Com o fim do ano se aproximando, as listas de álbuns, músicas e artistas mais ouvidos de 2023 ganharam destaque. Uma das mais famosas e esperadas, a retrospectiva do Spotify apontou que, enquanto o sertanejo segue dominando o ranking de artistas mais ouvidos no País, há outro gênero musical chamando a atenção para o Brasil no exterior: o brazilian phonk.
De acordo com a lista, o phonk brasileiro foi o ritmo nacional mais ouvido em países estrangeiros. A música mais tocada, MONTAGEM - PR Funk, de Mc GW, Mc Menor do Alvorada e S3BZS, é uma das mais conhecidas do gênero mundialmente, e o número de playlists focadas no gênero também despontou desde o início do ano.
Além disso, dos cinco artistas brasileiros mais ouvidos lá fora, três fizeram sucesso com hits de phonk: logo após Alok (1º do ranking) e Anitta (2ª na lista), vieram Crazy Mano (em 3º lugar), MC GW (em 4º) e MC Menor do Alvorada (em 5º). Os ouvintes são de diversos países ao redor do globo, mas a audiência do Leste Europeu e do Oriente Médio se destaca – e é formada especialmente por ouvintes jovens, das gerações Z e millennial.
O termo “brazilian phonk” já fazia algum sucesso nas redes sociais desde o ano passado, mas ficou mundialmente conhecido após o norueguês Slowboy lançar a música “Brazilian Phonk Mano” em janeiro deste ano
Por ser enérgico e com beats potentes, é comum encontrar o phonk como trilha sonora de vídeos nas redes sociais, o que o fez se popularizar em diversas comunidades virtuais, dos fisiculturistas aos gamers. Só no TikTok, a hashtag #brazilianphonk teve 3.1 bilhões de visualizações e milhões de áudios do gênero foram compartilhados durante todo o ano.
A plataforma é considerada a principal responsável pela circulação do phonk brasileiro – é quase impossível rolar pela timeline sem passar por um vídeo com músicas como “Sequência da Dz7” (TRA$HXRL e MC Menor do Alvorada), “Entre 4 paredes” (MC GW e S3BZS) e “Ritmadinha dançante” (DJ Gudog), utilizada em mais de 3 milhões de vídeos curtos, inclusive perfis de grande alcance, como o da Champions League.
Assim com o dj Slowboy, outros artistas estrangeiros, como o britânico Kordhell e o israelense Nueki têm sido impulsionadores e divulgadores das batidas brasileiras globalmente – muitas vezes fazendo feats e referências diretas aos funkeiros brasileiros de sucesso, verdadeiros “guardiões” do sucesso do gênero.
Existe diferença entre brazilian phonk e funk brasileiro?
Com o aumento da busca pelo termo nas redes e plataformas, surgiu o questionamento sobre o que diferencia o brazilian phonk do funk que já conhecíamos.
A vertente, cujo nome parece apenas uma tradução para o inglês de “funk brasileiro”, na verdade é considerada um estilo do funk que reúne características de vários subgêneros do ritmo, como o mandelão, o bruxaria e o automotivo, pitadas de techno e forte inspiração no Memphis rap, subgênero do hip hop norte-americano.
O som do brazilian phonk é descrito por muitos entusiastas como “uma explosão”. Suas principais características são o uso de samples, graves pesados, a distorção das vozes dos artistas e o uso de batidas eletrônicas. Geralmente, as faixas são remixadas em diferentes versões, como slowed e sped up.
Outra curiosidade é que, de maneira geral, os artistas do phonk não gravam videoclipes nem “dão cara” às canções: thumbs com imagens estáticas obscuras, que fazem referência a animes, são o símbolo desse estilo.
Um dos países que mais surpreendeu na audiência do brazilian phonk foi a Ucrânia. Em meados deste ano, mesmo durante a guerra, músicas de artistas como MC GW e a funkeira Bibi Babydoll viralizaram no TikTok com vídeos inesperados, como os de soldados dançando phonk no front
Das redes sociais às gravadoras
Apesar de o brazilian phonk fazer mais sucesso fora do que dentro do País atualmente, gravadoras começaram a entender que os artistas brasileiros do gênero tem potencial de crescimento para consumo externo e interno. No início deste mês, a Universal Music firmou seu contrato com o MC Menor do Alvorada, cantor paulista de 21 anos que esteve no pódio de diversos rankings musicais em 2023.
