BBB21 acende discussão sobre cultura do cancelamento e psicólogos alertam para risco a saúde mental

Vontade de alavancar a carreira, ganhar seguidores e o medo de perder contratos são colocados na balança pelos brothers na hora de guiar comportamentos no jogo

A 21° edição do Big Brother Brasil trouxe para a televisão brasileira a discussão da "cultura do cancelamento", tema até então ainda restrito aos meios digitais. A pauta foi uma das temáticas debatidas pelos participantes durante a primeira interação do grupo, na qual eles compartilharam suas experiências nas redes sociais e o medo de ser “cancelado” na internet. O assunto ganhou tanta repercussão, dentro e fora da casa, que chegou a ser tema da dinâmica do jogo da discórdia do programa.  

A expressão “cancelar” surgiu no ambiente digital para se referir a alguém que cometeu alguma atitude apontada como errada pela sua audiência e, por conta disso, passa a receber críticas massivas devido a  esse comportamento. Esse processo pode acontecer ainda quando o discurso de um influenciador digital apresenta uma ruptura, isto é, está incoerente com aquilo que essa pessoa reproduz nas redes sociais, explica a Issaaf Karhawi, pesquisadora em comunicação digital da Universidade de São Paulo (USP). 

No caso do BBB21, o comportamento dos participantes já apresenta reflexos do lado de fora da casa. A rapper Karol Conká está sendo “cancelada” por ter feito comentários considerados xenofóbicos contra a participante Juliette, por conta do seu sotaque. A cantora também está sendo criticada por sua relação com Lucas Penteado. Em um dos episódios, ela se recusou a comer no mesmo ambiente que o ator, além de insultá-lo diversas vezes.

Segundo Issaaf Karhawi, o cancelamento prevê características inerentes às redes sociais. Ela afirma que essa cultura depende de uma lógica algorítmica binária, a qual se baseia em um volume de dados para avaliar o que é bom e o que é ruim. Outro fator que impulsiona esse comportamento no ambiente digital é a velocidade de informações. 

“O algoritmo funciona em uma dinâmica zero, um, zero, um, zero, um. As redes sociais também. As redes são binárias no sentido de curtir, não curtir, comentar, não comentar, seguir, não seguir. E o cancelamento replica essa dinâmica. Cancelar é dizer se uma pessoa está certa ou está errada. Se é fada sensata ou se é cancelado. Então é uma dinâmica binária de avaliação da conduta do outro”, esclarece. 

O fenômeno não pode ser atribuído apenas a questões negativas, aponta Issaaf Karhawi. O cancelamento também promove, conforme a especialista, uma nova maneira de pautar a opinião pública com discursos em circulação que merecem ser ouvidos e que deveriam ter espaço para isso. 

Embora esse processo possa ser uma ferramenta de crítica social, ela alerta que não se pode perder de vista que o cancelamento é uma forma de violência no cenário digital. “Muitos dos cancelamentos do Big Brother de 2020, por exemplo, serviram também para indicar questões que deveriam ser discutidas e isso é importante, a gente não pode só cancelar o cancelamento. (...) Cancelar por cancelar é violência, é desumano. Cancelar para trazer também uma crítica social é uma forma da gente avançar como coletivo”, diz.

"Cancelar por cancelar é violência, é desumano. Cancelar para trazer também uma crítica social é uma forma da gente avançar como coletivo”

Saúde mental 

A tentativa de cancelar um usuário de uma rede social pode afetá-lo também na vida “offline”, afirma a professora do departamento de Psicologia da UFC, Michelle Steiner. A profissional aponta o fenômeno como uma nova roupagem do linchamento virtual, que tenta  silenciar, apagar e afastar, por meio do boicote e da punição, aqueles que praticaram um comportamento considerado aversivo a determinado grupo. 

A psicóloga alerta que os “cancelados” podem desenvolver, embora isso não ocorra de modo obrigatório, sintomas semelhantes aos apresentados por pessoas vítimas do “cyberbullying”, como distúrbios psicossomáticos (dor de cabeça, dor no estômago, entre outros), irritabilidade,  alterações no sono e pensamentos destrutivos, o qual, a depender da frequência e da intensidade, pode induzir a um quadro de ansiedade e depressão.

“Considero uma forma de violência psicológica usada independente da etnia, gênero, status social e que, ao mesmo tempo que busca silenciar, apagar, inviabilizar, desqualificar e apedrejar emocionalmente o cancelado.  Evidencia-o a um conjunto de ideias, bem como alimenta discursos de ‘ódio de manada’, um coletivo organizado contra um objeto representante, como uma pessoa ou uma empresa”, explana. 

O comportamento dos “canceladores” está associado à perda de habilidade de interação social face a face entre os usuários das redes sociais, aponta a psicóloga e professora da Universidade de Fortaleza, Daniela Furlani. Segundo ela, criticar alguém remotamente é “mais fácil”, já que o outro está impossibilitado de se defender e de mostrar o seu ponto de vista. 

“Eu tendo a ser menos empático ao outro quando eu me relaciono com ele de um modo remoto, onde eu não consigo me conectar com o outro no conceito de empatia”, afirma. 

Medo do cancelamento

O medo de ser cancelado por seu comportamento no BBB21 fez com que alguns participantes adotassem novas posturas para evitar uma repercussão negativa dentro e fora do jogo. O cantor Fiuk, por exemplo, fez aulas sobre feminismo antes de entrar no programa. 

A youtuber Viih Tube já entrou “cancelada” na casa por conta de um vídeo publicado por ela em 2016, no qual ela surge cuspindo na boca de um gato. Durante a sua participação no BBB, a influenciadora comentou que sentia medo do julgamento da internet. 

O receio de ser cancelado pelos internautas pode inibir o comportamento dos participantes do reality, afirma Daniela Furlani. “Esse comportamento de inibição, defensivo, ‘com o pé atrás’ faz com que essas pessoas não se comportem naturalmente e de modo mais saudável”, diz.

Já a pesquisadora Issaaf Karhawi acredita que o cancelamento vai determinar mais a percepção da audiência do Big Brother Brasil do que o comportamento dos participantes dentro do jogo. 

“Ainda que eles cuidem do discurso, ainda que eles tentem performar um sujeito ideal, ainda sim é muito difícil manter um discurso que é incoerente com o sujeito. Então em algum momento esse sujeito autêntico, mais genuíno, menos performático vai aparecer no jogo e vai ter que lidar com as consequências das suas atitudes”, completa.