São quase 500 anos desde que a cachaça surgiu no Brasil. Genuinamente tupiniquim, nem parece ter essa idade toda. Ostentando cara e comportamento de debutante, ocupa do boteco ao restaurante requintado, satisfazendo os menores e maiores bolsos. Uma camaleoa.
Nesta terça-feira (13), Dia Nacional dedicado à bebida, a pergunta que lançamos é: por que esse destilado é tão querido e popular? O que explica a onipresença da cachaça na cultura cearense e de que forma ela ganha mais adeptos dia a dia? Um dos maiores militantes da iguaria em todo o País, Altino Farias é ágil na resposta.
“O Ceará tem um passado de forte tradição na produção da cachaça. Nos anos 1960, 1970 até meados dos anos 1980, tínhamos grande variedade de rótulos. O baixo custo dela à época a fazia acessível a todos. Essa conjunção de fatores – tradição, qualidade e preço barato – conquistou apreciadores apaixonados”, explica o membro da Cúpula da Cachaça e proprietário da Embaixada da Cachaça, instituição que realizará programação contemplando a efeméride.
Segundo ele, os primeiros registros de produção no Brasil datam de 1532, em São Vicente (SP). A cachaça antecede outras bebidas tradicionais da América Latina, a exemplo de rum, tequila e pisco. Porém, ao longo de muitos anos – séculos até – viveu em uma espécie de clandestinidade técnica, uma vez não haver regulamentação oficial sobre ela.
Assim, cada um fazia a “sua cachaça”, resultando numa falta de padrão, qualidade variável e preços de baixíssimo valor agregado. “Esses elementos fizeram dela uma bebida menor, não aceita em ambientes sociais mais requintados, consumida pelas classes sociais menos favorecidas e associada a excessos no consumo de álcool”.
O pulo do gato se deu somente em 2005, mediante a criação da lei que define rigorosamente o que é cachaça. Hoje, ela é reconhecida e apreciada internacionalmente, após padronização do produto e investimentos em produção e pesquisas. Lugar de destaque, onde merece estar.
A ideia da destilação
Mais um pouco de História. Logo nos primeiros anos em solo brasileiro, os portugueses trouxeram para o país a cana de açúcar, originária da Índia. Também incorporaram a técnica de destilação em alambiques. Em dado momento, alguém teve a ideia de destilar o caldo fermentado da cana, obtendo a atual cachaça. A produção rapidamente se espalhou pelo litoral.
Uma vez ser tudo muito informal, não há registros de como exatamente essa expansão se deu. O Ceará, por exemplo, tinha vários pólos produtores da bebida, a exemplo da região que compreende Acarape a Baturité, Maranguape, Mombaça, Cariri e Viçosa do Ceará.
“Embora marginalizada, nossa cachaça tinha o reconhecimento de uma boa parcela de apreciadores de bebidas do Estado. Rótulos como Bagageira, Chave de Ouro, Dandiz, Canaã e Alencarina ficaram na história, e os exemplares remanescentes hoje são disputados por colecionadores”, contextualiza Altino.
Infelizmente, a produção limitada e o baixo valor agregado à época foram desestimulando a continuação da atividade dos alambiques, e o espaço foi sendo naturalmente preenchido por cachaças de produção em larga escala e baixo custo. Por outro lado, há muito o que se comemorar.
Neste ano, a cachaça cearense Aviador Prata, fabricada no Sítio Uruoca, interior de Viçosa do Ceará, conquistou o título de Melhor Cachaça do Mundo no concurso internacional London Competitions. O fabricante também levou o segundo lugar com a Cachaça Aviador Premium Ipê. A competição aconteceu nos dias 23, 24 e 25 de março, em Londres (ING).
Além disso, no último mês de abril, a quarta-feira entrou no calendário social de Fortaleza como o dia da Rota da Cachaça. Cinco bares e restaurantes de diversos bairros da Capital participam da iniciativa da Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Onde tomar uma boa cachaça?
Cachaças de qualidade podem ser degustadas em bares e restaurantes de todas as categorias. Há casas que privilegiam a bebida com boa variedade de rótulos, possibilitando experiências sensoriais únicas.
Complexo Pirata, Cantinho do Frango, Embaixada da Cachaça, Giz Cozinha Boêmia e Raimundo do Queijo são os endereços mais indicados. Eles, inclusive, integram a Rota da Cachaça em Fortaleza. Cada um com um estilo e modo próprios, fazem o destilado chegar ao consumidor na medida certa.
Certo é que a produção de cachaça de alambique quase foi extinta em nosso Estado. A região de Viçosa do Ceará resistiu aos tempos adversos – talvez por ainda não possuir naquela época uma formalização de destilarias, sendo o comércio mais localizado e limitado. Hoje, alambiques do município estão procurando o registro dos próprios produtos nos órgãos competentes e a excelência técnica na produção para ganhar novos mercados.
A cachaça Aviador, por exemplo, conforme já mencionado, conquistou importante premiação em concursos nacionais e internacionais de destilados, e está em fase final do processo de identificação geográfica das cachaças da região conduzido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
No Cariri, também surgem novos projetos para produção de cachaça. Tudo isso se deve em parte ao bom momento que a bebida desfruta em todo o País. “Parece que, finalmente, agora a cachaça vai ocupar um merecido lugar de destaque”, festeja Altino Farias.
“Vejo a cachaça e o consumo responsável dela de forma meio lúdica. Romântica até. Ela é modesta, simples, agregadora. Indutora de amizades, inspiradora de bons pensamentos. De uma roda de cachaceiros sempre saem coisas positivas: músicas, poesias, debates acalorados sobre política ou futebol, até simples abraços e uma nova amizade”.
Tudo isso se reflete na cultura da cidade, com boa parte das atividades envolvendo cachaças ocupando bares e botequins, dos mais elegantes aos mais modestos. A movimentação permite a continuidade da produção de bebidas feitas por nós mesmos e por outros Estados, gerando empregos indiretos, recolhimento de impostos, entre outros benefícios.
“Cachaça é cultura e relações sociais, caminhando lado a lado com a gastronomia e com o desenvolvimento econômico”. Um gole para comemorarmos, por favor.