“Minha mãe, meu pai, meu povo. Eis aqui tudo de novo”. O início da música “Tudo de Novo”, a primeira do álbum “Caetano Veloso e Maria Bethânia - Ao Vivo”, de 1978, define bem o tom da turnê Caetano & Bethânia, primeira dos irmãos baianos juntos em 46 anos: uma homenagem à própria história, mas também à história da música popular brasileira.
O primeiro show do esperado reencontro nos palcos ocorreu no dia 3 de agosto deste ano, em São Paulo, mas só neste sábado (16) os fãs cearenses – e de diversos estados vizinhos, como o Piauí – puderam assistir ao show inédito em Fortaleza, na Arena Castelão. A apresentação estava prevista para às 21h, mas o público começou a chegar ainda no fim da tarde, ansioso para a abertura dos portões, marcada para às 18h.
O show começou no horário previsto, algo já esperado entre os fãs de Caetano e Bethânia, conhecidos pela pontualidade nas apresentações. Quando as luzes se apagaram e os 14 músicos – entre eles, o convidado especial Pretinho da Serrinha – foram, pouco a pouco, ocupando o palco, o público comemorou: para muitos ali, era a primeira chance de ver os dois artistas ao vivo, e vê-los dividindo o palco e o repertório se mostrava um grande presente.
Sob muitos aplausos, os irmãos entraram no palco e iniciaram a apresentação com “Alegria, Alegria”, seguida por “Os Mais Doces Bárbaros”, canção que foi acompanhada de diversas fotos da juventude do quarteto formado por Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e Gilberto Gil.
O setlist seguiu com músicas de diversas fases da carreira de Caetano e Bethânia, além de composições de amigos e parceiros musicais – mas sem grandes surpresas, seguindo o modelo adotado em outras capitais que receberam a turnê.
As quase 40 músicas foram acompanhadas de recortes fotográficos que contavam parte da biografia de Caetano e Bethânia, com especial atenção aos anos formativos, da infância à juventude.
No primeiro bloco do show, os irmãos ainda tocaram “Gente”, “Oração ao Tempo”, “Motriz”, “Não Identificado”, “13 de Maio”, “Samba de Dois Dois” e “Milagres do Povo”, além de uma homenagem a Gilberto Gil, com “Filhos de Gandhi”.
O repertório do show contou ainda com “Eu e a Água”, “Tropicália”, “Marginália II”, “Um Índio” – entoada junto a imagens que reverenciam os povos originários brasileiros – e “Cajuína”, além de blocos de músicas cantadas individualmente por Caetano (“Sozinho”, “O Leãozinho”, “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, “Você é Linda” e “Deus Cuida de Mim”) e Bethânia (“Brincar de Viver”, “Explode Coração”, “Negue” e “As Canções que Você Fez Pra Mim”).
Além do tradicional bloco de canções em exaltação à escola carioca Estação Primeira da Mangueira, a dupla seguiu a apresentação com uma homenagem à Gal Costa. Juntos, os irmãos cantaram os sucessos “Baby” e “Vaca Profana” e emocionaram o público. “Gal para sempre!”, declararam.
Na etapa final do show, Caetano e Bethânia cantaram “Gita”, composição de Raul Seixas e Paulo Coelho regravada pela filha de Dona Canô, “O Quereres”, “Fé” – faixa da cantora Iza que já se tornou uma canção fixa do setlist da turnê –, “Reconvexo” e “Tudo de Novo”.
Para além do contemplativo, o repertório buscou demonstrar a atualidade das músicas do duo – ressaltando características próprias de cada um, como a potência vocal de Bethânia e a versatilidade musical de Caetano, que incluiu até um louvor evangélico do pastor Kleber Lucas em seu setlist individual.
A grande surpresa para os fãs cearenses, no entanto, ficou reservada para o fim da apresentação. Como fizeram em outras cidades, a exemplo de Belém e Brasília, os irmãos escolheram uma música especial para cantar em Fortaleza: “Mucuripe”, composição de Belchior eternizada por Fagner.
Um trecho da letra foi cantado em reverência à capital cearense: “As velas do Mucuripe / Vão sair para pescar / Vou levar as minhas mágoas / Pras águas fundas do mar / Hoje à noite, namorar / Sem ter medo da saudade / Sem vontade de casar (...) Aquela estrela é dela / Vida, vento, vela / Leva-me daqui”.
“Bravo, Belchior”, exclamou Maria Bethânia. Após a interpretação de “Mucuripe”, a dupla emendou o refrão de “Odara” para se despedir de Fortaleza.
Já histórica, a turnê Caetano & Bethânia segue, ainda este ano, para Salvador (30/11) e São Paulo (14, 15 e 18/12). A série de shows deve ser encerrada em março do ano que vem, após novas apresentações em Salvador (08/02) e no Rio de Janeiro (15/03) e uma apresentação única em Porto Alegre (22/03).
