade, assim como possíveis processos de reconhecimento. Os procedimentos de identificação podem ser instaurados de ofício pela Secult ou requeridos por qualquer cidadão ou grupo.

Assim, serão definidas ações de acautelamento, ou seja, instrumentos de proteção adequados a cada caso – “preferencialmente”, pelos municípios, mas sem dispensar competências do Estado ou da União.

As formas de acautelamento incluem:

  • Inventário com Efeitos Restritivos: voltado para bens imóveis cuja preservação seja de potencial interesse público, recebendo limitações administrativas leves ou moderadas;
  • Registro: abrange a dimensão imaterial (saberes, celebrações, lugares, formas de expressão e outras práticas) cuja preservação seja de interesse público;
  • Tombamento: bens materiais poderão ser preservados por razões históricas, antropológicas, artísticas, arquitetônicas, arqueológicas, paleontológicas e memória coletiva.  Deve-se evitar o tombamento de bens já tombados por outro ente.
  • Chancela da Paisagem Cultural: os cenários cearenses podem ser protegidos no sentido de garantir a importância de ambientes onde há destaque para interação humana com o meio natural.

Premiações

Uma das novidades da lei é a criação da Comenda Patativa do Assaré, homenagem ao famoso poeta que visa a reconhecer pessoas que “tenham prestado ou prestem notórios serviços em prol do desenvolvimento da cultura popular e tradicional”. 

A entrega da medalha aos agraciados será feita pelo Governo do Estado em evento público sugerido para o dia 5 de março de cada ano, data em que é celebrado o aniversário de Patativa.

Além da comenda, foi instituído o Prêmio Gilmar de Carvalho, nome de um importante pesquisador da cultura cearense falecido em abril do último ano. Devem ser contemplados agentes que desenvolveram produção acadêmica sobre o patrimônio cultural cearense. A entrega deve ser bianual, com detalhes divulgados nos editais de cada edição.

Já o Selo Amigo do Patrimônio Cultural do Ceará vai agraciar pessoas ou empresas que tenham realizado ações relevantes em benefício do patrimônio cultural, seja por patrocínios, restauros, doações de acervos ou atividades de educação e difusão.

Auxílio financeiro

Quem receber o título de Tesouro Vivo da Cultura terá direito ao auxílio financeiro. Por exemplo: os mestres da cultura tradicional ou popular, que são pessoas naturais com destaque pelo conhecimento familiar ou com grande experiência na área, recebem pagamento a partir de um salário mínimo.

Já os grupos e as coletividades com o mesmo título recebem o auxílio financeiro para manter as atividades culturais no período de 2 anos. Nesse caso, o valor é pago de uma vez conforme a disponibilidade de orçamento, com benefício entre R$ 7,5 mil e R$ 8,5 mil.

Os recursos são limitados para 12 pessoas, com no máximo 100 registros, 2 grupos e 2 coletividades, com no máximo 40 registros para cada classificação. 

Infrações e multas

A nova legislação também estabelece infrações e multas por destruir ou intervir em bens protegidos sem autorização. A fiscalização caberá ao corpo técnico do Siepac, podendo contar com apoio da Polícia Militar do Estado e de outras forças de segurança.

As infrações incluem:

  • destruir, demolir ou mutilar coisa acautelada ou tombada;
  • reparar, pintar ou restaurar coisa tombada sem prévia autorização ou em desacordo com os parâmetros definidos pelo órgão competente;
  • realizar na vizinhança de coisa acautelada, construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade;
  • colocar sobre a coisa tombada ou na vizinhança dela anúncios e cartazes publicitários sem prévia autorização;
  • não comunicar o extravio, dano, furto, roubo ou ameaça iminente de destruição de bem tombado.

O valor das multas será calculado pela Secult de acordo com o dano aferido. Na reincidência, a infração será punida pelo dobro da multa.