Seja por Dinorah Vaqueiro, da série “Cangaço Novo”, seja por Joana, da novela “Renascer”, o talento de Alice Carvalho já ganhou o Brasil. A atriz, diretora e roteirista se tornou um dos nomes mais badalados do audiovisual e, não à toa, tem tido oportunidade de dividir com vários públicos aquilo que a levou chegar onde está.
Em Fortaleza, ela fará isso por meio de participação no júri do Pitching de roteiros da Escola Porto Iracema das Artes. O evento acontece neste sábado (9), no Cinema do Dragão, a partir das 9h. Realizada pelo Laboratório de Cinema - Lab Cena 15, a iniciativa é um primeiro termômetro para medir como diferentes histórias são recebidas por olhares externos, ao mesmo tempo que estimula práticas vigentes no mercado.
“É uma oportunidade enorme que vai ao encontro do compromisso que tenho em buscar o desenvolvimento e a promoção da arte e da cultura. São valores que me formaram e que considero essenciais para o crescimento de qualquer pessoa”, divide Alice em entrevista ao Verso. Segundo ela, a torcida é para encontrar “grandes ideias e pessoas talentosas”.
Nessa expectativa, ações que reflitam a diversidade e a vitalidade da cena artística do Ceará e de todo Brasil serão componentes-chave. “Cada um sempre traz alguma nova perspectiva sobre a imensa gama de possibilidades que temos de contar, e estou muito honrada por contribuir nesse processo”.
Do jeito que dá, mas fazer
É a primeira vez da artista na Porto de Iracema das Artes – embora não em Fortaleza. Para ela, estudar nessa escola ou em qualquer outra instituição dedicada à formação artística oferece não apenas as ferramentas técnicas, mas também um ambiente para explorar e expandir habilidades e visões.
Parcerias e trocas são importantíssimas nesse processo. A conexão com outros artistas, mentores e profissionais do ramo abre portas. “E é sempre bom lembrar: por mais triste que seja, que rejeições, obstáculos e fracassos sejam inevitáveis – principalmente para a gente que fica fora do Sudeste – todos os projetos e tentativas são válidos para esse crescimento”.
O relato vem carregado de experiência. Alice iniciou a trajetória profissional no teatro como forma de canalizar energia – uma vez sempre ter sido muito hiperativa. A impressão é que essa jornada espelha alguns desafios e sonhos compartilhados por muitos que buscam realizar talentos nessa indústria.
“Eu amava o teatro e a dramaturgia. Passei a escrever para poder atuar, já que não surgiam muitas possibilidades. Depois as coisas foram ficando mais sérias, e assim fui realizando meus projetos e me experimentando artisticamente. Uni uma galera da minha cidade que também queria fazer arte e fomos realizando nossas próprias coisas do jeito que dava e com o que tínhamos”.
Professores, familiares e amigos são creditados como cruciais nesse trajeto – até mesmo para se entender como pessoa que realiza. Ao lembrar das já citadas Dinorah Vaqueiro e Joaninha – com as quais passou a se tornar conhecida em todo o país – Alice é firme: são duas personagens muito potentes e com várias especificidades.
“Ambas me permitiram explorar questões sociais e históricas relevantes para nosso país e que precisam ser discutidas. Para interpretar Dinorah, por exemplo, o preparo foi voraz. É uma personagem que carrega isso e que tem uma força descomunal. Ela não apenas rompe com as expectativas tradicionais, mas também oferece uma nova perspectiva sobre o papel das mulheres nessas narrativas e na vida”.
Joaninha, por sua vez, tem outro lugar, mas ainda sim de muita coragem. É mulher observadora, e a pesquisa empreendida pela atriz para interpretá-la está sendo um mergulho na lama, como boa catadora de caranguejo que ela é. Não deixa de ser um mergulho também no Brasil profundo, nas histórias das identidades que muitas vezes passam despercebidas.
“É uma mulher que existe mas que é pouco retratada. Ela é a personificação de todas aquelas batalhadoras, mães e cuidadoras que enfrentam muitos desafios diários, mas ainda encontram força para sorrir e seguir em frente. Sem romantização e espetacularização da pobreza dela, sempre tentando ser real. E, claro, não poderia deixar de agradecer a imensidão que é ter Irandhir [Santos] comigo nessa”, divide, referenciando o ator pernambucano.
