Composição, canto, rap, beats, produção, pós-produção, distribuição e mais: aos 24 anos, o rapper, DJ e beatmaker Gabriel Omar faz muito de tudo, seja nas próprias músicas ou em trabalhos colaborativos com outros artistas cearenses.
Consagrado na cena como Emiciomar, Gabriel baseia o trabalho autoral em um mix de sonoridades que contam sua história: do forró que ouvia na infância em Pacajus, onde morou por 20 anos, passando pelo rock que conheceu na adolescência e chegando a ritmos que fortaleceram sua identidade musical, como o rap e o funk.
Além da música, Omar explora outras áreas artísticas, como cinema – área de sua formação acadêmica – e produção de eventos, segmento onde vem desenvolvendo projetos como o Baile do Marrom, seu primeiro como empreendedor.
Apesar de ter mais de cinco anos de atuação no cenário musical da Região Metropolitana e de Fortaleza – onde mora há dois anos –, o primeiro registro fonográfico “oficial” de Omar veio somente em dezembro passado. “Preto”, álbum de estreia do artista, tem dez faixas e simboliza o “fechamento de um primeiro ciclo e a abertura de novos caminhos”, segundo o rapper.
Antes do disco, o artista lançou ainda a mixtape A Braba (2019) e o EP Marrom (2022), primeiros experimentos em que trabalhou na música de ponta a ponta, de forma independente, realizando todos os processos.
A vontade de aprender a escrever e produzir música, porém, veio bem antes, embalada pelas rimas que conheceu em batalhas entre Pacajus e Fortaleza. “O contato com a cultura do hip hop veio quando eu tinha uns 10 anos, mas não levei muito pra frente. Com 15 anos, voltei a me aproximar do hip hop, mas só como consumidor. A virada de chave foi quando descobri as batalhas de rap”, lembra.
Na mesma época, uma palestra do rapper Felipe Rima no Centro Cultural Maloca dos Brilhante, em Pacajus, foi definitiva para Omar vislumbrar a possibilidade de transformar a música em uma possibilidade de futuro.
“Ele apresentou a poesia de uma forma diferente. Fez uma rima sobre o poema No Meio do Caminho, do Drummond, mas trazendo para a realidade dele – e aí eu entendi exatamente o que ele dizia, e entendi que poesia não é só o que tá na escola”, rememora.
A conversa no único equipamento cultural na cidade em que morava definiu que existia um caminho. Depois dali, Omar percebeu que podia fazer poesia através do rap e começou a desenvolver as primeiras letras, que apresentava ainda sem beat, apenas com a voz e um violão.
“Foi na Maloca onde fui apresentado à arte, ao teatro, à música, a palestras. E se não fosse a arte, não sei o que teria sido de mim, vindo de um meio em que a gente tem muita oportunidade de jogar tudo pelos ares”, destaca o MC.
Vetin, acredita no teu sonho que se não é teu fim / E se eu tô aqui falando é porque tu tem que ouvir
“Preto” e a responsabilidade do MC
Lançado em dezembro do ano passado, o álbum “Preto” profissionaliza o trabalho independente que Omar vem desenvolvendo na última década. O disco tem dez faixas e traz participações de Lêza, Agê, Merson Diferente Estilizado, Roni Flow e Mumutante – uma das grandes parceiras musicais de Emiciomar, com quem divide o single "Vai Dá Bom".
No trabalho, o rap domina, mas há espaço ainda para gêneros como reggae, pop dancehall e trip rock, com referências que vão de artistas cearenses a nomes como Beyoncé, Bob Marley e Gorillaz.
Se Omar vê a primeira mixtape como “uma coletânea de rascunhos que nasce da vontade de existir musicalmente” e o EP Marrom como “uma forma de apresentar, de forma rápida, o corre que estava tocando nos palcos”, ele reconhece a evolução técnica e conceitual que apresenta no álbum de estreia.
“Gravei o 'Preto' com os mesmos recursos, mas já sabendo das coisas”, explica. O projeto, que inicialmente seria lançado como um segundo EP, virou álbum por influência e apoio do rapper Nego Gallo, que chamou Omar para ser DJ em seus shows e contribuiu para o planejamento de um setlist mais robusto.
“Quando conheci o Nego Gallo, foi uma loucura, porque ele já era referência pra mim há muito tempo e já me conhecia, conhecia A Braba. Foi um momento transformador na minha vida. Percebi que não era fácil, mas que era possível ter uma carreira, ter um nome. Foi quando vi que precisava soltar um álbum mais aprofundado”, afirma.