Emocionados, fãs celebram o encontro com Caetano e Bethânia em Fortaleza
Animados, famílias, grupos de amigos e casais de todas as idades encheram o estádio. Alguns deles destacaram a animação em ver, novamente, a Arena Castelão sendo palco de uma grande turnê musical – que, inicialmente, não viria à Fortaleza.
O alvoroço que a turnê dos dois irmãos causou não foi à toa: com ares de homenagem e um quê de despedida, a série de shows foi pensada para emocionar gerações de fãs – dos trabalhos da dupla há quase 50 anos aos mais jovens, que conheceram e se apaixonaram pelos irmãos como “herança” de pais, tios ou avós.
Muitos deles, empolgados, trajavam camisetas e acessórios em homenagem aos irmãos Veloso. Algumas das estampas chamavam a atenção pelo viés divertido: uma delas, por exemplo, trazia uma foto dos dois irmãos jovens, posando para a câmera, com os dizeres “Velosos e Furiosos”. Outra trazia uma foto de Maria Bethânia e a frase “Mostra que tu é intensa”, em alusão à uma fala da personagem de Sônia Braga em Aquarius (2016).
A gerente de recursos humanos Charlene Brandão foi uma das que preparou um look especial para o show. Empolgada com a chegada da turnê a Fortaleza, ela decidiu recriar a notícia-meme “Caetano Veloso estaciona carro no Leblon”.
Também trajadas em homenagem a Caetano e Bethânia, as amigas Amanda Clarice e Lana Nadine Freitas, ambas com 27 anos, vieram de Teresina (PI) para curtir o show. “Assim que a gente soube que ia ter show aqui em Fortaleza, eu fiquei muito animada e comprei logo o ingresso, porque sou muito fã da Bethânia, principalmente”, contou Amanda.
“É de família ser fã de Caetano e Bethânia, meus pais curtiam muito e eu aprendi a gostar. Estou muito feliz, fico até emocionada, porque vou ver Bethânia de perto. É um sonho realizado”, completou.
Quem também compartilhou o amor pela música em família foi o casal cearense Gertrudes Costa Sales, 58, e João Maia, que curtiu o show com o filho, João Vitor Sales, 28.
Após o show, Gertrudes contou que estava ainda mais ansiosa por ter comparecido à cerimônia que concedeu o título de Doutora Honoris Causa à Maria Bethânia nesta sexta-feira (15), na Concha Acústica da Universidade Federal do Ceará (UFC), e visto a cantora de pertinho.
“Foi muito emocionante. A união dos dois é muito grande e a gente vê que eles têm uma convivência muito boa”, comentou. “Fiquei feliz por ver ‘O Leãozinho’”, completou. Já João, um apaixonado pela Tropicália, se empolgou já no início do show, ao ver “Alegria, Alegria” e “Cajuína” ao vivo.
O filho do casal se orgulhou ao comentar como os pais o ajudaram a se tornar um grande fã de Caetano e Bethânia. Ele aproveitou o show em Fortaleza para ver a apresentação dos irmãos Veloso pela segunda vez, após conferir o show de Curitiba (PR) – dessa vez, junto dos pais, em uma experiência inesquecível.
“Se hoje eu gosto, venero Caetano e Bethânia, é muito por causa dos meus pais. Cresci ouvindo MPB e me apaixonei”, contou.
O casal Ananka Souza, 30, e Bruno Sales, 26, também foi ao Castelão cheio de lembranças afetivas. Ananka conta que, desde a infância, quando ainda morava em Teresina (PI) com os pais, Francisco e Maria José, acompanhava Caetano e Bethânia. Pela primeira vez, conseguiu vê-los ao vivo – e levou o esposo para acompanhá-la na realização do sonho.
“Superou as minhas expectativas. Me lembrou muito os meus pais. Foi muito emocionante, incrível, quase que eu choro”, contou Ananka, sorrindo. No meio do show, ela conseguiu fazer uma chamada de vídeo com Francisco e Maria José para mostrar um pouquinho da apresentação, o que tornou a experiência ainda mais especial.
Um ponto que chamou a atenção na apresentação, segundo Ananka, foi pensar no que ela representa: a longevidade da carreira de Caetano e Bethânia. Hoje, Caetano está com 82 anos, e Maria Bethânia, com 78. Ambos começaram a trajetória na música ainda muito jovens, perto dos 20 anos.
Por isso, a turnê tem sido retratada como um momento histórico para os próprios artistas, mas sobretudo para os fãs mais jovens, como Ananka, que conheciam e ouviam a história de Caetano e Bethânia, mas agora tem conseguido, de forma única, vivenciá-la. “Vê-los com tanto vigor para fazer o show foi uma realização”, concluiu.