Faz pouco mais de dois meses que as mensagens enviadas ao professor Gilmar de Carvalho não retornam com as respostas elegantes que estávamos acostumados a receber. Agora, os recados destinados a ele também já não se restringem a e-mails ou whatsapps, mas figuram em meios públicos, lidos e partilhados por todos que lhe querem bem. Os folhetos de cordel representam parte significativa dessas homenagens.
Mais de 30 cordelistas, a maioria cearense, têm produzido versos que reverenciam a vida e a obra daquele que dedicou boa parte da trajetória, inclusive os últimos dias, a estudar e divulgar essa expressão. João Pedro do Juazeiro é um desses poetas, com nove cordéis produzidos desde aquele fatídico 17 de abril.
“Estou em casa, sem internet, sem mídia, apenas trabalhando sobre esse grande mestre a quem eu devo tudo: minha existência, minha vida, meu trabalho. É um meio de gratidão que eu tenho para propagar os feitos dele, que são tantos”, conta o cordelista e xilogravurista.
Os caminhos de Gilmar e João Pedro se cruzaram no começo da década de 1980, durante uma viagem do pesquisador à região do Cariri. Com o passar dos anos, o atual mestre da cultura, cujo título foi reconhecido em 2019 pela Secult-CE, viu seu trabalho ganhar novos horizontes graças ao incentivo do professor.
“Em 1998, passo a fazer as primeiras gravuras para ilustrar os meus cordéis e ele foi quem me apoiou, divulgou todo meu trabalho, proporcionou toda sustentabilidade… Levou para fora do país, para Alemanha, França. Ele era o pai da nossa cultura. Meu padrinho Ciço criou a cultura popular e o professor Gilmar foi quem propagou para o País e para o mundo”, afirma João Pedro.
Coletâneas
Em reconhecimento a essa contribuição, o cordelista escreveu os títulos “O encanto de Gilmar”, “Gilmar e Patativa no céu”, “Saudades Gilmar de Carvalho”, “Dr. Gilmar, o defensor da minoria”, “Quem era Gilmar de Carvalho”, “Pequena biografia em cordel de Gilmar de Carvalho”, “O legado de Gilmar de Carvalho”, “Gilmar, o mito da cultura popular” e “Homenagem a Gilmar de Carvalho”.
Ao lado do texto “A Paixão segundo Gildecar”, de Magela Lima, esses folhetos compõem um kit reunido dentro de uma sacolinha de tecido semelhante à que o professor carregava em suas andanças. Uma xilogravura com a face do pesquisador, feita por João Pedro, ilustra essa bolsa, disponível para aquisição por R$25 no Café Passeio.
No mesmo local, pode ser adquirida por R$10 a coletânea “Cordel em homenagem a Gilmar de Carvalho”, que reúne versos de 32 poetas de cidades como Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Brejo Santo, Campos Sales, Santa Quitéria, Caucaia, Araripe, Fortaleza e Rio de Janeiro. O material também contou com a organização de João Pedro.
O desejo dele era que isso sempre progredisse, não parasse no tempo, não regredisse. Foi a maior mente brilhante que tivemos nos últimos tempos e não devemos deixar apagar essa memória, tudo quanto ele fez e construiu para o desenvolvimento progressista da cultura e da educação também”, reforça.
Outras homenagens
Ainda na perspectiva de homenageá-lo, o escritor Klévisson Viana lança este mês a obra “Meu baú de cordéis”. Seu mais novo livro guarda uma apresentação assinada pelo professor e também é dedicado a ele.
Outros poetas que escreveram homenagens a Gilmar são os cordelistas Dideus Sales, de Aracati, e Chico Fábio, de Fortaleza, cujos folhetos em reverência ao mestre foram editados por Rouxinol do Rinaré.
“Conheci o Gilmar há mais de 25 anos, na casa do Patativa do Assaré. Tornamo-nos amigos de lá para cá. Ele fez o prefácio para a segunda edição do meu livro ‘Nos cafundós do sertão’ e a orelha do livro ‘Jitiranas de Luz’. Tínhamos conversas constantes e nos encontrávamos com frequência em eventos de cultura”, recorda Dideus saudoso.
Em alguns versos disponibilizados à reportagem, o poeta partilha um pouco dessa saudade.
Aos 71 de idade
Partiu o grande escritor,
Professor de jornalismo,
Editor e curador.
Homem simples e feliz,
Da cultura de raiz
O maior pesquisador.
Partiu Gilmar de Carvalho,
Figura exponencial,
Talhado pra ler os signos
Da senda regional.
O guardião de memórias
Foi contar suas histórias
Na pátria espiritual
Chico Fábio, por sua vez, conta ter conhecido Gilmar nos idos de 1989, quando teve um dos seus trabalhos solicitados pelo pesquisador.
“Eu escrevi um cordel sobre Patativa do Assaré e o professor Gilmar me ligou pedindo autorização para publicar no livro que ele lançou intitulado ‘Cordel cantando Patativa’, o que me deixou muito honrado pois ele, como estudioso, disse que eu fui um dos primeiros cordelistas a falar sobre Patativa”, lembra.
No cordel feito para o professor, ele escreveu:
são mais de cinquenta livros
que lançados por Gilmar
enriqueceram a cultura
duma maneira exemplar
sendo um marco insuperável
pesquisador formidável
de brilho único sem par.
percorreu o Ceará
indo em cada municipio
em busca das tradições
num tempo sem particípio
descobrindo grandes mestres
que embora artistas campestres
tinham da arte um principio.
Em 2020, Gilmar voltou a dialogar com Chico com semelhante propósito. “Ele me disse que estava fazendo um novo livro e novamente me pediu autorização para publicar alguns dos meus cordéis. A partir daí ficamos muito amigos, conversávamos diariamente pelo WhatsApp”, diz.
O livro a que Chico se refere é a obra “Poéticas da voz: aboios, benditos, cantoria, cordel, emboladas, loas, saraus, torém, trovas”, que chegou a ter mais de seiscentas páginas, mas cuja versão final, intitulada apenas “Cordel”, conta 336. A obra ainda não está disponível para os leitores, mas resume a devoção recíproca entre o autor e a expressão desses artistas da palavra.
“O professor Gilmar foi um filósofo, um profeta que profetizou toda a evolução da nossa arte e da nossa cultura. Foi o maior gênio, a mente mais privilegiada e humana nos últimos tempos. Ele não construiu a si próprio, ele construiu os outros e com isso conseguiu construir-se no coração de cada um”, finaliza João Pedro, certo de que essa mensagem precisa ser melhor divulgada.
Serviço
> Kit com 10 cordéis para Gilmar, de João Pedro do Juazeiro e Magela Lima + sacola de tecido com xilogravura estampada: R$25
> Coletânea “Cordel em homenagem a Gilmar de Carvalho”: R$10
Disponíveis no Café Passeio (Passeio Público - Rua Dr. João Moreira - Centro, Fortaleza). Funcionamento: Todos os dias, de 9h às 16h. Pagamento em dinheiro, débito ou crédito.
> Livro “Meu baú de cordéis”, de Klévisson Viana: RS55
Disponível na Tupynanquim Editora. Mais informações: tupynanquimcordelbrasil@gmail.com
> Cordel “O imenso Gilmar de Carvalho”, de Dideus Sales: R$3
> Cordel “Minha homenagem ao Mestre Gilmar de Carvalho”, de Chico Fábio: R$3
Disponível na Rouxinol do Rinaré Edições. Mais informações: rouxinoldorinare@gmail.com