Naquele momento, a vontade de lançar um disco se tornou, mais do que um objetivo pessoal, uma missão para Omar. Ele conta que, com o passar dos anos, viu os colegas de batalha abandonarem a música pela necessidade de encontrar caminhos mais rentáveis. “Foi quando eu entendi a responsabilidade que a gente tem como MC”, ressalta.
“Hoje eu estou me sustentando. morando só e vivendo disso, aos trancos e barrancos, e sabendo com quem eu tô falando – e eu tô falando diretamente com os vetin, com a galera que pula catraca pra ir pra um rolê, que não tem dinheiro pra pagar um ingresso, porque quem consome rap, reggae, funk é a população periférica que teve todos os acessos historicamente negados”, pontua.
Meu próximo álbum deve falar um pouco sobre essa narrativa ‘retirante’, inclusive o movimento que fiz ao vir de Pacajus pra Fortaleza, que não deixa de ser uma movimentação, já que aqui há uma outra realidade cultural
Por isso, afirma Emiciomar, mesmo as canções que parecem mais descontraídas – como a dançante Pode Crer, um dos hits do álbum – têm uma mensagem mais forte por trás, que chega a quem deve chegar.
“Por mais que tenha energia, ‘Preto’ também é sério. Tem muito sarcasmo ali e um ‘alto astral’ que é um deboche, mesmo. É uma forma de lidar com as nossas frustrações e dizer ‘a gente tinha tudo para não estar vivo, mas a gente tá vivo e tá bem. Às vezes nem tão vivo, nem tão bem, mas a gente luta para não precisar abandonar o rap".
Autoestima cultural e as possibilidades “fora do eixo”
Apesar de destacar a importância de nomes globais do pop, reggae e rock para a construção de seu trabalho, Emiciomar é enfático ao ressaltar que as pessoas que mais o inspiram estão em Fortaleza. Má Dame, Nego Gallo, Mumutante e Outragalera são alguns dos artistas determinantes para o trabalho que o rapper vem desenvolvendo e pretende construir nos próximos anos.
Omar concorda que, especialmente após a pandemia, nomes da Capital têm se destacado regional e nacionalmente, a exemplo do amigo Mateus Fazeno Rock. Mas lembra que esse sucesso, além de chegar para poucos, não significa que as dificuldades de quem faz música de forma independente nas periferias foram superadas.
“São poucos os artistas que conseguem fazer. E iguais aos que conseguem, nós temos 30, 50 em cada bairro, porque aqui é muito rico culturalmente. Só que o público não reconhece, os contratantes também, o que faz com que o 'artista local' tenha cachê menor. No Rio de Janeiro, o 'artista local' é global. A gente precisa ter uma autoestima cultural”, afirma.
O rapper destaca que as métricas das plataformas digitais já apontam que quase metade do seu público é do Rio e de São Paulo, onde trabalhos como “Preto” têm sido mais abraçados do que no próprio Ceará.
A dificuldade da valorização dos artistas do Estado pelos próprios cearenses tem impactado a divulgação do novo trabalho de Omar. Dois meses após o lançamento do disco, o artista enfrenta desafios para emplacar shows e manter os equipamentos que usa para produzir música. Recentemente, ele lançou uma rifa no Instagram para auxiliar nas despesas profissionais.
“Eu trabalho como freeelancer, acabei perdendo alguns trabalhos e tive prejuízos recentes com computador e celular. É muito louco eu estar fazendo isso, porque eu deveria estar indo atrás de vender show. Só que, como artista independente, eu primeiro tô fazendo uma rifa para ficar vivo”, ressalta.
O Baile do Marrom, festa que organiza há dois meses e que terá nova edição no próximo dia 2 de março, é uma das tentativas de mudar o cenário de desafios. “É um empreendimento que quero tocar pra frente, assim outros movimentos. Quero fazer uma oficina de beat e outras formações, porque atualmente só 40% do meu sustento vem da música. Meu objetivo é alcançar esse reconhecimento e trabalhar mais para mim mesmo”, completa.
Ao olhar para o futuro, porém, Emiciomar não deixa o otimismo de lado, com a certeza de que a música nunca sairá da sua vida, mesmo que outros trabalhos – bem-vindos no momento, destaca – surjam.
“A gente tá conseguindo resistir, sim, e prosperar. A meta é que um dia a gente não precise se mudar, a gente consiga viver de arte aqui, o que ainda não é possível para quem não é herdeiro”.
Serviço
Para ouvir: No Spotify, na Deezer e no YouTube
Para seguir nas redes sociais: @emiciomar e @baile085marrom