O funkeiro começou a cantar aos 11 anos, quando ainda gostava mais de pagode que de funk. Em 2019, começou a lançar as primeiras músicas de sucesso, como “Beat Trava Pulmão” e “Sequência da Dz7”, que anos mais tarde seria remixada e o levaria a um novo direcionamento de carreira: deixar o funk dos fluxos de São Paulo e focar nos beats pesados do phonk.
“O pessoal começou a usar minhas músicas para jogar Fortnite, para fazer edit jogando, edit de futebol, de carro. Começou na gringa, e até o Real Madrid e a Champions League já usaram a ‘Sequência da Dz7”, comemora. Para ele, o ritmo se destaca por dar “força e energia” a quem escuta, o que o faz ser associado a situações de diversão, esporte e lazer.
Apesar do sucesso nas redes, MC Menor nem imaginava que, após um ano trabalhando com o brazilian phonk, seria um dos artistas brasileiros mais escutados no mundo. Além de fazer sucesso na terra natal, o funkeiro conta com o público de mais de 50 países, com destaque para Suíça, Ucrânia e China.
“Isso não estava nos meus planos. Fiquei bem impressionado, porque foi de repente, mas ao mesmo tempo não foi da noite para o dia, porque eu trabalhei muito antes. Mas o pessoal da gringa abraçou de tal maneira que, se você for ver, os comentários [nos vídeos] são todos em inglês”, explica.
Para dar início à nova fase da carreira, ele lança novo EP nesta sexta-feira (29), intitulado “Tropa do Platinado”. Já em 2024, o artista pretende lançar um álbum inteiro de phonk e estruturar uma turnê no Brasil e na Europa. Antes dos shows presenciais, no entanto, um evento para quem o consagrou – o público da internet – ocorre no Metaverso, em janeiro.
Novo gênero ou gourmetização?
Junto ao sucesso do brazilian phonk no último ano, um debate surgiu: seria o termo uma forma de artistas estrangeiros se apropriarem de um gênero que é tipicamente da cultura brasileira, negra e periférica? E por que não usar a grafia original?
Não há um consenso, mas há quem veja mais vantagens no que problemas. O MC Menor do Alvorada, por exemplo, acredita que não há problema na produção estrangeira quando, como costuma ocorrer, o funk brasileiro é colocado como referência.
“Eu gosto, porque estamos acostumados a ver muitos artistas brasileiros se inspirando nos de fora. Ver que os gringos estão começando a olhar para nós, do funk do Brasil, é ótimo, porque abre a porta para gravações e parcerias”, afirma.
O pesquisador e articulador nacional do movimento funk Bruno Ramos concorda com o MC e não acredita em “gourmetização”, mas que o nome foi modificado para facilitar a pronúncia e circulação lá fora, o que resultou na viralização do funk nas redes sociais.
Ele conta que não vê “muita distinção” entre o funk e o brazilian phonk, apenas enxerga o estilo como uma nova “frequência territorial” – assim como ocorre no País, em que cada localidade possui seu jeito de fazer funk.
“Sinto que as pessoas acham que o que ocorreu com outros segmentos que foram apropriados e embranquecidos – como o jazz, o rock, o blues, o rap e o próprio samba – vai ocorrer com o funk”, explica. “Mas o problema da apropriação é quando as pessoas que criam esse movimento não ganham dinheiro e, nesse caso, eles continuam ganhando. O funk tem hackeado o sistema e gerado oportunidades de trabalho”.
Funk como soft power
Bruno, que também é Relações Públicas e Governamentais da GR6, uma das grandes produtoras de música urbana do País, acredita que o brazilian phonk é uma oportunidade de fortalecimento do funk brasileiro como um soft power do País – algo que já vem ocorrendo há pelo menos cinco anos, a exemplo do sucesso global de hits como “Bum Bum Tam Tam” (MC Fioti) e “Baile de Favela” (MC João).
Ele compara o que ocorre com o gênero atualmente com o que ocorreu com o k-pop, da Coreia do Sul, inclusive no público que mais se interessa e engaja com ambos: o público jovem. E ressalta que os artistas do funk têm conseguido manter a conexão com as novas gerações.
“Já são cinco décadas em que o funk está se modificando, e ele também acompanha as modificações tecnológicas e globais. Cabe a nós ajudar a manter essa cultura do jeito que ela é, sem perder as características essenciais, mas também sem engessar”, ressalta.