O que faz um bom roteiro
As impressões sedimentam o que Alice considera ser um bom roteiro – principal foco da presença dela em Fortaleza. Não é algo simples. Na busca por reunir os pontos primordiais, considera que um bom roteiro é aquele que carrega uma boa história, com temática relevante para além da superfície.
Além disso, precisa ser compreensível para ser filmado, combinar a estrutura narrativa com personagens bem desenvolvidos, complexos e com motivações claras e diálogos que desenvolvem de fato os personagens da trama.
“Para mim, as narrativas que ultrapassam são as que pegam no sentimento, que desafiam as convenções estabelecidas, que nos deslocam e, de fato, promovem algum tipo de transformação”. Algo não raro de se encontrar na produção nacional contemporânea, felizmente. A visão da diva é otimista: a cena audiovisual brasileira está caminhando para um lugar melhor do que estávamos há alguns poucos anos atrás.
“Tenho notado maior busca por diversidade e reflexão sobre a complexidade da sociedade brasileira nas múltiplas camadas e perspectivas. Acredito que estamos testemunhando mais histórias sendo contadas, abrangendo desde narrativas pessoais até questões sociais urgentes e políticas. Então, temas como desigualdade, racismo, LGBTQIAPN+, feminismo, meio ambiente, violência e justiça social têm ganhado maior visibilidade”.
Quanto à qualidade, percebe que também estamos no caminho de uma melhoria significativa na produção técnica e na narrativa das obras audiovisuais. O investimento nas mãos certas, aliado ao avanço tecnológico e à internacionalização do cinema nacional, tem elevado o padrão artístico e a repercussão global das produções brasileiras.
Por outro lado, ressalta, ainda estamos a muitos milhões de quilômetros. Foi bastante tempo com as mesmas representações e narrativas. A mudança, assim, ocorre de forma gradual e precisa de muitos fatores para se estabelecer.
“Ainda lidamos de forma feroz com a falta de financiamento adequado, a concentração de recursos nas mãos de poucos e temos a necessidade de ampliar o acesso e a distribuição das obras audiovisuais para públicos diversos, especialmente fora dos grandes centros urbanos. A cena audiovisual brasileira é vibrante, pulsa forte e tem muita gente talentosa. Só precisamos de mais oportunidades para novas pessoas e mais espaço para o crescimento e a evolução das narrativas e das vozes que moldam nossa identidade cultural”.
Investir na juventude
Entre a defesa pela ampliação de redes de distribuição, a promoção de festivais e mostras de cinema, a facilitação do acesso a plataformas de streaming e a busca por oportunidades de exportação e coprodução internacional, Alice carrega vários sonhos no coração. O principal nessa seara talvez seja valorizarmos nossas próprias obras, talentos e trabalho.
“É necessário investir mais nesses jovens talentos porque eles representam o futuro da nossa identidade artística e cultural, além de serem possíveis agentes de mudança e reflexão na sociedade. Ao investir neles, estamos apostando na renovação da cena artística brasileira porque eles trazem consigo novas perspectivas, experiências e formas de expressão”.
Junto à Alice Carvalho no júri do Pitching, estarão também a jornalista Ana Paula Sousa; a produtora Caroline Louise; o roteirista Leo Garcia; as produtoras Tereza Gonzalez e Monique Rocco; e Gabriela Azevedo, representante da área de aquisição e projetos do Canal Brasil.
Representando o Projeto Paradiso, instituição parceira do Cena 15 desde 2018, o Pitching também contará com a participação de Safo Nunes, analista de Comunicação e Gestão de Talentos.
Os roteiros desenvolvidos no Lab Cena 15 recebem diversos prêmios em cada Pitching, e neste os vencedores serão agraciados com apoio de R$ 5 mil, além de mentorias, cursos, entrada gratuita em cinemas e consultoria de revisão de roteiro com Karim Aïnouz.
“A arte não é apenas uma forma de expressão, mas também uma indústria que gera empregos, impulsiona o turismo e contribui para a formação de uma identidade nacional forte. Se fornecermos acesso a educação, financiamento, espaços de exposição e oportunidades de colaboração, estamos capacitando esses jovens a transformar as próprias visões em realidade, a provocar reflexões, aumentar a capacidade crítica e a contribuir de forma significativa para o panorama cultural brasileiro e internacional”, conclui Alice.
Serviço
Décima primeira edição do Pitching da Escola Porto Iracema das Artes
Neste sábado (9), a partir de 9h, no Cinema do Dragão (Rua Dragão do Mar, 81 – Praia de Iracema). Acesso gratuito e aberto ao público